Começa nesta terça-feira (12/12) a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) em 2023. O consenso de analistas do mercado é que o colegiado, liderado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, anunciará, amanhã, ao final do segundo dia do encontro, mais um corte de 0,50 ponto percentual na taxa básica de juros (Selic), conforme sinalizado na reunião anterior. A decisão manteria o ritmo do ciclo de baixa iniciado em agosto e levaria a taxa para 11,75% ao ano.
A expectativa dos analistas é de que a decisão seja unânime. A atenção estará voltada para o teor do comunicado que será divulgado após o encontro. O BC tem adotado uma postura de cautela na diminuição dos juros, mas o quadro fiscal está piorando, especialmente depois de o governo decidir antecipar o pagamento de R$ 95 bilhões das dívidas de precatórios por meio de crédito extraordinário.
O pagamento dessas dívidas havia sido limitado pela chamada PEC dos Precatórios, aprovada no fim de 2001 por iniciativa do governo de Jair Bolsonaro. A medida permitiu que o então presidente obtivesse superavit primário nas contas federais, em 2022.
Agora, porém, a fatura será salgada, e o rombo mais elevado das contas públicas poderá antecipar o fim do ciclo de cortes dos juros, de acordo com analistas ouvidos pelo Correio. Eles não descartam a possibilidade de a Selic ficar acima 10% no fim do ano que vem, apesar de a mediana das estimativas do mercado coletadas no boletim Focus, do BC, manter há seis semanas a previsão para a Selic em dezembro de 2024 em 9,25% .
O ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas Gomes, por exemplo, acredita que o ciclo de cortes da Selic acabará em março. “Os juros básicos podem ficar entre 9% e 9,5% no fim de 2024, mas, se houver piora no quadro fiscal e o governo não começar a fazer ajustes de despesas, há chances de a taxa continuar em dois dígitos por um período mais prolongado”, alertou Gomes, que é assessor da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
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Dominância fiscal
Gomes ressaltou que é preciso evitar que se repita o quadro fiscal do governo Dilma Rousseff (PT), quando as contas públicas pioraram tanto que o aumento dos juros não conteve a inflação. Em 2016, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estourou o teto da meta, de 6,5% em 2016, encerrando o ano com alta de 10,67%. “Por enquanto, a parte fiscal não está atrapalhando muito a política monetária, mas, se o governo Lula gastar ainda mais e não fizer nenhum ajuste fiscal, a Selic precisará subir novamente, porque haverá riscos de dominância fiscal”, acrescentou.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, também reconhece que a piora do quadro fiscal é grave, pois o governo tinha um superavit de quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim de 2022 e, neste ano, entregará um deficit nas contas públicas de quase 2% do PIB. E pode ser pior. “Com a antecipação do pagamento dos precatórios, agora, tem muita possibilidade de acontecer uma virada de 4,5% do PIB em pouco mais de um ano. É uma deterioração fiscal muito grande (R$ 450 bilhões)”, considerou Vale.
Ele destacou que o arcabouço fiscal tem uma dependência excessiva de arrecadação a ser obtida com medidas que ainda precisa ser aprovadas pelo Congresso. “Sabíamos que isso ia dar problema. Então, o mercado, finalmente, começou a colocar esses riscos na conta”, destacou Vale, em referência ao aumento das projeções de juros futuros. “As dificuldades eram claras lá atrás, mas, talvez houvesse uma boa vontade de acreditar que o problema poderia ser bem encaminhado. Porém, é muito difícil aumentar a arrecadação pelo Congresso num país que já têm carga tributária muito elevada, de 34% do PIB. Então, a questão fiscal vai continuar mal resolvida.”
O economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, ressaltou que a taxa de juros real (descontando a inflação) ainda está muito alta, e que o quadro fiscal será o principal impedimento para o BC acelerar o ritmo de cortes na Selic. “É muito pouco provável o Copom aumentar o ritmo de corte para 0,75 ponto percentual, dada a dinâmica fiscal e seus impactos sobre as expectativas de inflação, que estão acima do centro da meta. Além disso, tem muita incerteza em relação ao quadro global e aos movimentos no câmbio. Portanto, acho que o Banco Central, vai manter o ritmo que já foi definido, sem nenhuma surpresa. Acho que essas próximas reuniões acabam tendo poucas novidades também”, disse.
Davi Lelis, sócio da Valor Investimentos, diz que existem dois fatores principais que contribuem para o consenso do corte da Selic em de 0,50 ponto percentual. O primeiro é o dólar, que esteve relativamente controlado nas últimas semanas. Outro fator é a inflação em 12 meses, que está em 4,84%, levemente acima do limite, de 4,75%. “Mas isso não é preocupante e endossa a visão do BC, que considera essa inflação controlada e deve reduzir os juros”, observou.
Nesta semana, apesar de o Boletim Focus ter reduzido a estimativas do IPCA de 2023 de 4,54% para 4,51%, aumentou a mediana da projeção para 2024, usada como horizonte da política monetária, de 3,92% para 3,93%.
Apesar disso, Lelis acredita que o cenário à frente, por ora, é positivo. “Os juros altos foram um remédio muito indigesto e com efeitos colaterais, mas necessário para conter a doença da inflação no Brasil. Com a inflação mais controlada e o dólar caindo, veremos uma gradual redução dos juros”, avaliou.
Novos diretores
De acordo com o economista-chefe da Mirae Asset, Julio Hegedus, é preciso, ainda, estar atento à composição da diretoria da autoridade monetária daqui em diante. Além do Diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, primeiro indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já foram aprovados outros dois nomes, levados pelo governo para as diretorias de Assuntos Internacionais e de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta, que devem assumir suas funções em 1º de janeiro.
“Teremos aí uma mudança de composição de diretoria, entrando dois diretores mais alinhados com Galípolo, que talvez seja o futuro presidente do Banco Central. Mas uma aceleração do ritmo de corte no próximo ano, para 0,75%, só deve acontecer se houver uma agenda fiscal bem equacionada e bem amarrada. Não creio que será adotado um afrouxamento monetário mais expressivo em uma situação fiscal delicada como a atual”, ponderou.
Na avaliação de Gomes, da CNC, mesmo com a entrada dos dois novos diretores indicados pelo presidente Lula nas próximas reuniões do Copom, o BC voltará a subir os juros se houver risco de dominância fiscal. “Os novos diretores, quando sentarem naquela cadeira, vão sentir o peso da responsabilidade e vão tomar as medidas corretas”, afirmou.