As lacunas globais de gênero no ambiente de trabalho é muito maior do que se pensava anteriormente, conforme dados de um relatório divulgado, nesta segunda-feira (4/3), pelo Banco Mundial (Bird, na sigla em inglês). Infelizmente, as mulheres gozam de menos de dois terços dos direitos dos homens e nenhum país pesquisado oferece oportunidades iguais às mulheres -- nem mesmo as economias mais ricas --, de acordo com o levantamento feito junto a 190 países.
O Banco Mundial introduziu novas formas de medir o progresso da igualdade legal de gênero na décima edição do relatório “Mulheres, Empresas e o Direito” recém-divulgado. No levantamento, há dois conjuntos de dados: Mulheres, Empresas e o Direito 1.0; e uma versão expandida, Mulheres, Empresas e Direito 2.0. E, pela primeira vez, a avaliação vai além das leis em vigor e passa a examinar os marcos legais que apoiam a implementação dessas leis e avaliar as opiniões de especialistas sobre seus resultados para as mulheres — de fato.
O estudo do Bird abrange 10 indicadores: segurança, mobilidade, ambiente de trabalho, remuneração, casamento, maternidade/paternidade, cuidados infantis, empreendedorismo, ativos e pensões. De acordo com o estudo, globalmente, a disparidade de gênero enfrentada pelas mulheres no trabalho é enorme”. “Embora as economias tenham feito progressos notáveis ao longo das últimas décadas no sentido de promulgar leis de igualdade de oportunidades sensíveis ao gênero, as mulheres de hoje desfrutam de menos de dois terços dos direitos legais oferecidos aos homens — e não de três quartos, como se estimava anteriormente”, destacou o documento.
O relatório expande o escopo da análise, acrescentando dois indicadores que podem ter um papel crucial na ampliação ou restrição das opções das mulheres: segurança contra violência e acesso a serviços de cuidados infantis. Quando são introduzidas essas medidas, as mulheres desfrutam, em média, de apenas 64% das proteções legais oferecidas aos homens — muito menos que a estimativa anterior de 77%.
As deficiências nessas áreas desencorajam as mulheres a ingressarem na força de trabalho global. Em apenas 37 economias pesquisadas, as mulheres têm acesso a menos da metade dos direitos legais usufruídos pelos homens, o que afeta meio bilhão de mulheres.
A análise do Bird revelou também uma lacuna assustadora no que se refere à implementação. Embora, segundo as leis em vigor, as mulheres parecem gozar de cerca de 64% dos direitos concedidos aos homens, as economias implementaram, em média, menos de 40% dos sistemas necessários para sua plena implementação. Por exemplo, 98 economias promulgaram leis que determinam a igualdade de remuneração para as mulheres por trabalho de igual valor.
No entanto, apenas 35 economias — menos de uma em cada cinco — adotaram medidas de transparência salarial ou os obstáculos que as mulheres enfrentam para ingressar na força de trabalho global e contribuir para o aumento da prosperidade — delas próprias, de suas famílias e de suas comunidades.
- Igualdade salarial desafia empresas
- Número de mulheres em cargos de chefia no serviço público sobe, mas ainda é baixo
- Desigualdade econômica cria abismo social entre homens e mulheres
Dificuldades maiores no empreendedorismo
As mulheres também enfrentam obstáculos significativos em várias áreas. No empreendedorismo, por exemplo, apenas uma em cada cinco economias adota critérios sensíveis ao gênero em seus processos de aquisições e contratações públicas, o que significa que as mulheres são, em grande parte, excluídas de uma oportunidade econômica equivalente a US$ 10 trilhões ao ano.
No quesito remuneração, as mulheres ganham apenas US$ 0,77 para cada US$ 1 pago aos homens. Essas disparidades persistem até a aposentadoria. Em 62 economias, as idades em que homens e mulheres adquirem o direito de se aposentar não são as mesmas. As mulheres tendem a viver mais que os homens, mas, como recebem salários mais baixos enquanto trabalham, afastam-se do trabalho quando têm filhos e se aposentam mais cedo, acabam por receber pensões mais baixas e sofrer maior insegurança financeira na velhice.
