O pacote de socorro às companhias aéreas pode se tornar um empecilho para os planos do governo de reduzir os preços das passagens. Com foco no consumidor, o lançamento do programa Voa Brasil, que promete bilhetes a R$ 200, foi adiado mais uma vez. A expectativa era de que a iniciativa fosse lançada em 5 de fevereiro, conforme anunciou o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Ao Correio, a assessoria da pasta alegou "problemas de agenda" e confirmou que os planos ficaram para depois do carnaval.
A prioridade passou a ser a resolução dos problemas do setor, que pede uma contrapartida para viabilizar o programa. Isso porque, o pedido de recuperação judicial da Gol nos Estados Unidos abalou o mercado de aviação brasileiro.
A companhia acumula uma dívida considerável desencadeada pela pandemia de covid-19, que afetou fortemente o setor. No terceiro trimestre do ano passado, a empresa registrou um endividamento de R$ 20,3 bilhões.
A Gol é a segunda maior empresa aérea brasileira, responsável por 32,3% do mercado doméstico em 2023, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O ranking é liderado pela Latam, que terminou o ano com 36,3% do mercado, a Azul aparece em terceiro lugar, com 30,5%. Juntas, as três concentram 99% dos passageiros no Brasil.
"Nosso mercado tem uma concorrência muito pequena, então é muito ruim quando você vê uma companhia aérea em recuperação judicial", avalia o especialista em direito empresarial Felipe Denki, sócio do Lara Martins Advogados. A estratégia de adotar o plano não é nova. Empresas como a American Airlines e a Latam fizeram o mesmo para reorganizar suas contas. "Entendemos que a Gol tem tudo para se recuperar, o procedimento americano é muito mais seguro e confiável que o brasileiro, além de muito mais célere", complementa.
O especialista cita ainda as dificuldades de operação enfrentadas pelas empresas que atuam no mercado doméstico. "Operar em um país onde o câmbio é muito alto e toda a operação das companhias aéreas é em dólar, isso de fato gera um custo muito elevado e é preciso fazer malabarismo para que essas empresas consigam operar no Brasil. Presenciamos o fechamento de empresas aéreas aqui desde os anos 2000", lembra.
Denki acrescenta que o cenário dificulta as tratativas do governo para baixar os preços das passagens. "É difícil distribuir e impor isso a uma companhia que passa por um processo de reestruturação. Como vender uma passagem mais barata no momento em que é necessário aumentar receitas? Fica uma incógnita."
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MP do Planalto
O Palácio do Planalto estuda a edição de uma medida provisória (MP) de socorro para as companhias nas próximas semanas, incluindo a negociação de dívidas com a União e uma linha de crédito do BNDES. A alternativa está sendo avaliada por técnicos do Ministério da Fazenda, pois as aéreas não dispõem de garantias e os bancos estão cautelosos em avalizar as operações, diante da situação financeira do setor.
A ideia é que o Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) obtenha permissão legal para ser usado como garantidor. O assunto seria discutido nesta quinta na Casa Civil, com representantes do setor. A reunião acabou adiada a pedido da equipe econômica, que está finalizando uma proposta.
O economista Ricardo Rodil, líder do Mercado de Capitais do Grupo Crowe Macro, lembra que companhias aéreas ao redor do mundo, quase sem exceção, têm necessidade de auxílios governamentais. "Muitos governos alegam que esses subsídios são indispensáveis, pois se trata de uma atividade de 'segurança nacional', epíteto que não tenho certeza de que seja correto. Nessas circunstâncias, seria lógico pensar que o governo brasileiro poderia adotar algum mecanismo de 'socorro' para a atividade como um todo", pondera.
No entanto, Rodil recorda que o governo encerrou 2023 com um deficit de pouco mais de R$ 230 bilhões e que tem pela frente o desafio de cumprir a promessa de zerar o deficit já no ano de 2024. "Minha dúvida, nesse caso, é até que ponto o governo brasileiro teria condições objetivas de financiar um programa desse tipo nas atuais circunstâncias."
Redução do QAV
A Petrobras também acabou pressionada pelo governo para a redução do querosene de aviação (QAV). O preço do combustível tem sido usado como argumento pelas companhias que suplicam auxílio. Nesta quinta-feira (1º/2) a petroleira anunciou mais uma queda de 0,4%, equivalente a R$ 0,014 por litro, nos últimos 12 meses o combustível já acumula redução de 30,3%.
A companhia ajusta os preços mensalmente e vende o QAV produzido em suas refinarias ou importado apenas para as distribuidoras, que por sua vez transportam e comercializam os produtos para as empresas de transporte aéreo.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que na véspera havia defendido uma "discussão rigorosa" sobre o tema, reforçou que a questão das aéreas não se trata só do combustível. "Temos que tratar considerando a natureza das empresas, a situação do setor aéreo e considerando principalmente a questão do preço das passagens no Brasil e a fórmula da composição de preço e o que representa o combustível nela", disse, após evento no Planalto.
O presidente da petroleira, Jean Paul Prates, afirmou que a companhia está disposta a colaborar com o debate sobre a situação do setor aéreo no Brasil, mas que não é possível baixar as passagens nem resolver o problema das empresas por meio da Petrobras.
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