O Brasil tem uma meta ambiciosa de ampliar a corrente de comércio que é alcançar US$ 1 trilhão no volume de exportações e importações até a próxima década. E, para isso, a estratégia do governo passa por fortalecer as empresas exportadoras e ampliar os acordos comerciais com os principais parceiros comerciais, como China e Estados Unidos, além de ampliar a presença de empresas brasileiras na América Latina. "É importante manter a ambição no comércio exterior e olhar para a corrente de comércio", afirma a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento da Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Tatiana Prazeres, em entrevista ao Correio.
O governo lançou a meta de alcançar US$ 1 trilhão no fluxo de comércio. Qual é o horizonte?
Essa meta reflete uma visão de maior integração da economia brasileira ao comércio internacional. É algo muito positivo. Para o país alcançar essa meta, a corrente de comércio teria que aumentar cerca de 10% ao ano até 2030, um desafio relevante. É importante manter a ambição no comércio exterior e esse olhar para a corrente de comércio, ou seja, não apenas as exportações, mas de maneira geral, a integração do Brasil na economia internacional.
Como atingir essa meta se a China, maior parceiro comercial brasileiro, continuar desacelerando?
Houve um crescimento importante das exportações do Brasil para a China de 16,6%, a despeito de um ritmo mais lento de crescimento da economia chinesa. Acho muito importante colocar esse assunto em perspectiva. Hoje, a economia chinesa, a segunda maior economia do mundo, teve um crescimento de 4,5% ou 5% sobre uma base que é muito robusta. Significa geração de oportunidades muito importantes para as exportações brasileiras, ou seja, não é que a economia chinesa se retraiu. O novo normal de crescimento da China é o crescimento por volta de 4% ou 5%, o que ainda assim é algo que gera oportunidades para as exportações brasileiras.
Quais as oportunidades a senhora vislumbra?
As exportações do Brasil para a China, hoje, são concentradas em poucos produtos e há muitos segmentos da economia brasileira que ainda podem se beneficiar dessa expansão da economia chinesa. As marcas brasileiras têm um potencial grande na China. Os chineses conhecem um pouco de marcas brasileiras e é importante porque a agregação de valor se dá, inclusive, a partir, digamos, dessa, dessa dimensão. A economia chinesa ainda cresce. O processo de urbanização ainda está em curso.
Em 2023, o Brasil vendeu US$ 100 bilhões para a China. Qual o significado disso?
Esse é um marco importante. Quando o Brasil exportou para o mundo US$ 100 bilhões, houve uma grande festa. O então ministro Luiz Fernando Furlan colocou o contêiner na Esplanada e foi um momento muito bacana, de festa. No ano passado, exportamos US$ 100 bilhões, pela primeira vez, para um único parceiro comercial. O nosso comércio com a China cresceu, a despeito do ritmo mais lento de crescimento da expansão chinesa. O Brasil tem um superávit comercial muito robusto com a China, que é o principal destino das nossas exportações e é o país com o qual o Brasil tem o maior superávit comercial. E os números nos contam que há ainda muitas oportunidades para o Brasil na China. As exportações do Brasil para o mundo cresceram 1,7%. Para a China, cresceram 16,6%. Ou seja, a China, de fato, contribuiu de maneira significativa para o resultado positivo das exportações ano passado.
Em termos de investimento, como está a relação entre Brasil e China?
Neste momento, a agenda da sustentabilidade oferece uma oportunidade para expandir e fortalecer as relações bilaterais. Neste ano, celebramos os 50 anos da relação bilateral com a China. Queremos aproveitar este ano para fortalecer a agenda da sustentabilidade. Existem várias oportunidades associadas, por exemplo, às finanças verdes, aos investimentos em eletromobilidade no Brasil. Existem oportunidades associadas à cooperação em fóruns internacionais, inclusive, no G20. Quando o presidente Lula esteve na China, houve muito interesse, por exemplo, em hidrogênio verde no Brasil, em investimentos na produção de energia solar e da eólica no Brasil, e em eletromobilidade. Historicamente, eles estavam sempre muito presentes no Brasil, no setor energético, tanto na exploração de petróleo quanto na geração de energia elétrica, a partir de hidrelétricas.
Há interesse deles no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)?
Sim. Há um potencial de participação chinesa importante em obras que são prioritárias para o governo, que estão no PAC. Há uma oportunidade de contribuição de investimentos chineses para o esforço brasileiro de política industrial e eletromobilidade. Por exemplo, no Complexo da Saúde, temos investimentos chineses na produção de vacinas no país. Um outro exemplo são investimentos associados à nova política industrial, que é algo importante também.
Como é que o comércio vai estar inserido na agenda do G20? Quais seriam as possíveis alavancas, aproveitando a oportunidade de o Brasil estar presidindo o grupo neste ano?
O G20 tem uma estrutura complexa. Existe um grupo de trabalho sobre comércio e investimentos que eu presido com Fernando Pimentel, do Itamaraty. Nessa agenda de comércio e investimentos, definimos quatro prioridades. A primeira delas é a relação entre comércio e desenvolvimento sustentável. A segunda, tem a ver com acordos de investimento e previsões e dispositivos sobre desenvolvimento sustentável em acordos de investimento. A terceira prioridade tem a ver com o aumento da participação das mulheres no comércio. E a última prioridade tem a ver com o fortalecimento e a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC). Houve a primeira reunião do grupo, que foi uma reunião on-line. A próxima será presencial, em Brasília, em abril. E essas prioridades apresentadas pelo lado brasileiro foram bem recebidas pelos países do G20.
