Um dos argumentos é pela autorregulação do mercado, praticada em grande parte dos países do mundo. Dessa forma, é preciso permitir a entrada de concorrentes, e regulamentar o necessário para garantir a segurança e a rede de cobertura das rotas. Por outro lado, a postura mais rígida adotada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) prioriza a segurança e leva em conta as limitações na capacidade de fiscalização do órgão.
"Claro que você tem uma barreira econômica mínima, um licenciamento prévio para demonstrar a capacidade. Uma vez tendo a licença, você é livre para registrar sua proposta de serviço. Isso tem sido a prática internacional. Ou seja, não cabe inventar história de que o mercado está saturado. Ele é livre e se autorregula", explanou o professor Joaquim José Guilherme de Aragão, do Centro de Formação em Transportes e Recursos Humanos da Universidade de Brasília (UnB).
Ele assinalou que as empresas que fazem transporte entre estados ou cidades não precisam ter frotas de 200 ou 300 veículos, como as que operam no ambiente urbano. Em sua avaliação, o Estado deveria apenas planejar e verificar se as rotas oferecidas pelas companhias atendem às necessidades dos passageiros.
Questionado sobre o uso de sorteio para desempate entre empresas, o professor disse considerar um erro. "Não é admissível você limitar a oferta. O registro tem que ser livre, não tem essa de sorteio. Quem vai determinar que os serviços são suficientes é o mercado. Se tem um número muito grande de empresas em um trecho, o entrante vai buscar outro. Cabe a ele decidir se vai ou não concorrer", pontuou.
Segurança
Já o diretor da FGV Transportes Marcus Quintella ressaltou que, mesmo sendo a favor da desregulamentação pelo Estado, o cenário muda quando envolve a segurança dos usuários. Na avaliação dele, a ANTT acerta ao priorizar o tema em sua regulamentação. Embora concorde também que há um número pequeno de transportadoras operando nas rodovias, ele avalia que isso decorre de fatores mercadológicos, com as grandes comprando as menores ao longo do tempo, e cita que havia um grande número de concorrentes há 50 ou 60 anos.
"Não tem certo ou errado. É uma preocupação. Que pode ter aperfeiçoamento, pode. Mas a prioridade é a segurança, eu entendo assim. Essa parte aí tem que ser muito bem não só regulada, mas cercada de todos os lados", ponderou Quintella. Ele destaca também a dificuldade da fiscalização de um mercado que abarca praticamente todas as rodovias do país - que, por sinal, possui muitas em estado precário. Segundo estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT) do fim de 2023, 67% das rodovias brasileiras são consideradas regulares, ruins ou péssimas.
"Não é fácil. Você já viu tantas barbaridades, até na parte que a ANTT faz de caminhões de carga. Quantos ainda não conseguem ser multados? Imagina se deixa o negócio aberto para os passageiros", afirmou o diretor. "Hoje existe um atendimento (da demanda), independentemente dessa disputa política. Volto a dizer, o que está em jogo é a segurança, que é fundamental. Se abrir para todo mundo, vai virar uma bagunça", completou Quintella (VC).