Os cinco homens mais ricos do mundo mais que dobraram as fortunas desde 2020, que passaram de US$ 405 bilhões para US$ 869 bilhões, o equivalente a cerca de US$ 14 milhões por hora. O novo relatório de desigualdade da Oxfam aponta que a concentração de riquezas no período aconteceu enquanto quase 5 bilhões de pessoas tiveram queda no seu rendimento médio, aumentando a pobreza e a vulnerabilidade social no planeta.
O levantamento será apresentado no Fórum Econômico Mundial, que tem início nesta segunda-feira em Davos, na Suíça. O evento reúne chefes de Estado e de governo, além de CEOs de grandes corporações. O estudo aponta para a relação entre o aumento da desigualdade e o poder corporativo global, mostrando que, se a tendência atual continuar, o mundo terá seu primeiro trilionário em uma década, mas a pobreza não será erradicada nos próximos 229 anos.
O aumento acelerado da riqueza extrema dos últimos três anos solidificou-se, enquanto a pobreza global permanece em níveis pré-pandêmicos. No caso das empresas, foi apontada uma relação entre esses movimentos, com o aumento da concentração de poder econômico por meio dos monopólios. No ramo de sementes, por exemplo, há poucos anos, 10 empresas concentravam 40% do mercado e esse número foi resumido, substancialmente, para duas empresas que atualmente dominam o segmento.
"Acontece em diversos setores, por exemplo, no farmacêutico, que teve lucros extraordinários no período da pandemia também se beneficiando do monopólio e, principalmente, da patente, que é outra ferramenta de concentração de poder econômico e de dificuldade de acesso a esses medicamentos. Esses são dois exemplos desse cenário e o papel que as empresas têm no aumento da desigualdade", aponta o economista e gerente de justiça econômica da Oxfam, Jefferson Nascimento.
Ele avalia que parte importante do aumento da concentração de renda dos bilionários se deve à elevação do lucro das empresas, justamente no período da pandemia. "Empresas do ramo alimentício, de energia, tecnologia e farmacêutico, diversas apresentaram lucros recorde nesse período. A Cargill, por exemplo, empresa de produção e processamento de alimentos, teve o maior lucro da sua história, beneficiada por condições que prejudicam a maior parte da população", diz, ao citar o aumento da inflação sobre os alimentos, que afeta sobretudo os mais pobres.
O economista vê, como exemplo no Brasil, o caso da rede de varejistas Americanas, que há um ano atrás anunciou um quadro de inconsistências contábeis na ordem de R$ 20 bilhões, que levaram a empresa à recuperação judicial e geraram o desligamento de milhares de trabalhadores. "Nesse mesmo período, a empresa teve um impacto enorme na vida não só dos trabalhadores, mas também dos fornecedores. Os três principais acionistas, que estão entre as 10 pessoas mais ricas do Brasil, tiveram um aumento da sua fortuna no último ano. Você vê que mesmo esses momentos de crise são desiguais, isso ilustra bem a mensagem que buscamos trazer nesse relatório", afirma Nascimento.
Salários defasados
As pessoas pelo mundo estão trabalhando mais e mais, muitas vezes por salários baixos e empregos precários e inseguros. Os salários de quase 800 milhões de trabalhadoras e trabalhadores não acompanharam a inflação e perderam US$ 1,5 trilhão nos últimos dois anos (ou 25 dias de salários perdidos por cada trabalhador).
No Brasil, em média, o rendimento das pessoas brancas é mais de 70% superior à renda de pessoas negras. "A desigualdade de renda e riqueza anda em paralelo com a desigualdade racial e de gênero — nossos super-ricos são quase todos homens e brancos. Para construirmos um país mais justo e menos desigual, precisamos enfrentar esse pacto da branquitude entre os mais ricos", apontou Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.
A análise feita pela organização dos dados do World Benchmarking Alliance em mais de 1.600 grandes corporações em todo o mundo revela que apenas 0,4% delas estão publicamente comprometidas com o pagamento de salários justos e apoiam o pagamento de um salário justo em suas cadeias de fornecimento. Levaria 1.200 anos para uma mulher que trabalha no setor de saúde ganhar o que um CEO médio de uma das empresas da lista das 100 maiores da revista Fortune recebe em 12 meses.
O relatório da Oxfam também mostra como a guerra contra a tributação resultou numa redução significativa do imposto, para um terço do que era praticado nas últimas décadas, enquanto essas corporações privatizaram o setor público, segregando serviços como educação e de água.