Apesar de ter tentado minimizar o desafio fiscal no início do ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está cada vez mais distante de conseguir fechar as contas e entregar um deficit primário zerado em 2024. A desaceleração da economia está em curso, com o governo e analistas do mercado reduzindo as previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano para menos de 3%. O consenso entre analistas é que o rombo das contas públicas deverá ser zerado somente depois de 2027 — pelas projeções mais realistas.
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Na semana passada, o Ministério da Fazenda reduziu de 3,2% para 3% a previsão de crescimento do PIB deste ano e aumentou de R$ 141,4 para R$ 177,4 bilhões o tamanho do rombo das contas públicas, que equivale a 1,7% do total, bem acima da promessa de Haddad do início de 2023 de entregar um rombo menor do que 1%. Para 2024, as projeções pioram e o consenso é que não haverá deficit zerado no ano que vem.
Outro consenso entre analistas ouvidos pelo Correio é que, o PIB do terceiro trimestre será negativo. Pelos cálculos do especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, haverá queda de 0,3% no PIB do terceiro trimestre deste ano, que será divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no início de dezembro. Ele avalia que o governo só conseguirá voltar a registrar superávit primário em 2028.
"Acredito que ninguém do mercado tem projeção de PIB positivo para o terceiro trimestre", destacou. Ele lembra que, para 2024, a projeção de deficit de em torno de 1% do PIB já é um consenso e tende a piorar nas próximas projeções que devem ser revisadas. "A meta de zerar o deficit está longe de ser factível", diz.
Desafios
Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe da G5 Partners, alertou que o principal desafio do governo está em arrumar arrecadação extra, pois o aumento de gastos é tido como certo. Para ele, que revisou de 3% para 2,8% a previsão de crescimento do PIB deste ano, somente "com sorte", o Executivo conseguirá zerar o rombo fiscal em 2027.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, ainda não mudou as projeções, e manteve as previsões de deficit primário de 1,3% do PIB, em 2023, e de 0,7%, em 2024, mas admite que o desenho do arcabouço é um dos principais problemas de Haddad.
Gabriel Leal de Barros, da Ryo Asset, lembra que a desaceleração do PIB é um grande complicador, porque, com a economia crescendo menos, o governo precisará arrecadar ainda mais. Segundo ele, o governo esperava um volume de R$ 470 bilhões de receitas não recorrentes e deverá ter, no máximo, no melhor cenário, R$ 70 bilhões.
"O volume de receitas extraordinárias será muito menor do que o governo estimou originalmente. Então, a soma desses três fatores revisão da meta para pior em 2023, que piora o ponto de partida. Mas há a desaceleração da economia, que bate na receita recorrente. E há as medidas pelo lado da receita extraordinária, que vão entregar um ganho menor do que o que foi estimado originalmente e impedem que a meta de déficit zero seja atingida", explica.
"Haddad tem vários problemas, e, para chegar não só nessa meta de deficit zero, mesmo um saldo negativo de 0,5% do PIB também será desafiador. O mercado, hoje, está com um déficit de aproximadamente 1% do PIB e, a depender do que acontece com o PIB no último trimestre deste ano, essa projeção tende a piorar", acrescenta Barros.
Projeções
Vários alertas foram dados no Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), da Instituição Fiscal Independente (IFI). Segundo a entidade, o risco de descumprimento das metas para resultado primaário é elevado e se mostra desafiador no curto prazo". Pelas projeções, haverá um deficit primário de 1% do PIB em 2023, equivalente a R$ 107,9 bilhões, acima da meta inicial, que permitia um rombo de até R$ 65,9 bilhões, que foi ampliada com a PEC de Transição para um deficit de até R$ 213,6 bilhões, conforme a nova meta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano.
"A nova projeção para as despesas primárias é ligeiramente melhor que a apresentada em maio. Ponto importante é que a limitação dos gastos com precatórios configura um alívio no curto prazo e uma sobrecarga no médio prazo", destaca o documento.
De acordo com a entidade, a situação poderá mudar se a Advocacia-Geral da União (AGU) obtiver êxito em sua consulta ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que permitiria a regularização do fluxo de pagamentos dos precatórios com a possibilidade de pagamento dos passivos por meio de créditos extraordinários.
Analistas reconhecem que o quadro previsto pelo governo para as contas públicas pode ser pior, porque o Tesouro Nacional está utilizando a contabilidade criativa para tentar reduzir o tamanho do rombo fiscal. Além de contabilizar o empoçamento de recursos empenhados e que podem não ser utilizados até o fim do ano pelos órgãos, em torno de R$ 30 bilhões, precisaram ser ignorados já que o governo não inclui na conta despesas com precatórios que deveriam ser pagas no mesmo montante. E, para piorar, o Banco Central não aceitou registrar como receita primária a transferência de recursos do PIS/Pasep não sacados na conta do Tesouro, de R$ 26 bilhões.
"Já estamos com um deficit esperado muito próximo do autorizado pela LDO, de R$ 203,4 bilhões. Mesmo que não levemos em conta os precatórios devidos e não pagos, teremos um déficit de R$ 178 bilhões (1,7% do PIB), bem distante dos 0,5% inicialmente prometidos e, também, de 1% do PIB, que foi o valor que o governo passou a mirar a partir da metade do ano", disse o economista e professor do Insper Marcos Mendes, via redes sociais.