Ainda que as perspectivas para a economia neste ano estejam melhorando, o sócio e economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros, prefere esperar por dados mais concretos para endossar esse quadro. Na avaliação dele, os riscos que rondam o Brasil são consideráveis, a começar pelo embate entre o governo e o Congresso, que parece estar longe do fim, apesar da promessa de trégua firmada entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira. "O risco em torno da agenda econômica me parece que não é pequeno, seja por ruídos na relação entre Executivo e Legislativo, seja pelo fato de estarmos nos aproximando de um ponto de fadiga da aprovação de medidas exclusivamente pelo lado da receita", afirma.
Para Barros, o governo tem sido ajudado pela sorte, pois a queda dos preços das commodities (mercadorias com cotação internacional) empurrou a inflação para baixo, abrindo espaço para que o Banco Central reduzisse a taxa básica de juros (Selic). A continuidade desse corte, porém, dependerá de como o Ministério da Fazenda, com apoio do Congresso, manejará as contas públicas. "Continuamos com sérios problemas estruturais na área fiscal. E o governo não pode fazer o ajuste de suas contas apenas pelo lado das receitas, é preciso também atacar os gastos", diz ele, que não acredita no cumprimento da meta de deficit zero neste ano.
O economista teme que, para entregar crescimento maior da economia, o governo recorra a improvisos e atalhos que custarão caro mais à frente. No entender dele, em vez de seguir nesse caminho perigoso, a equipe econômica deveria avançar com reformas como a administrativa e atacar as deficiências e as distorções nos gastos sociais, como o abono salarial, limitado a quem ganha até um salário mínimo. Pelos cálculos dele, medidas como essas podem resultar em economia de R$ 600 bilhões em uma década. "É preciso acabar com essa visão de que não se pode mexer em gastos sociais, como se fossem vacas sagradas. Esse debate não pode ser interditado", ressalta. Barros assinala que, a despeito de alguns avanços vistos no último ano, "o Brasil não ficou mais bonito, foi o mundo que ficou mais feio". Nos cálculos dele, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 1,8% neste ano, podendo chegar a 2%.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.
Até que ponto a disputa entre o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o governo coloca em risco o ajuste fiscal? Há várias medidas apresentadas pelo Ministério da Fazenda à espera de votação...
O risco em torno da agenda econômica me parece que não é pequeno, seja por ruídos na relação entre Executivo e Legislativo de natureza política e de costumes, seja pelo fato de estarmos nos aproximando de um ponto de fadiga da aprovação de medidas exclusivamente pelo lado da receita. É compreensível e defensável que uma série de distorções e privilégios que existem no sistema tributário sejam atacados, mas uma abordagem equilibrada precisa obrigatoriamente olhar para as enormes ineficiências e privilégios que existem pelo lado da despesa. Ainda há um amplo espaço de trabalho de medidas pela ótica da despesa.
Além desse embate político, o ano será curto no Congresso, por causa das eleições municipais. Nesse contexto, a promessa de deficit zero em 2024 está enterrada?
O deficit zero para 2024 sempre foi uma meta inalcançável do ponto de vista do mercado, cuja estimativa gira em torno de rombo de 0,8% do PIB. A meta de deficit de apenas 0,5% do PIB em 2023 também não foi cumprida, tampouco sua expansão para um buraco de 1% nas contas públicas. Mesmo quando se exclui os precatórios e outras despesas extraordinárias, o deficit foi superior à meta já alargada para 2023. Enquanto escolhas político-dogmáticas guiarem a condução da política fiscal, que se traduz na não inclusão de medidas pelo lado da despesa, a solidez e a factibilidade em manter as metas e o arcabouço fiscal de pé continuarão dependentes de um cenário benigno de crescimento e arrecadação, ainda que temporário. Uma solução mais estrutural de médio prazo para o fiscal precisa atacar o gasto.
Há um exagero no poder do Congresso de manejar as verbas públicas? O que isso significa?
O orçamento público é um reflexo das múltiplas capturas que existem de pequenos grupos organizados, que extraem da maioria desorganizada benefícios privados do setor público. É nesse contexto que se colocam a evolução da impositividade e o volume das emendas parlamentares, a manutenção de privilégios para múltiplas carreias do setor público, inclusive do Poder Judiciário e dos órgãos de controle e fiscalização, bem como das áreas sociais e de saúde e educação. As três últimas são, por inúmeras vezes, tratadas como vacas sagradas e o debate sobre a ineficiência do gasto público é interditado. Mas a realidade é que a produtividade dos recursos aplicados em políticas sociais e de saúde e educação são brutalmente ineficientes e precisam ser profundamente aprimoradas. Para isso, o debate precisa ser restabelecido em bases econômicas racionais, é preciso deixar de lado a abordagem dogmática da política econômica no seu sentido amplo.
Como avalia a situação fiscal do Brasil hoje? É possível esperar pela volta do superavit primário no ano que vem?
