POLÍTICA ECONÔMICA

Tony Volpon alerta sobre queda de juros: 'A janela fechou'

Para o economista e professor adjunto da Georgetown University, com o IPCA voltando a acelerar e ficando acima das previsões, o Copom não tem espaço para ampliar o ritmo de corte da Selic. E o diretor do BC faz um alerta para os riscos inflacionários que devem vir dos Estados Unidos

Washington — Às vésperas da segunda reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o sinal de alerta voltou a ficar amarelo, pois a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgada na terça-feira, acelerou em fevereiro para 0,83%, variação acima do esperado pelo mercado. Esse dado, somado às incertezas que ainda devem persistir ao longo do ano, não apenas no mercado doméstico, enterram qualquer chance de o BC acelerar o ritmo de corte da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 11,25% ao ano, na avaliação do economista e ex-diretor do Banco Central Tony Volpon.

"Com a inflação acima do esperado, então, não tem o que fazer. Fechou a janela, e o BC vai ter que caminhar com os dois cortes de 0,50 ponto percentual", sentencia o economista ao comentar sobre a decisão do Copom na reunião de amanhã e de quarta-feira. Contudo, ele reconhece que o juro real (descontada a inflação) do Brasil ainda é "estupidamente alto" e lembra ainda que o Produto Interno Bruto (PIB), apesar da surpresa em 2023, com crescimento de 2,9%, ainda está "estagnado".

Na avaliação de Volpon, ainda não está certo se o Copom continuará com o forward guidance (sinalização futura) das reuniões anteriores, pois ainda há um risco no radar vindo dos Estados Unidos que pode, em vez de iniciar um corte, aumentar ainda mais os juros. Ele prevê vitória do republicano Donald Trump nas eleições deste ano para a presidência dos EUA, o que poderá resultar em novas pressões inflacionárias. "Esse pouso suave não é bem assim. A economia americana pode arremeter novamente, e os juros subirem", ressalta.

O professor adjunto da Georgetown University, sediada em Washington, aponta como um dos fatores de risco que o mercado vem incluindo na conta está a mudança no comando do Banco Central uma vez que, em dezembro deste ano, vence o mandato do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Ao ver do economista, o novo diretor do BC e ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, tem grandes chances de ser o escolhido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para o lugar de Campos Neto, mas ele ainda precisará conquistar a confiança do mercado. "Ele vai ter que provar esse compromisso com a meta e a independência do BC. Não tem nada que ele possa fazer ou falar que vai diminuir essa incerteza", pontua. A seguir, os principais trechos da entrevista de Volpon concedida ao Correio:

A inflação de fevereiro veio acima do esperado. Qual expectativa para a próxima reunião do Copom?

Ficamos vários meses com a inflação vindo abaixo do esperado. Eu achava e ainda acho que isso era uma janela para o BC acelerar o ritmo de corte (da Selic) sem sofrer nenhum dano, certamente, no câmbio. E as expectativas estão rodando acima da meta em função da incerteza sobre as mudanças no comando do BC.

Mas não é por conta do fiscal?

Não. É a mudança no BC no fim do ano e sobre quem vai ser o novo presidente e qual vai ser o novo Copom com a saída de Campos Neto (em dezembro). Acho que o mercado, até racionalmente, botou um prêmio de risco nas expectativas. E aí, quem será o próximo presidente do BC terá que comprovar que ele, de fato, tem um compromisso com o centro da meta e, comprovando isso, as expectativas serão reancoradas. Então, de uma certa maneira, as expectativas mais longas não estão mais sendo impactadas por qualquer fator cíclico. Na verdade, é o futuro Copom, após Campos Neto.

Isso é que está no radar do mercado?

Desde a entrada do Galípolo, sabemos que será ele, mas, não há certeza se ele tem um compromisso. Ele, de fato, tem seguido piamente a linha ortodoxa do Copom, mas sem dissenso algum. Ele está agindo para tentar ganhar credibilidade. É uma pessoa que tem compromisso com a meta. Só que o mercado é um pouco cínico e vai fazer aquela coisa de querer ver para crer, quando ele estiver sentado na cadeira com o Lula entrando em ciclo eleitoral. Aí é que ele vai ter que provar esse compromisso com a meta e a independência do BC. Não tem nada que ele possa fazer ou falar que vai diminuir essa incerteza.

Mas e o fato de a inflação ter vindo um pouquinho acima do esperado?

Agora, com a inflação acima, então, não tem o que fazer. Fechou a janela, e o BC vai ter que caminhar com os cortes de 0,50 ponto percentual (na Selic) e tem essa discussão de que vão continuar ou não com o forward guidance de que manterá ou não o ritmo nas próximas no plural ou não.

E qual a opinião do senhor?

Eu acho que eles deveriam continuar, porque há claramente a intenção de fazer, pelo menos, esses dois cortes. Teria que acontecer uma grave mudança de cenário, independentemente da inflação estar incomodando de novo. O juro real brasileiro ainda é estupidamente alto.

Ainda tem espaço para cortar os juros?

É...A economia está estagnada. Convenhamos que ela não cresceu nada no ano passado. O PIB de 2023 foi, na verdade, o crescimento do primeiro semestre. Na segunda metade do ano, andou completamente de lado. Não é que a economia esteja bombando. Então, acho que tem espaço para cortar e ser menos contracionista (na condução da política monetária). Tinha uma janela temporal para fazer um movimento mais forte. Não se aproveitou dessa janela. Para mim, foi um erro, mas agora a janela fechou. Então, não tem o que fazer, porque se eles tentarem fazer assim, o câmbio anularia tudo.

O câmbio está em torno de R$ 5, poderia estar mais baixo?

