O impasse envolvendo os governos de Brasil e Paraguai sobre os valores da tarifa de energia da usina hidrelétrica Itaipu parece distante de um consenso. Com orçamento travado desde janeiro e impedida até mesmo de pagar suas despesas com pessoal, a usina teve o caixa desbloqueado nesta semana após um acordo temporário entre os dois países.
A medida, acertada durante reunião da diretoria executiva, da qual participam as duas partes, prevê que sejam feitos procedimentos temporários. Mas ela só vale até o fim de março.
Atualmente, o Brasil paga US$ 16,71 por quilowatt, e o governo paraguaio quer aumentar para US$ 20,75 KW, um reajuste de 24%.
Em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o presidente do Paraguai, Santiago Peña, para tratar do assunto e deixou claro que o Brasil não aceita o valor proposto, mas acredita em uma negociação. "Disse ao companheiro Peña que nós vamos rediscutir a questão das tarifas da Itaipu. Nós temos divergência na tarifa, mas estamos dispostos a encontrar uma solução conjuntamente e, nos próximos dias, vamos voltar a fazer uma reunião", disse Lula, à época, em pronunciamento à imprensa.
A falta de um acordo entre os países, que são sócios do empreendimento, desencadeou uma crise diplomática que pode acabar respingando no consumidor, encarecendo ainda mais a conta de luz dos brasileiros.
Criada no âmbito do Tratado de Itaipu, a tarifa de serviços é chamada de Custo Unitário de Serviços de Eletricidade (Cuse). Trata-se de um encargo pago por brasileiros e paraguaios para cobrir as despesas de Itaipu com administração, operação e manutenção; repasses em royalties e participações governamentais pelo uso da água; e dívida de construção da usina.
Com o acordo estabelecido no Anexo C, documento assinado por ambos os países em 1973, a energia produzida pela hidrelétrica deve ser dividida meio a meio. Porém, o Paraguai utiliza apenas 17% da sua parte e o restante vende ao Brasil.
Até 2023, o acordo previa que o país pagasse apenas o preço de custo. Com o fim da dívida histórica pela construção, que foi paga ao longo de quase 50 anos, o acordo permite que o Paraguai negocie o valor, o que já ocorreu no ano passado, em menor proporção.
Receita extra
Segundo o engenheiro elétrico do Instituto Ilumina, Roberto D'Araújo, a proposta paraguaia tenta angariar mais recursos para investimento interno, enquanto o governo brasileiro negocia por tarifas mais baixas desde que a dívida de construção da usina foi quitada. "O argumento que eles usam é que o Paraguai tenha uma receita extra para poder se desenvolver, mas a tarifa lá é muito mais baixa do que no Brasil. É um país com consumo de energia muito baixo, e eles praticamente cresceram usando energia de Itaipu. Inclusive, houve uma época em que várias indústrias brasileiras foram se instalar no Paraguai em função dos preços e nós estamos com essa situação dramática", afirmou.
Até o momento, apenas o Brasil pode comprar a energia excedente produzida pela hidrelétrica, mas o presidente paraguaio já demonstrou que pode mudar o acordo para vender ao país que pague mais.
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Sem consenso, o Paraguai se recusou a assinar o documento responsável por permitir que a usina funcionasse provisoriamente enquanto as partes negociam, o que resultou no entrave do orçamento. As movimentações financeiras da usina estavam bloqueadas desde o início deste ano, como forma de pressionar o governo brasileiro a aceitar pagar um valor maior pelo excedente de energia gerado, mas não consumido, pelo país vizinho.
Questão diplomática
Em recente entrevista à TV Globonews, o diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, Enio Verri, disse que espera para breve uma reunião com os ministros de relações internacionais e de energia dos dois países, mas, segundo ele, um acordo ainda deve levar cerca de dois meses, o que preocupa a parte brasileira na produtora de energia.
"Temos um grande desafio. Estamos contando com uma reunião que deve ocorrer muito em breve com os ministros de relações internacionais e de energia dos dois países. Infelizmente, o tempo que temos não é o tempo das relações internacionais. Ele deve levar o acordo para mais um ou dois meses, o que é um grande problema", afirmou Verri na entrevista, acrescentando que a discussão ultrapassou a questão técnica e se tornou um "problema diplomático".
Impacto na conta
Caso o Brasil precise ceder à pressão paraguaia, ainda que em menor proporção, é esperado um impacto direto na conta de luz dos consumidores brasileiros. "Uma das particularidades da usina de Itaipu é que ela foi construída e garantida ao longo desses últimos 40 anos na conta dos consumidores brasileiros. Nós, consumidores, pagamos o financiamento da usina de Itaipu. Uma vez pago esse belíssimo investimento, nós deveríamos ter o direito de pagar menos, é muito importante fazer uma negociação para reduzir a tarifa para os brasileiros", destacou Ivan Camargo, professor de engenharia elétrica e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB).
De acordo com o especialista, o reajuste do encargo da magnitude defendida pelo Paraguai poderia representar um aumento de cerca de 5% na conta dos consumidores. "Seria um aumento significativo", afirmou Camargo. "É importante notar que essa tarifa, que nós pagamos durante esses últimos 40 anos, é muito particular. Todo gerador no Brasil cobra pela quantidade de megawatts hora, ou seja, cobra a quantidade de energia. Itaipu é diferente, ela cobra pela potência instalada. Gerando ou não, o consumidor brasileiro tem que pagar", acrescentou.
A usina de Itaipu tem 14 gigawatts (GW) de potência instalada. Ela fornece energia para cerca de 88% do mercado paraguaio e para 9% do brasileiro.
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