“É urgente — mais do que nunca — que aceleremos nossos esforços para reformar as leis e promulgar políticas públicas capazes de empoderar as mulheres e permitir que trabalhem mais e abram e expandem suas próprias empresas”, disse Tea Trumbic, principal autora do relatório, em nota divulgada pelo Banco Mundial. Segundo ela, apenas metade das mulheres faz parte da força de trabalho global, em comparação com quase três em cada quatro homens. Isso não apenas é injusto, mas também constitui um desperdício. “Aumentar a participação econômica das mulheres é a chave para amplificar suas vozes e moldar as decisões que as afetam diretamente. Os países simplesmente não podem se dar ao luxo de marginalizar metade de sua população”, acrescentou.
“As mulheres têm o poder de turbinar a debilitada economia global”, disse Indermit Gill, economista-chefe do Banco Mundial e vice-presidente sênior de Economia do Desenvolvimento, no comunicado da instituição. No entanto, lembrou ele, “em todo o mundo, leis e práticas discriminatórias impedem as mulheres de trabalhar ou abrir empresas em pé de igualdade com os homens ".A eliminação dessa disparidade poderia aumentar o produto interno bruto global em mais de 20%, o que, em essência, duplicaria a taxa de crescimento global durante a próxima década. Contudo, o ritmo das reformas vem se tornando cada vez mais lento. O relatório identifica medidas que os governos podem adotar para acelerar o progresso rumo à igualdade de gênero no setor empresarial e na lei”, complementou.
De acordo com o levantamento do Banco Mundial, quase todas as economias apresentaram desempenho ruim nos dois indicadores monitorados pela primeira vez: segurança e cuidados infantis. “Os resultados são piores no quesito segurança das mulheres. A pontuação média global é de apenas 36, o que significa que as mulheres desfrutam de apenas um terço das proteções legais de que necessitam contra violência doméstica, assédio sexual, casamento infantil e feminicídio”, destacou o documento.
Embora 151 economias tenham leis em vigor que proíbem o assédio sexual no trabalho, apenas 39 têm leis que o proíbem em espaços públicos. Isso costuma impedir que as mulheres utilizem o transporte público para irem ao trabalho. Conforme os dados do relatório, as mulheres enfrentam, portanto, perigos ao utilizarem o transporte público para se deslocarem para o trabalho. No total, 139 economias não dispõem de legislação adequada que proíba o casamento infantil, o que tende a aniquilar as oportunidades educacionais e econômicas futuras das meninas.
A maioria das economias também apresenta uma pontuação baixa no que diz respeito a leis
relacionadas a cuidados infantis. Em média, as mulheres gastam, todos os dias, 2,4 horas a mais que os homens com tarefas relacionadas a cuidados não remunerados — e uma grande parte dessas tarefas envolve crianças. A expansão do acesso a cuidados infantis tende a aumentar inicialmente a participação das mulheres na força de trabalho em cerca de 1 ponto percentual, e esse efeito se duplica no prazo de cinco anos. Apenas 62 economias — menos de um terço — definiram padrões de qualidade para serviços de cuidados infantis. Como resultado, em 128 economias, muitas mulheres com crianças pequenas hesitam antes de ingressar ou retornar ao mercado de trabalho.
Atualmente, apenas 78 economias — menos da metade do total — fornecem algum apoio financeiro ou tributário a pais e mães com filhos pequenos. Apenas 62 economias — menos de um terço do total – adotaram padrões de qualidade para serviços de cuidados infantis, na ausência dos quais muitas mulheres com crianças pequenas hesitam antes de ingressar ou retornar ao mercado de trabalho.
Desempenho da América Latina
Na América Latina, nenhuma das 32 economias pesquisadas atingiu os 100 pontos no índice de marcos jurídicos. O Peru liderou a lista com 85 pontos e apenas 10 países pontuaram acima de 80 pontos. Brasil, junto com Panamá, Paraguai, Porto Rico e Uruguai registraram 80 pontos.
A pontuação máxima significa que essas economias promulgaram leis que estabelecem a igualdade de poderes administrativos e direitos de propriedade sobre bens imóveis, direitos iguais à herança e valoração das contribuições não monetárias. “Ainda há muitos desafios, especificamente na área de empreendedorismo. Nenhuma economia da região obteve nota máxima (100) nesse indicador: as pontuações variaram de 0 a 75”, destacou o estudo.
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