ENTREVISTA

Ex-diretor da Previc diz que desigualdade afasta cidadão da previdência privada

Levantamento aponta que a previdência privada corresponde a apenas 2% dos investimentos preferidos dos brasileiros. Consultor aponta a baixa renda, ausência de cultura em poupar e desigualdade social como causas principais

Passou-se o tempo em que aposentadoria significava a garantia de recursos para descansar na velhice. Cada vez mais o público dos 60+ busca, após o período laboral, explorar novas formas de usufruir a vida — viajar, viver em uma casa confortável, contribuir com despesas de filhos e netos ou até mesmo investir em novos empreendimentos e robbies. Os sonhos continuam nessa fase e, para sustentá-los, é preciso dinheiro. Com o valor máximo da aposentadoria pelo INSS limitado a R$ 7.507,49, é preciso pensar em outras fontes de renda.

A previdência complementar, também conhecida como previdência privada, surge como uma opção de renda. Como ocorre na previdência pública, a complementar pode garantir o pagamento de um benefício ao próprio participante do plano, na aposentadoria ou antes, no caso da invalidez, ou também aos seus beneficiários, em caso de morte. A diferença é que a renda pode ser bastante superior ao que estabelece o INSS, dependendo do montante que a pessoa aplica mensalmente no plano.

Existem dois tipos de previdência complementar: a aberta e a fechada. Os planos de previdência aberta são oferecidos pelas Sociedades Seguradoras e Entidades Abertas de Previdência Complementar (EAPC). Podem ser adquiridos por qualquer pessoa nos próprios bancos onde possuem conta, por exemplo. As principais instituições de previdência aberta são a Brasilprev, administrada pelo Banco do Brasil; a do banco Bradesco e a do Itaú.

Já os planos de previdência fechada são feitos pelas chamadas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), que são instituições sem fins lucrativos criadas para administrar os recursos aplicados por funcionários das empresas para garantir a sua renda quando deixam de trabalhar. Elas são vinculadas às empresas, chamadas patrocinadoras. Entre os maiores fundos fechados, estão a Previ, criada para os funcionários do Banco do Brasil; a Petros, da Petrobras; e a Funcef, da Caixa Econômica Federal.

De acordo com o mais recente Relatório Gerencial da Previdência Complementar, divulgado pelo Ministério da Previdência, o patrimônio do regime de previdência complementar no Brasil, que em 2014 era de R$ 1,18 trilhão, atingiu R$ 2,64 trilhões no terceiro trimestre deste ano, equivalente a 26% do Produto Interno Bruto (PIB) — o conjunto de bens e serviços produzidos no país. Por outro lado, embora venha crescendo, a previdência privada corresponde a apenas 2% dos investimentos preferidos do brasileiro, segundo o último ranking “Raio X do Investidor”, produzido pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Nesta entrevista ao Correio, o consultor José Roberto Ferreira, ex-diretor superintendente da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), explica como o investimento em previdência privada pode ser uma alternativa. Ferreira, que é sócio-diretor da Rodarte Nogueira & Ferreira, também aponta as razões que levam o brasileiro a não adquirir o hábito de pensar no planejamento de longo prazo.

Dados da Anbima apontam que a previdência complementar está longe de ser o investimento preferido do brasileiro. O que faz desse tipo de investimento uma opção de vantajosa?

Toda pessoa possui planos de vida para o curto, médio e longo prazos. Em geral, os investimentos disponíveis no mercado financeiro que auxiliam no atingimento daquelas expectativas financeiras pessoais não alcançam objetivos de longo prazo, porque seus ciclos financeiros são menores. E os prazos dos investimentos têm relação direta com a rentabilidade potencial, ou seja, quanto maior o prazo, maior a capacidade de exposição a riscos de mercado e de sua eventual recuperação, resultando, geralmente, em maior retorno financeiro.

É nesse âmbito que se enquadra a previdência privada. São produtos estruturados para o longo prazo, com tratamento tributário diferenciado (incentivo fiscal) e acesso a mercados não disponíveis para as pessoas físicas. Por isso, os seus resultados de longo prazo são mais vantajosos do que as opções convencionais de investimentos. Assim, os planejamentos pessoais financeiros de longo prazo se tornam possíveis, pois a acumulação obtida por meio da previdência privada é potencializada pelos resultados financeiros maiores.

Além disso, os planos de previdência privada apresentam grande flexibilidade em suas coberturas, de forma a atender às expectativas das pessoas quanto ao momento (data ou idade) de acesso às rendas; seus prazos; e os valores a serem recebidos.

Trata-se de indústria consolidada no Brasil há meio século e que responde, atualmente, pelo pagamento de rendas da ordem de quase R$ 100 bilhões por ano! Graças à previdência privada, seus beneficiários contam com recursos necessários à manutenção do seu padrão econômico no período de aposentadoria, de forma a desonerar o Estado — ou seja, a sociedade — de lhes prestar socorros financeiros e sociais públicos.

Praticamente todos os países do mundo possuem previdência privada, sendo que os mais desenvolvidos apresentam volumes de acumulação previdenciária, por vezes, superior aos próprios PIBs.

