O Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu, mais uma vez, nesta quinta-feira (9/11), depois de um pedido de vistas do ministro Cristiano Zanin, o julgamento sobre a mudança da correção nos saldos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Com isso, o governo, que teme um impacto bilionário nas contas públicas com a medida, ganhou mais tempo para negociar um acordo com as centrais sindicais.
A ação em julgamento, movida pelo partido Solidariedade, contesta a legalidade do uso da Taxa Referencial (TR) para corrigir as contas do fundo e pede a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o que seria mais favorável aos trabalhadores. Em abril, porém, o relator da ação e atual presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, propôs que a atualização dos saldos seja feita pelo mesmo índice das cadernetas de poupança.
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O entendimento de Barroso foi seguido pelos ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, que votou nesta quinta. Com isso, o STF tem três votos favoráveis, entre os 11 ministros, para substituir o atual parâmetro de correção do FGTS. Ontem, Barroso acrescentou ao voto a previsão de que a alteração, se aprovada, ocorra somente a partir de 2025. O ajuste agradou ao governo, pois, pelo menos ,adia o impacto que a alteração teria nas contas públicas.
Pelas regras em vigor, a correção dos saldos do FGTS é feita pela Taxa Referencial (TR) mais 3% ao ano, ou seja, metade do rendimento atual da poupança, de 6,17% ao ano mais TR (0,11% ao mês atualmente).
Vantagem duvidosa
De acordo com especialistas, a mudança proposta por Barroso, proporcionaria um ganho imediato aos trabalhadores, mas passaria a ser prejudicial se a taxa básica de juros (Selic) voltar para patamares mais baixos, como é esperado em uma economia mais organizada.
O economista Ricardo Rocha, professor de Finanças do Insper, ressaltou que existem prós e contras na alteração. "Ela não significará que o Fundo vá render mais. Em uma perspectiva de economia mais estabilizada, muitos podem se arrepender da mudança e acabar perdendo se a Selic voltar a ficar abaixo de 8,5% ao ano", alertou.
É preciso lembrar que, desde 2012, o governo mudou as regras de remuneração da poupança. Pela metodologia que passou a ser adotada, quando a Selic fica abaixo de 8,5% ao ano, os aplicadores recebem 70% da Selic mais a TR, que estava zerada. Somente quando a Selic ficar acima de 8,5% ao ano, o rendimento da caderneta volta para os 0,50% ao mês, ou 6,17% ao ano, mais TR. Atualmente, a taxa Selic está em 12,25% ao ano.
Cenários
Ricardo Rocha e o professor Marcelo Ermel, também do Insper, avaliaram a remuneração do FGTS em três cenários para depósitos de R$ 100 em um prazo de 60 meses. Na simulação, a mudança da correção do FGTS para a mesma regra da poupança só seria mais rentável do que a atual se a Selic continuasse alta. Se a taxa de juros ficar abaixo de 8,5% ao ano, haverá perdas para os trabalhadores.
Considerando a Selic em 10% ao ano, em 60 meses, a aplicação renderia 8,12% a mais do que pela regra atual, de TR mais 3% ao ano. Mas se a taxa básica cair para 5% ao ano, o mesmo valor aplicado nesses seis anos renderia 2% a menos do que no primeiro cenário.
Impacto nas contas públicas e na habitação
A ação é de amplo interesse do governo. Caso a correção do FGTS passe a ser igual à da poupança, o impacto para os cofres públicos é calculado em R$ 8,6 bilhões nos próximos quatro anos, mas pode chegar a R$ 660 bilhões, se houver aplicação retroativa do novo índice até 1999, quando a TR passou a ser usada. Além disso, a alteração aumentaria o custo dos financiamentos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida, que é uma das prioridades do atual governo e, certamente, será avaliado na campanha eleitoral do próximo ano.
Por conta disso, o governo vinha pressionando o STF a postergar a decisão. Antes do pedido de vista de Zanin, que terá até 90 dias para devolver o processo ao plenário, a Advocacia-Geral da União (AGU) também havia solicitado que o julgamento fosse adiado.
Distribuição obrigatória de lucros
Na sessão desta quinta-feira, Barroso também propôs a distribuição obrigatória da totalidade dos lucros do Fundo de Garantia para os atuais cotistas — o que o governo já faz, mas por iniciativa própria. Neste ano, a Caixa Econômica Federal distribuiu R$ 12,7 bilhões do lucro do Fundo. "É importante distribuir esse ganho para trabalhadores com contas no FGTS", frisou Rocha, do Insper.