A situação fiscal do país não mudou radicalmente no passado recente. Continuamos com um desequilíbrio estrutural, aprofundado com a aprovação da PEC da Transição, que ampliou estruturalmente o gasto em R$ 145 bilhões, pelo menos. Todos com o mínimo de sensatez sabiam que seria necessário alguma recomposição do orçamento aprovado para 2023. A questão relevante, porém, é que o tamanho foi muitíssimo acima do necessário. Como a regra de política fiscal aprovada no arcabouço parte do orçamento recomposto com notáveis excessos, eles serão carregados at eternum. Por isso, houve ampliação do 'pé direito' do teto de gastos. O quadro pela ótica da despesa demanda preocupação e a dramaticidade da situação fiscal não bateu nos preços de ativos porque houve um choque positivo de commodities e dos termos de troca, que comprou tempo e ajudou tanto a arrecadação quanto o deflator do PIB. Ambos os fatores são exógenos às ações de política do governo. Por essa razão, há menção de analistas atentos ao fator sorte para uma dinâmica fiscal menos pior. Outro fator exógeno às políticas implementadas pelo governo e que acabou ajudando foi que o conjunto de países emergentes 'investíveis' ficou menor em resposta à piora institucional ocorrida em países como Turquia e Rússia, bem como pelos efeitos colaterais da guerra híbrida travada entre Estados Unidos e China. O Brasil não ficou mais bonito, o mundo ficou mais feio e, no relativo, a piora doméstica foi suavizada.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem elogiado o compromisso do ministro Fernando Haddad com o ajuste fiscal. Isso é suficiente para acalmar os ânimos em relação às contas públicas? Por quê?
Parte importante da agenda do Ministério da Fazenda está na direção correta, e é razoável afirmar que é um dos poucos ministérios da Esplanada que buscam alguma racionalidade, apesar de ainda haver espaço para melhorar. Nesse sentido, quanto maior o sucesso da política fiscal, menor será a taxa básica de juros (Selic) e mais facilitado será o trabalho do Banco Central. Quem define os juros de médio prazo do país não é o BC, mas, sim, o Ministério da Fazenda, pilotando a política fiscal. A direção perseguida de reequilíbrio das contas é correta, mas há um pecado na composição do plano de consolidação fiscal, focado exclusivamente em medidas pelo lado da receita.
Há espaço para novas reformas no país, como a administrativa?
O espaço ainda é enorme e uma reforma administrativa sub-ótima, aplicável para os novos servidores e que reduza o salário de entrada e alongue a progressão na carreira, tem potencial de economizar de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões em 10 anos. A economia é condicional à velocidade de reposição de quase 40% dos servidores ativos, que já reúnem condições de se aposentarem. Ainda pelo lado do gasto, a fusão de políticas sociais pode entregar ganho superior a R$ 200 bilhões em uma década, assim como a reformulação, e não o término, do abono salarial, limitado aos trabalhadores que recebem até um salário mínimo, que teve restabelecida a sua política de valorização. Isso produz ganho superior a R$ 250 bilhões no mesmo período. Em suma, existe uma cesta de ações de fácil execução que pode render economia de R$ 600 bilhões em uma década, pelo menos.
Até que ponto o desejo do governo de eleger prefeitos nas eleições municipais pode colocar em risco as contas públicas?
É um risco que o mercado monitora com preocupação e que pode ampliar o gasto direto ou indireto com transferências para os entes subnacionais, além de algum ruído potencial envolvendo o controle de parte dos recursos do orçamento com os partidos do Centrão. A cautela do mercado sobre esse tema tem em perspectiva não apenas a política fiscal, mas também a chamada parafiscal, como a atuação de bancos públicos.
Qual a sua perspectiva para o desempenho da economia neste ano? É possível que haja surpresas positivas, como no ano passado?
As surpresas positivas no ano passado foram decorrentes da extraordinária expansão fiscal e da transferência de renda, cujo multiplicador é bastante elevado. Também pesou a desaceleração dos preços das commodities agrícolas e de energia, o que ampliou o poder de compra das famílias. Ambos os fatores, em meio ao mercado de trabalho apertado, afetado pela redução da taxa de participação em resposta à elevação da quantidade de famílias atendidas pelos programas sociais e o substancial aumento do seu valor médio, contribuíram conjuntamente para surpresas positivas no PIB. A taxa de investimento, a despeito das reformas feitas desde 2017, recuou de forma sistemática desde o pico cíclico em meados de 2021. A supersafra agrícola também ajudou de forma extraordinária o PIB em 2023. Para este ano, o agro não irá ajudar, pois há expectativa de quebra de safra em resposta ao efeito do El Niño, de modo que o crescimento será dependente do consumo das famílias e da exportação líquida. A surpresa positiva pode vir do investimento, que pode se recuperar em meio à redução gradativa de juros pelo Banco Central.
Qual a sua projeção para o PIB deste ano? Pode haver surpresa para melhor?
Por enquanto, a nossa previsão é de crescimento de 1,8% para 2024. Se os dados do PIB do primeiro trimestre vierem fortes, pode haver um viés de alta para 2%. Creio que o pagamento dos precatórios pelo governo — mais de R$ 90 bilhões — pode ajudar o desempenho da economia entre janeiro e março.
Por que o mercado tem errado tanto nas projeções para a economia?
Os modelos que nós economistas usamos para projetar as variáveis econômicas têm limitações de origem que foram agudizadas após o choque da covid-19 e da resposta de política econômica. Os múltiplos choques de naturezas diferentes, ora de oferta, ora de demanda, ora positivo, ora negativo, e em curto espaço de tempo, explicitaram a limitação dos modelos em capturar todos os efeitos.
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