CONTAS PÚBLICAS

Rombo fiscal de 2023 é o maior desde a pandemia da covid-19

Pagamento de precatórios herdados pelo governo Bolsonaro, em dezembro, ajudou a engordar em R$ 92,4 bilhões o saldo negativo das contas do governo federal do ano passado, chegando a R$ 230,5 bilhões, ou 2,1% do PIB, o segundo maior da história em termos nominais

O resultado entre tudo o que o governo federal arrecadou e tudo o que gastou em 2023, sem considerar o pagamento dos juros da dívida pública, foi negativo em R$ 230,5 bilhões em 2023. O resultado respondeu por 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e foi o pior desde 2020, durante a pandemia da covid-19, quando o rombo fiscal foi recorde e chegou a 9,8% do PIB. Em valores, é o segundo pior da série histórica do Tesouro Nacional, iniciada em 1997. Mas, em percentual do PIB, ficou atrás também do resultado de 2016, de 2,6%.

De acordo com relatório do Tesouro, divulgado ontem, somente em dezembro, o deficit primário chegou a R$ 116,1 bilhões devido ao pagamento do estoque de precatórios — dívidas judiciais da União que não cabem mais recursos. Os dados referem-se ao governo central, que engloba o Tesouro Nacional, a Previdência Social e o Banco Central.

Devido às "pedaladas" nos precatórios, o governo anterior entregou um saldo positivo nas contas de 2022, de 0,5% do PIB, o primeiro superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) desde 2014.

Ao comentar o aumento do rombo das contas públicas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ponderou que a metade do montante é explicada pelo pagamento do estoque de precatórios e pelas compensações aos estados e aos municípios por perdas com a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), também resultado de medidas do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). "É preciso considerar que esse resultado é a expressão de uma decisão que o governo tomou de pagar o calote que foi dado, tanto em precatórios quanto nos governadores em relação ao ICMS sobre combustíveis. Desses R$ 230 bilhões, praticamente a metade é pagamento de dívida do governo anterior que poderia ser prorrogada para 2027 e que nós achamos que não era justo com quem quer que fosse o presidente na ocasião", disse Haddad.

O pagamento extraordinário do estoque de precatórios — que são dívidas do governo após decisão judicial — somou R$ 92,4 bilhões. Outros R$ 14,8 bilhões foram repassados aos estados, para compensar perdas pela redução do ICMS, promovida por Bolsonaro em 2022.

Sem considerar o pagamento dos precatórios, segundo o Tesouro Nacional, o deficit apurado no mês de dezembro seria de R$ 23,8 bilhões, o que levaria o resultado, ao final do ano, a um saldo negativo de R$ 138,1 bilhões, equivalente a 1,3% do PIB.

Por isso, o ministro da Fazenda considerou que os analistas de mercado saberão fazer a leitura correta do resultado, reconhecendo o esforço do governo com a responsabilidade fiscal. "Foi a segunda vez, desde a redemocratização, que o Estado brasileiro deu um calote. A primeira foi no governo (Fernando) Collor e a segunda, no governo Bolsonaro. Eu penso que isso ficou para trás e eu penso que o mercado entendeu e reagiu bem àquilo que estava programado", comentou ele, em referência à pedalada institucionalizada nos precatórios, que foi aprovada pelo Congresso por meio das emendas constitucionais nº 113 e 114, pulicadas em dezembro de 2021.

O limite de gastos com precatórios estava previsto para acontecer até 2026, coincidindo com o fim do atual mandato. Naquela ocasião, Bolsonaro estava na corrida à reeleição e a medida foi interpretada por seus críticos como um tipo de "calote" — conforme citou, ontem mesmo, o ministro — para que sobrasse dinheiro público em ano eleitoral.

Em janeiro de 2023, Haddad havia anunciado a intenção de levar o saldo nas contas públicas para 1% do PIB, mas o deficit foi bem maior com a decisão do pagamento do estoque de precatórios herdado pelo governo anterior. Apesar disso, o ministro não se arrependeu. "Valeu a pena fazer o esforço e valeu a pena tomar essas duas decisões que foram posteriores a um anúncio de 12 de janeiro, mas que encontram respaldo em boas práticas, tanto do ponto de vista da economia quanto do ponto de vista constitucional, do direito brasileiro", afirmou.

Bola de neve

Ao assumir o cargo em 2023, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deparou-se com projeções que apontavam para um rombo fiscal que podia chegar a R$ 700 bilhões, caso a regra do limite dos precatórios fosse mantida. Para conter essa bola de neve herdada do governo anterior, ele apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a disposição para antecipar o pagamento de até R$ 95 bilhões em precatórios, zerando o estoque da dívida.

Em dezembro, com a autorização do Supremo, foram pagos R$ 92,4 bilhões que constam do relatório do Tesouro Nacional.

 

Meta para 2024

Com esse argumento, o chefe da equipe econômica disse acreditar que será possível, em 2024, manter a meta de zerar o saldo nas contas do governo, conforme consta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano.

"No que nos diz respeito, vamos continuar seguindo o compromisso que assumimos", disse o ministro, apontando, no entanto, que esse compromisso é construído em diálogo com o Congresso Nacional.

"A meta é estabelecida de comum acordo com o Congresso Nacional, mas o resultado primário depende muito dessa boa interação com o Judiciário e com o Legislativo. Nós não somos o único Poder da República. O Poder Executivo, quando ele é o único Poder da República é uma ditadura, ele não depende do Judiciário nem do Legislativo. Nós estamos numa democracia".

O governo negocia com o Congresso Nacional a aprovação da Medida Provisória 1202, de 2023, que ficou conhecida como MP da Reoneração. A matéria, editada pelo governo em dezembro, põe fim à desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia, além de taxar novamente empresas do segmento de eventos, que tiveram a tributação zerada em função da pandemia de covid-19.

Em entrevista aos jornalistas na qual detalhou os números das contas públicas de 2023, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que os dados de arrecadação de janeiro permitem à equipe econômica manter a meta estabelecida pelo governo de zerar o saldo fiscal em 2024. Sem antecipar os números, o secretário disse que o governo tem conseguido recuperar a base de receitas e, por isso, é cedo para falar em cortes de gastos ou mudança de meta fiscal.

"No momento, as notícias são animadoras em relação a 2024. Seguimos conforme o planejado para o ano", afirmou Ceron. "Para 2024, temos metas arrojadas que serão perseguidas, e, da mesma forma, vamos mostrar com transparência o que afetou negativamente e positivamente a busca desses resultados", completou o chefe do Tesouro.

 

 

 

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