As contas no vermelho e a escalada da dívida pública seguem trajetórias crescentes. É o que revelam os números da nota mensal de estatísticas fiscais de dezembro de 2023, divulgada, ontem, pelo Banco Central, com quatro semanas de atraso, devido à operação padrão dos funcionários da instituição.
Conforme os números do BC, em dezembro de 2023, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) atingiu a cifra recorde de R$ 8,1 trilhões — aumento de R$ 854,4 bilhões em relação ao total registrado em dezembro de 2022. A DBGG inclui endividamento total do governo federal, dos governos regionais e da Previdência Social, e registrou aumento de dois pontos percentuais em relação ao ano passado, subindo de 71,7%, em 2022, para 74,3% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2023.
Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, destacou que o dado da dívida bruta não surpreendeu, e o crescimento em relação ao ano anterior foi influenciado pelos juros ainda elevados. “O crescimento econômico colaborou, via efeito positivo sobre o denominador da relação dívida/PIB, e a redução dos juros já produz efeitos, mas este último será um vetor mais importante para 2024, ao meu ver”, analisou. Contudo, ele reconheceu que a tendência ainda é de aumento do endividamento público e o cumprimento das regras fiscais será essencial para evitar uma explosão da dívida pública.
“A dívida continuará a crescer, mesmo com o arcabouço fiscal. Contudo, se ela for cumprida — inclusive quando a meta de primário for rompida, e aí acionando-se os gatilhos próprios previstos — a dinâmica será de crescimento da dívida/PIB a taxas decrescentes, um quadro que está longe de ser brilhante, mas é um quadro que considero bom, controlado”, explicou Salto.
Vale lembrar, contudo, que se for considerada a metodologia antiga — a que o Fundo Monetário Internacional (FMI) considera para a comparação com outros países —, o endividamento bruto do país chegou a 84,3% do PIB no fim do ano passado. Conforme estimativas do FMI, o endividamento médio de países emergentes em 2023 foi de 67%. Logo, esse patamar da dívida brasileira é preocupante para economias emergentes, especialmente aquelas que não trabalham com juros negativos e pagam taxas de dois dígitos nos títulos públicos, como é o caso do Brasil.
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Entre janeiro e dezembro de 2022, por exemplo, a taxa anual de juros implícitos da dívida pública era de 10,8% e, no mesmo período do ano passado, subiu para 11,3%. Não à toa, a conta de juros foi a que mais pesou nesse aumento do endividamento, pois somou R$ 718,3 bilhões, o equivalente a 6,6% do PIB — aumento de 22,5% sobre os R$ 586,4 bilhões (5,8% do PIB) registrados em dezembro de 2022.
Os dados do Banco Central mostraram uma forte piora no resultado primário do setor público consolidado — que inclui governo federal, governos regionais e estatais federais —, que ficou negativo em R$ 249,1 bilhões (2,3% do PIB), sem considerar a conta de juros. Foi o pior resultado desde 2020, quando os gastos públicos extrapolaram globalmente no combate aos efeitos econômicos da pandemia da covid-19.
Nessa conta, R$ 264,5 bilhões (2,4% do PIB) foi o rombo do governo central (que inclui Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social), e, R$ 17,7 bilhões, o saldo negativo das contas dos governos regionais. Já as estatais federais registraram um superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de R$ 2,2 bilhões. E, apenas em dezembro do ano passado, o deficit primário do setor público consolidado somou R$ 129,6 bilhões, sendo que R$ 127,6 bilhões foi o saldo negativo do governo central. O chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, destacou o pagamento de R$ 94,2 bilhões de precatórios herdados pelo governo anterior — devido às pedaladas nas dívidas judiciais da União. Outra despesa que ajudou nesse resultado foram os repasses aos estados de perdas com a desoneração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Mas o quadro é ainda mais preocupante olhando para os dados do resultado nominal do setor público consolidado, ou seja, quando são somados o deficit primário e a conta de juros. Esse dado revela a necessidade de financiamento do país que, no ano passado, somou um deficit nominal de R$ 967,4 bilhões, o equivalente a 8,90% do PIB — o segundo pior da história, perdendo apenas para 2020, quando superou a casa de R$ 1 trilhão e respondeu por 13,3% do PIB, de acordo com os dados do BC.
Felipe Salto destacou que esse resultado primário evidencia que o desafio do governo “é grande e está longe de ser resolvido”. “É preciso sanar um buraco de mais de R$ 260 bilhões, mesmo considerando que aí está a conta dos precatórios extras, que corretamente foram saldados no fim do ano passado. Quando descontado esse efeito, ainda assim tem-se um deficit primário que é um ponto de partida preocupante”, lembrou. Na avaliação dele, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está correto em fincar o pé na meta de deficit zero em 2024. “É isso que vai garantir que o navio não saia do rumo. Entregando um resultado primário melhor, em 2024, quando comparado ao de 2023, considero que será uma boa dinâmica”, resumiu.
A especialista em contas públicas Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente, também chama a atenção para a piora do quadro fiscal, especialmente de estados e municípios, que acabaram registrando um rombo fiscal de R$ 17,7 bilhões no ano passado, mostrando uma reversão de efeitos temporários de dados superavitários dos governos regionais pós pandemia. Além disso, apesar da discrepância dos números do Banco Central com os do Tesouro, sobre o tamanho do rombo fiscal — que chegou a mais de R$ 30 bilhões e passou para R$ 8,7 bilhões no fim do ano passado — é importante destacar que o ajuste foi elevado, na avaliação de Vilma Pinto. “Temos uma piora no resultado nominal, sendo influenciado não só pela questão do resultado primário maior, mas também por aumento dos juros nominais”, destacou.
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