Termina nesta sexta-feira (8/3) o prazo para empresas com 100 ou mais funcionários enviarem ao Ministério do Trabalho e Emprego o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios do Primeiro Semestre de 2024. Esses dados serão revelados em 15 de março e devem confirmar uma realidade que já é vista por organizações da sociedade civil que lidam com a questão de gênero: as disparidades salariais entre homens e mulheres.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), de 2021/2022, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que as brasileiras precisariam trabalhar, mensalmente, cinco dias a mais para receber o mesmo salário dos homens. Já as mulheres negras necessitariam de um 13º mês para equiparar os seus ganhos mensais aos dos homens brancos.
A igualdade salarial entre mulheres e homens está prevista na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Porém, mais de 35 anos depois de promulgada a Constituição, a norma ainda está distante de ser cumprida no país.
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“De maneira geral, as pessoas tem essa percepção de que a remuneração da mulher é menor do que a dos homens. E não é só uma intuição, é uma verdade. A gente cruza dados de mulheres e homens com o mesmo nível de escolaridade, mesma idade, em empregos formais, a gente percebe que tem uma desigualdade grande – ela chega a ser mais de 50% quando a gente compara salários de homens brancos com a renda média das mulheres negras”, comenta Rachel Rua, diretora da iO Diversidade, que presta consultoria sobre equidade de gênero e raça para empresas.
Rachel conta que as pessoas não costumam entender de onde vem essa desigualdade porque é a combinação de uma série de fatores. “Vão desde o fato de que as mulheres têm como impacto na sua trajetória profissional menos oportunidades de acessar e estarem em cargos de liderança melhor remunerados. E também tem a questão da maternidade, que afeta mais as carreiras no mercado de trabalho para mães do que para pais”, comenta a especialista. Ela ainda explica que até mesmo carreiras relacionadas ao feminino são menos remuneradas do que as que são relacionadas ao masculino. “Professores de educação infantil, que geralmente são as mulheres, recebem bem menos do que professores universitários, onde há muitos homens”, reflete.
Reivindicação
Segundo a militante da Marcha Mundial das Mulheres Maria do Carmo, a igualdade salarial é uma das principais reivindicações das mulheres trabalhadoras, junto a melhores condições de trabalho. Para ela, a legislação de Igualdade Salarial, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado, ajudou a trazer à tona o tema. “É uma lei federal admitindo que mulheres e homens ganham com disparidade e que existe a necessidade do trabalho igual ser remunerado de forma igual. Isso acelera o debate porque coloca que essa desigualdade existe, admite que ela existe, a gente não precisa ficar provando”, comenta.
No ano passado, o governo federal determinou, por meio da lei nº 14.611/2023, que todas as empresas devem pagar o mesmo valor aos homens e mulheres que desempenham funções equivalentes. Além disso, as instituições precisam divulgar, anualmente, o relatório com os dados salariais e mostrar, por gênero, as posições hierárquicas dos empregados. “A Lei de Igualdade Salarial vem como um dispositivo de fiscalização das distorções salariais que podem estar acontecendo por uma questão de preconceito de gênero. Na medida em que as empresas, com 100 ou mais colaboradores, precisam declarar as informações de gênero, cargo, função, salário, aliadas a outras informações como, por exemplo, as ações de equidade e diversidade que possuem internamente, os órgãos públicos conseguem ter informação mais qualificada para poder atuar e fiscalizar o mercado de trabalho”, explica a diretora da iO Diversidade.
Bárbara Barbosa, coordenadora de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil, alerta que “as mulheres negras são mais qualificadas” e “continuam as formações técnicas e acadêmicas”, merecendo melhores posições. “São mulheres que, apesar de estarem em cargos mais baixos, têm mais qualificação e mais formação mesmo. Elas têm uma produtividade muito mais assertiva também em relação às pessoas brancas. No entanto, elas são aquelas que estão nos cargos mais baixos e não conseguem ascender a cargos maiores por uma questão de racismo estrutural”, observa Bárbara, com base nos dados do IBGE.
Planos de cargos
“Muitas vezes as distorções (de salário) não estão no cargo de entrada da pessoa na empresa, mas passam a estar presentes nas suas trajetórias de desenvolvimento profissional, com o surgimento de barreiras”, acrescenta Rachel Ruas. Entre os principais desafios, estão planos de cargo e salários estruturados com fiscalização permanente. “As empresas, às vezes, tem isso estruturado, mas não monitoram. Outro ponto é se preocupar com as políticas de oportunidades iguais para os gêneros, pensando a trajetória da colaboradora na empresa”, acrescenta Ruas.
Barbosa faz um retrospecto das ações afirmativas, que iniciaram na educação e se refletiram em trabalhadoras mais qualificadas. “Os movimentos de mulheres e os movimentos de mulheres negras têm pressionado os governos e influenciado as empresas a regulamentar as ações afirmativas. A gente está falando de uma luta que veio historicamente por ações afirmativas nas universidades. Quando, há mais de 20 anos, essas pessoas acessaram as melhores universidades e conseguiram cargos e salários melhores, isso gerou uma necessidade muito positiva no país de olhar para a questão do mercado de trabalho”, comenta a especialista da Oxfam Brasil.
Dúvidas das empresas
Rachel Ruas conta que, nas consultorias que faz, relacionadas às ações afirmativas, as empresas trazem muitas dúvidas sobre o relatório com informações salariais, cujo prazo de entrega termina hoje. A questão principal, segundo ela, é se os resultados serão divulgados individualmente, o que poderia ferir a Lei Geral de Proteção de Dados e também gerar mais concorrência. O Ministério da Mulher, no entanto, já realizou lives informativas sobre o preenchimento do relatório e como ele deverá funcionar. No site da pasta, há esclarecimentos afirmando que não haverá divulgação de dados individuais e que as informações serão utilizadas apenas para verificar a existência de diferenças salariais entre homens e mulheres no mesmo cargo.
“As empresas precisam compreender que, a partir do momento em que elas geram equidade de cargos e salários, sobretudo entre homens brancos e mulheres negras, elas vão ser mais produtivas”, finaliza Bárbara Barbosa, da Oxfam.
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