Governança

Conselheiro renuncia e denuncia interferência política na Vale

Investidores têm se incomodado com a interferência política sobre empresas estatais. O desabafo de José Penido, revelado ontem, sobre ingerência política contribuiu para aumentar a desconfiança. Ações voltaram a cair

No mais recente capítulo na novela da sucessão do cargo de CEO da Vale, o conselheiro José Penido abandonou o posto detonando o processo de escolha do nome. A renúncia foi anunciada na segunda-feira, mas o teor da carta endereçada ao presidente do Conselho de Administração, Daniel Stieler, foi revelado ontem.

"Apesar de respeitar as decisões colegiadas, a meu ver o atual processo de sucessão do CEO da Vale tem sido conduzido de forma manipulada, não atende aos melhores interesses da empresa e sofre evidente e nefasta influência política", diz Penido na carta, à qual o Correio teve acesso.

Ele também diz não acreditar mais na "honestidade de princípios" de acionistas relevantes da companhia, em cumprir o objetivo de elevar a governança da Vale ao nível de uma corporação.

"No Conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse. O processo tem sido operado por frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro descompromisso com a confidencialidade", frisa Penido.

Como solução intermediária para um impasse sobre o novo comandante da mineradora, o conselho de administração da Vale decidiu, na última sexta-feira, manter no cargo até dezembro deste ano o atual CEO, Eduardo Bartolomeo, que já havia conduzido a gestão anterior. Enquanto isso, a companhia trabalha numa lista de sucessores.

Foram 11 votos a favor e dois contra essa solução. Penido e Paulo Hartung foram os dois membros do colegiado que votaram contra.

Impacto

Na Vale, o colegiado tem 13 cadeiras. Oito conselheiros são considerados independentes, enquanto os outros são representantes de acionistas de referência (Previ, Bradespar, Mitsui), além do representante dos empregados. Segundo especialistas, o impacto da saída de Penido é, principalmente, político.

Em entrevista realizada no mês passado, à Rede TV, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que todas as estatais brasileiras devem seguir as diretrizes do governo para o desenvolvimento do país. "A Vale não pode pensar que ela é a dona do Brasil. Ela não pode pensar que ela pode mais do que o Brasil", afirmou o chefe do Executivo.

Desde o ano passado, correm rumores de que o presidente deseja substituir Bartolomeu por Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda.

Na avaliação de especialistas, como Lucas Sharau, sócio partnership da iHUB Investimentos, o conteúdo da carta de renuncia de Penido traz uma sinalização ruim para os investidores. "A possível indicação de Mantega foi muito mal recepcionada pelo mercado; e assim foi com a fala de Lula sobre o controle e diretrizes da companhia. Logo após o posicionamento, vimos uma leve queda de 1,30% ou 1,40%. Esse resultado vem ao encontro do entendimento que o mercado tem sobre essa fala, de contrariedade e aversão a uma possível controladoria ligada ou alinhada com discursos políticos. No mercado financeiro, o preço da empresa é pautado principalmente em relação às expectativas que se tem sobre o negócio, sobre a lucratividade do negócio, sobre a sua gestão e sobre o seu futuro", observou Sharau.

Relevância

Listada em diversas bolsas ao redor do mundo, a Vale possui relevância internacional. Considerando-se o período de 12 meses, a empresa apresentou um dividend yield de 8,89%, atrativo para investidores. No entanto, o desempenho no período também revelou uma depreciação de 13,42% no valor da ação.

"A Vale é uma empresa que já está bastante descontada, devido a uma série de fatores que a levaram para isso. Ela é uma empresa que deveria valer um pouco mais, as casas de análise hoje precificam um preço justo para a Vale na ordem de R$ 90,00. Há espaço para a empresa, potencial de valorização para o negócio. A Vale tende a pagar bons dividendos, nos últimos 12 meses pagou cerca de 10%, 9,5%. E é uma empresa que tem potencial de valorização", fala o assessor de investimentos.

As oscilações nas ações da Vale também têm relação com o preço do minério no mercado internacional. Preocupa, especialmente, a China, principal comprador. As discussões se intensificam em torno da capacidade de a economia chinesa manter sua resiliência diante de desafios econômicos e sanitários que impactam globalmente.

"Devido à crescente demanda pelo minério de ferro no mundo, há uma necessidade latente e esperada de consumo de minério de ferro para os próximos anos e por isso a Vale se posicionando estrategicamente", finalizou Lucas.

 

 

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