A aprovação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados, na última sexta-feira (15/12), foi uma vitória para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Para analistas econômicos, a mudança é positiva, mas ainda há dúvidas sobre o impacto da medida na carga de impostos.
É consenso entre analistas que a reforma é uma decisão histórica. A simplificação do atual emaranhado de tributos sobre consumo, que afasta investidores, especialmente estrangeiros, pode contribuir, e muito, para o crescimento da economia das exportações. No entanto, o processo de transição será longo. Será preciso ver se, durante esse período, novas exceções à regra não serão criadas, aumentando o peso da tributação sobre o setor produtivo.
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A economista e escritora Zeina Latif vê como positivo o fato de o relator na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-AL), ter reduzido o número de exceções criadas no Senado. Ela destaca também como avanços a isenção das exportações e dos investimentos, além da expectativa de haver custos menores com disputas judiciais. "Trata-se de uma reforma de grande envergadura. Apesar de termos perdido a oportunidade de fazer uma coisa mais ambiciosa, temos que lembrar que foi o possível de aprovar com o quadro político atual", afirma. Para ela, era muito arriscado postergar ainda mais a reforma, que vem sendo debatida há mais de 30 anos no Congresso. "Isso só geraria mais concessões e pioraria o texto, porque cada setor quer entrar em algum regime especial. Então, foi melhor ter saído logo", resume.
Outro efeito positivo , salienta Zeina Latif é a melhor alocação de recursos no país, uma vez que, hoje, as decisões de investimentos não são tomadas pela lógica econômica, e, sim, tributária. "Isso gera muita ineficiência", observa. Outra consequência favorável é o aumento da formalização das empresas. "A reforma deverá inibir o crescimento da informalidade, porque todo mundo vai querer crédito tributário. Com maior formalidade, ganha-se mais produtividade", explica.
Indústria se beneficia
A economista observa que a indústria é um dos setores que mais deverá se beneficiar com a reforma, porque ela acaba com a cumulatividade de tributos, que penaliza muito o setor produtivo. "A gente sabe do efeito multiplicador da indústria na economia. Parte do baixo crescimento do PIB brasileiro se deve à estagnação da indústria, que sofre muito com o custo Brasil e com as distorções tributárias do atual regime, e acaba tendo uma carga tributária mais elevada por conta da complexidade do sistema", acrescenta.
O economista-chefe da Mirae Asset, Julio Hegedus, também acredita que a reforma "tende a atrair investimentos e a reduzir custos de empresas", mas diz que muitos impactos ainda não estão claros. "O relator na Câmara agiu bem retirando alguns excessos vindos do Senado. Esse é o grande problema de uma reforma que mexe com a tributação em tantos setores e regiões. É impossível ser neutra e agradar a todos", afirma. "Me incomoda um pouco o longo período de transição até a implementação total das mudanças. Não descartamos que alguns setores comecem a demandar cuidados especiais, desvirtuando o coração da reforma. Vamos aguardar as novas votações e as leis complementares", ressalta.
Simplificação
Conforme o texto que deve ser promulgado nos próximos dias pelo presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), três tributos federais — PIS, Cofins, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) — e dois tributos subnacionais — Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre Serviços (ISS) — serão substituídos por um Imposto de Valor Agregado (IVA) dual: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de incidência estadual e municipal.
O economista Murilo Viana, consultor sênior da GO Associados, avalia que ainda não é possível estimar o verdadeiro impacto dos novos tributos, que dependerá das leis complementares que serão aprovadas ao longo de 2024 e durante a transição dos regimes. Contudo, ele aponta como principal vantagem da reforma a simplificação dos impostos sobre o consumo. "Hoje, existem 27 formas de legislar sobre ISS e ICMS e isso gera uma complexidade enorme sobre quem produz e vende produtos no país, porque as normas mudam o tempo todo. Além disso, há uma guerra fiscal e a sobreposição de diferentes tipos de tributos, entre outros problemas, que acabam erodindo a base e a competitividade da indústria", salienta. "Com a carga tributária mais homogênea, os estados podem alegar que perdem autonomia, mas vão ganhar eficiência."
Aumento da carga em alguns setores
Viana reconhece que alguns setores vão sofrer aumento de carga tributária, mas outros, devem ser beneficiados, especialmente os exportadores. "Atualmente, existe um resíduo tributário que não é desonerado na exportação, mas, por outro lado, há segmentos que serão mais onerados, como o de saneamento, que vai passar a ter a incidência de tributos federais com a CBS cheia", compara.
"A perspectiva geral é de que existe a possibilidade de aumento da carga tributária, mas não sabemos de quanto ela vai ser. Existe a limitação de 27,5% para a alíquota do IVA, mas é óbvio que, se houver muitas exceções, a carga final terá de ser maior", resume.
De acordo com a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a reforma é um avanço para a modernização dos impostos e abre caminhos para a mudança sobre a tributação da renda no Brasil, "que é fundamental para combater a injustiça fiscal neste país em que os indivíduos de menor renda são sobrecarregados com impostos enquanto os ricos contribuem proporcionalmente menos em tributos". No entanto, a entidade faz um alerta. "As diversas exceções de isenção fiscal concedidas elevarão a alíquota do novo IVA, o que prejudicará todo o sistema tributário, além dos próprios setores beneficiados. As exceções, na reforma, viraram regra", destaca nota da Fenafisco.