Além dos dados da Anbima, uma pesquisa recente da FenaPrevi mostrou que apenas 12% dos entrevistados pensam em ter a previdência privada como fonte de renda após parar de trabalhar. O que explica esse fato?

Vários fatores podem explicar esse fato, sob a ótica das pessoas: a opção pelo consumo imediato ou mesmo a sua antecipação, por meio de financiamentos que representam dívidas; limitações da renda disponível para alocações em longo prazo; prioridade por outros temas securitários e sociais, como saúde, alimentação, educação e transporte; ou a expectativa de que os limites de cobertura da previdência social lhes sejam suficientes no futuro.

No entanto, o principal motivo dessa baixa expectativa das pessoas em relação à previdência privada deve ser endereçado à falta de cultura e de educação previdenciária observada junto à grande parte da população. Historicamente, a sociedade brasileira apresenta reduzidos níveis de poupança privada — muitas vezes, devido à má distribuição de renda, ou mesmo, à reduzida renda per capita – o que dificulta a consolidação de um costume relacionado à postergação do consumo, necessário à formação de uma proteção financeira para um futuro incerto.

Exemplo da relevância de uma cultura e de uma educação consolidada em mercados próximos da previdência privada pode ser observado na indústria de seguros de automóveis. As pessoas não dependem de corretores de seguros para convencê-los sobre a utilidade daqueles produtos. Ao contrário: por vezes, a escolha por determinado modelo de veículo depende do preço e demais condições do seguro, uma vez que as pessoas já internalizaram a necessidade daquela cobertura.

O que seria necessário para superar essa limitação?

Enquanto não houver maior esforço por parte da sociedade civil e do Estado na intensificação da disseminação dos conceitos e das informações relacionadas à previdência privada, a tendência é manter esse baixo interesse das pessoas pelo assunto, por desconhecimento.

Uma oportunidade decorreu do período da pandemia. O mundo inteiro experimentou uma preocupação muito grande das pessoas quanto ao porvir. Em termos práticos, olhando para os números, aqui no Brasil, houve avanços no campo da previdência?

Não. Em ambos os segmentos da previdência privada — aberto, operado pelas seguradoras e seus planos individuais; ou fechado, representado pelos fundos de pensão e seus planos coletivos — os dados evidenciam estagnação por motivos diferentes.

No caso da previdência aberta, os Planos Geradores de Benefício Livre — PGBL apresentaram manutenção dos volumes na última década, uma vez que o vetor de crescimento foi representado pelos Planos Vida Geradores de Benefício Livre — VGBL, que integram as estatísticas de mercado como se fossem produtos de previdência privada, mas constituem seguros do ramo vida, com modelagem diferenciada — capitalização similar à previdenciária e tratamento tributário próprio.

Quanto à previdência fechada, os reflexos decorrentes do nível de maturidade da indústria — os planos mais antigos, que representam quase 70% de todo o Sistema, encontram-se em fase de desacumulação, ou seja, os pagamentos de benefícios ocorrem em montantes superiores às contribuições recebidas — equivalem aos bons resultados financeiros obtidos nos investimentos. Assim, em valores reais — descontado o efeito inflacionário no período — o patrimônio atual dos fundos de pensão apresenta-se bastante similar aos valores observados há uma década.

O período da pandemia, mesmo alertando a sociedade para as incertezas futuras, não trouxe impactos significativos nesse quadro da previdência privada, principalmente pela reduzida cultura e educação previdenciária – ou seja, desconhecimento — de grande parte da população.

Que políticas públicas seriam necessárias para o Brasil alcançar um nível melhor?

Sob a ótica do Estado, a previdência privada apresenta, principalmente, duas características de grande interesse: os valores acumulados por décadas podem ser direcionados para projetos que contribuam para o crescimento econômico do país — particularmente em cenário no qual haja esgotamento de recursos públicos para esse tipo de investimento; e a renda da previdência complementar, resultado do esforço privado de acumulação, ocupa um espaço relevante que, na sua ausência, representaria encargo público e social no futuro — ou seja, o sucesso da previdência privada permite a desoneração da sociedade com esse tipo de obrigação para aquele conjunto de pessoas.

Portanto, enquanto políticas públicas, as principais medidas que julgo convergentes ao desenvolvimento da previdência complementar seriam: fortalecimento do arcabouço legal e normativo aplicável ao setor, de forma a garantir a preservação da segurança jurídica das relações — lembrando que há esforço nesse sentido, por meio de revisão normativa em curso; avanço e consolidação das políticas econômicas voltadas à estabilidade monetária – controle da inflação de preços — e à redução da taxa de juros — abrindo espaço para as empresas se financiarem junto ao mercado, em condições mais atrativas para os investidores do que aquelas representadas pela remuneração dos títulos públicos federais; e a inserção da educação previdenciária no rol das prioridades aplicáveis na formação dos cidadãos, inclusive por meio da inclusão do tema nas grades curriculares oficiais aplicáveis aos diversos níveis de ensino, desde os iniciais.

Entendo que, dessa forma, a previdência privada poderia cumprir o seu importante papel no Brasil, como ocorre há décadas nos maiores e principais países do mundo.

Mais Lidas