Lisboa — Maior evento de tecnologia do mundo, a Web Summit fez questão de ostentar os números da edição deste ano, que contou com o recorde de mais de 70 mil participantes. Quem acompanhou os quatro dias do evento, no entanto, pode perceber que a euforia disseminada pelos organizadores não era a mesma entre os expositores e os visitantes que transitaram pelos cinco pavilhões gigantes instalados às margens do rio Tejo.
Semanas antes de a feira abrir as portas, seu fundador, Paddy Cosgrave, foi obrigado a se demitir, depois de classificar os ataques de Israel à Faixa de Gaza como crimes de guerra. Grandes empresas de tecnologia, como Google e Meta, cancelaram presença no encontro. Mas, realmente, o que mais pesou para o clima nem tão festivo foi o freio de arrumação no mercado de startups. Como bem definiram os participantes, a festa do dinheiro fácil acabou.
“Os investidores estão muito mais seletivos”, diz Cristiano Oliveira, COO da startup TQI, que desenvolve soluções para empresas impulsionarem seus negócios. Ele conta que, com o longo ciclo de juros negativos e, mais recentemente, a pandemia do novo coronavírus, os fundos de investimentos se sentiram confortáveis para despejar fortunas em projetos que se apresentavam como inovadores.
Como o dinheiro era farto e barato, não havia muita preocupação com os resultados. Era grande a complacência. Com o fim da pandemia e a rápida subida dos juros mundo afora por causa do surto inflacionário, os investidores perceberam que muitas startups não haviam passado de promessas. “Não só reduziram os aportes de recursos, como passaram a olhar para coisas mais palpáveis, como eficiência”, ressalta.
Para Oliveira, um mercado mais seletivo não significa, contudo, o fim do interesse do capital pelo mercado de startups. “Já vimos esse filme antes. O mercado de tecnologia é cíclico, de altos e baixos. Agora, o que os investidores querem são projetos sólidos, empresas saudáveis, rentabilidade”, afirma. “Essa maior seletividade é muito boa. O que houve foi uma peneirada para ver quais empresas paravam em pé”, complementa Alberto Levy, CEO da Poly Cashback. No entender dele, os bilhões de dólares perdidos com a falência de vários negócios deixaram os donos do dinheiro mais arredios. “Antes desse rearranjo do mercado, os investimentos em startups eram decididos em, no máximo, dois meses. Agora, são meses e meses de negociação, com os possíveis apoiadores olhando todos os números e projeções.”
Inteligência artificial
Sócia e diretora Comercial da r2u, Valéria Carrete conta que um dos sinais mais evidentes da puxada no freio de mão dos investimentos em startups foi o rateio de ingressos da Web Summit entre os donos de empesas. Ao fazer as inscrições para a feira, os participantes têm direito a uma quantidade específica de entradas para o seu time. “O que eu vi nos grupos de conversas que participo foi muita gente vendendo parte dos ingressos para fazer caixa e bancar a viagem para Lisboa. Em outros tempos, de dinheiro sobrando, ninguém faria isso”, relata. “Tudo isso é resultado da crise que se abateu sobre o mercado. Quem não quebrou, aterrissou e passou a focar mais em resultados sustentáveis, não em promessas”, emenda.
Na opinião de Carrete, os investidores não estão mais dispostos a distribuir dinheiro porque é bonito apoiar startups. “Acabou a festa”, enfatiza. Ela diz que, com a crise, os investidores perceberam que as empresas podiam operar normalmente com metade de pessoal, sem nenhum transtorno.
“Como o dinheiro era fácil, as startups montavam times gigantescos, com custos elevadíssimos. Com a razão prevalecendo, as mesmas empresas funcionam mais enxutas e dão bons resultados. É isso que prevalecerá daqui por diante”, acredita ela, que vê futuro, sobretudo, nos negócios em que a inteligência artificial (IA) fará a diferença. Na r2u, essa ferramenta está sendo oferecida para que micro, pequenas e médias empresas possam alavancar as vendas por meio das redes sociais.
Oliveira, da TQI, afirma que as startups que não se renderem à inteligência artificial enfrentarão períodos turbulentos. “Estamos falando de uma ferramenta tão essencial quanto a energia elétrica. No nosso caso, utilizamos a inteligência artificial com dois propósitos: eficiência operacional, a fim de acelerar o ciclo de desenvolvimento de um produto, e busca por soluções para os clientes”, explica.
A grande preocupação do setor em relação à essa ferramenta tem a ver com regulamentação. O Brasil está dando passos importantes nessa direção. Há consenso de que é preciso impor limites. “A tecnologia não espera a lei, é a lei que tem de correr atrás da tecnologia”, define Carrete.
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