Sim, se houvesse um ambiente menos tensionado em relação a questões do ambiente de negócios, o dólar poderia estar em torno de R$ 4,20. Estamos tendo um resultado fiscal melhor do que o mercado esperava, a aposta do Haddad, que poderia endereçar, pelo menos, parte do rombo fiscal com aumento de arrecadação, de fato, funcionou, e o governo está tendo essa receita. Existe uma discussão se essa receita é temporária ou permanente, mas uma coisa que aprendi nesses anos é que o governo brasileiro tem uma capacidade constante de achar receitas temporárias.

Como assim?

Quando você olha os dados, ao fazer essa quebra entre o estrutural e o temporário, você vê que existe um estrutural temporário, porque existe um temporário que sempre está pingando. O governo tem um grande jogo de cintura para achar alguma receita. De vez em quando, são dividendos ou alguma mudança… E isso ocorre em todos os governos. Agora, essa melhora no quadro fiscal, por exemplo, deveria refletir na precificação do mercado. Mas, não. O câmbio está atolado em R$ 5, a curva de juros oscilou, mas agora está meio sem rumo, e a Bolsa não sai do lugar. Então, temos uma economia em que os preços não refletem essa melhora, porque você tem uma retórica e algumas ações do governo que assustam o mercado.

Foi o que aconteceu com o tombo das ações da Petrobras?

Essa questão da mudança na distribuição de dividendos são ações que podem, sem abordar a questão do mérito, mas a maneira como elas estão sendo feitas impactam negativamente a confiança do mercado e do empresariado sobre o rumo da economia. E isso é um problema que vemos no PIB, a queda de investimentos, que subiu bastante no pós-pandemia, mas está recuando, ainda é preocupante, porque ele é o PIB futuro.

E o Brasil não consegue aumentar muito a taxa de investimento em relação ao PIB…

Essa taxa estava artificialmente alta no governo Dilma (Rousseff), despencou com a recessão de 2015 e 2016, e recuperou um pouco no governo Michel Temer e no início do governo Jair Bolsonaro, mas ficou abaixo do que era antes. E, obviamente, quando veio a pandemia, desabou, mas subiu após a pandemia, mas, agora, caiu de novo.

Mas esse aumento do investimento não está relacionado com a alta da poupança durante a pandemia, porque muita gente deixou de consumir?

Não tem nenhuma relação com a poupança. Claro que teve uma perna de demanda pós-pandemia. Entrou uma demanda boa, mas eu acho que o empresariado, e, isso é uma tese que eu tenho sobre o Brasil e os Estados Unidos também, que precisarão de uma certa maneira, ter um ganho de produtividade. A pandemia forçou as empresas a repensarem o modo de operar e de atuar e buscarem eficiências internas e ganhos de produtividade. E, parte disso, é investir mais. Então, de repente, você tem um crescimento maior, uma produtividade maior, e tudo isso um crescimento não inflacionário que vem acompanhado de produtividade. Essa é uma janela que aqui nos Estados Unidos ainda não se fechou, mas que, no Brasil, parece que foi um fenômeno de curto prazo e que não se sustentou. A economia acabou rodando em um patamar maior, com mercado de trabalho mais apertado, níveis de investimentos mais altos, níveis de produtividade mais altos, que o Brasil não conseguiu dar continuidade a um momento muito bom. Essa é uma combinação de fatores que todo mundo gostaria de ter o tempo inteiro: desemprego baixo, inflação controlada, produtividade alta e PIB alto. A gente meio que perdeu esse embalo e a gente perdeu esse momento, infelizmente.

Para variar…

É o famoso voo da galinha. Uma pena. Mas o que eu argumento é que não precisava acontecer. No meu argumento, é que, independentemente de quem seja o governo, porque, no fim do dia, qualquer governante vai querer sustentar isso.

Mas qual foi o problema?

Sem sombra de dúvida, teve um erro do mercado também. Não vou só ficar criticando o governo. O mercado não olhou para esse novo equilíbrio para sustentar uma taxa de desemprego maior sem pressão inflacionária. O mercado ficou preocupado com teorias antigas, e o novo governo ficou mais preocupado com a agenda de recomposição do Orçamento no nível de gastos pré-Bolsonaro, o que até até um certo ponto tinha razão de ser, porque houve muito cumprimento de gastos temporários que foi feito especialmente no fim do governo, isso é claro. Acho que houve erros de execução de política monetária. Agora, essas coisas não podem ser endereçadas, brigando, criticando abertamente o presidente do Banco Central na pessoa física. Essas coisas têm que ser tratadas de maneira institucional. Haddad até tentou um pouco.

Acha que a Selic terminará o ano em quanto?

Nesses 9%-9,25% ao ano que o mercado está prevendo. E, agora, o BC vai ter que esperar abrir outra janela (para acelerar o corte). Meu medo é de não ter mais janela, porque, se olharmos para os Estados Unidos, o balanço de riscos está ruim. Primeiro, parece que a inflação americana está se estabilizando acima da meta e, nos Estados Unidos, especificamente, o dado que está acontecendo nos mercados ainda não mostra se a política monetária está restritiva e se a inflação fica atolada em 3% ao ano, como está atualmente. O Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), em vez de cortar, pode manter os juros mais altos e até mesmo elevar a taxa básica. E, quando leio os economistas daqui, vejo muito mais torcida, porque parece que a tese da inflação americana ir para 2% com corte de juros depende de muita coisa boa acontecer. Isso pode acontecer, mas também podem acontecer coisas ruins, como um novo choque de petróleo. Essa tese do pouso suave é muito frágil e, se ela não vingar, haverá muita pressão inflacionária sobre os emergentes. E, obviamente, outra coisa que pode mudar esse cenário é uma vitória do Donald Trump e, com ele, vir um novo choque inflacionário, porque os cortes de impostos aprovados por ele vencem em 2025.

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