O governo brasileiro sofreu muitas críticas, porque, logo após participar da COP-28, foi para os Emirados Árabes fazer acordo de petróleo. Qual é, de fato, a prioridade do Brasil: a sustentabilidade ou o petróleo? Ou são os dois?
O governo está absolutamente comprometido com a agenda da sustentabilidade. Agora, a transição energética climática é um processo. De maneira que não apenas o Brasil vive essa transição, como outros países também se encontram na mesma situação. O Brasil tem uma matriz energética muito mais limpa do que a média internacional. O principal desafio nessa agenda de redução de emissões no Brasil é o combate ao desmatamento. Os dados, digamos, do desmatamento do Cerrado mostram a complexidade disso. Mas não há dúvidas de que, no Brasil, o combate ao desmatamento é um fator fundamental para o atingimento das nossas metas de redução de emissões.
Como é que o governo está vendo essa movimentação de Donald Trump nas eleições dos EUA? Se ele vencer, essa agenda de sustentabilidade do Joe Biden pode ficar de lado. Isso atrapalha o Brasil?
Eu me ocupo de comércio exterior. Nós acompanhamos o cenário internacional com muita atenção. Os Estados Unidos são um parceiro muito relevante no nosso comércio exterior. Uma origem muito importante de investimentos no Brasil e é o principal destino de investimento e de exportação de manufaturas brasileiras. Ou seja, se nós temos uma preocupação com a qualidade da nossa pauta exportadora, o mercado americano é, sem dúvida, um mercado prioritário.
A senhora citou que o Brasil tem a meta de ampliar a corrente de comércio. Quais são as estratégias em relação às importações?
O comércio exterior é uma via de mão dupla. Para que as exportações brasileiras sejam competitivas é necessário também importar. Cerca de 85% de tudo o que o Brasil importa são insumos, bens de capital, combustíveis, produtos necessários para a competitividade da produção no Brasil. Então, é importante que nós tenhamos uma visão de conjunto a respeito do comércio exterior. No mundo inteiro grandes exportadores são também grandes importadores.
Quais as projeções para 2024?
Anunciamos a primeira previsão de US$ 348,2 bilhões de exportação e US$ 253,8 bilhões de importação. Isso resultaria em uma corrente de comércio de US$ 602 bilhões, o que seria um aumento de 3,7% em relação ao corrente do ano passado. A gente também estima o saldo muito robusto.
Robusto, porém menor do que os US$ 94 bilhões de 2023, não é?
A previsão é de uma queda de 4,5% no saldo comercial em relação ao ano passado, mas ainda assim seria o segundo maior saldo comercial da história. Então, não nos preocupa, porque estamos falando de um patamar que é realmente histórico, é muito robusto.
E como vai se comportar em relação ao comércio agrícola, já que a previsão é de uma safra menor?
É isso que estamos acompanhando com atenção, aí. Mas, por outro lado, temos expectativa de aumento de produção de petróleo. Há alguns itens aí que contribuem para o resultado e também uma atenção aos preços. Uma recuperação de preços também pode trazer resultados importantes. Agora, a expectativa de crescimento de exportação é de 2,5% em relação ao ano passado. É um recorde em cima do recorde. Qualquer variação em produção e em preço pode afetar esse resultado. Mas também há uma questão da demanda global, crescimento da economia internacional, que é um fator muito importante no desempenho das nossas exportações.
E como fica a estratégia para atingir a meta de US$ 1 trilhão de fluxo de comércio?
A referência para chegar a US$ 1 trilhão tem um olhar para o fim da década. É um conjunto de fatores, digamos, que vão contribuir para o aumento da participação do Brasil (do comércio global), no aumento das exportações e importações brasileiras no lado da oferta. Há, enfim, perspectivas positivas para o aumento da produção, de petróleo, da produção agrícola, da produção de minérios… Existe um esforço com a Reforma Tributária, que vai fazer a produção do Brasil mais competitiva a partir do fim da cumulatividade e a partir do fim dessa exportação de tributos, que, hoje, faz com que os nossos bens sejam menos competitivos lá fora. Então, é importante essa ambição. Agora, evidentemente que há fatores que estão fora do nosso controle, especialmente aqueles que dizem respeito à demanda global. É um olhar de futuro com ambição para a visão de Brasil no mundo.
Que áreas têm mais potencial para alavancar esse comércio?
Hoje, o agronegócio brasileiro é muito competitivo e é possível agregar valor a essa produção de base, que é competitiva a esse esforço de neoindustrialização do Brasil, de retomar a importância da indústria na atividade econômica e para muitos setores industriais. O comércio exterior é necessário para que os investimentos se realizem no Brasil. Por exemplo, a indústria da Defesa no Brasil depende do acesso a outros mercados pela escala que ela requer. Então, o comércio exterior é uma parte integrante desse esforço de neoindustrialização.
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