O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) andam em descompasso no discurso em relação à nova meta fiscal, desencadeando uma nova onda de revisões. Mudanças que devem piorar as estimativas de crescimento econômico a partir de 2024, com a antecipação do fim do ciclo de queda da taxa básica da economia (Selic), além de agravar as perspectivas para a trajetória da dívida pública.
De acordo com especialistas, Lula está dando um tiro no pé em um cenário que estava favorável para o governo, pois o mercado tinha dado um voto de confiança na política econômica que vinha sendo defendida por Haddad. Mas, agora, o ministro ficou isolado na defesa da manutenção da nova regra — que prevê deficit zero nas contas públicas de 2024 e superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) nos dois anos seguintes.
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As pressões internas sobre a equipe econômica tentam mudar a meta para um deficit de até 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o que, com a margem de tolerância de 0,25 ponto percentual, permitiria um rombo fiscal de até 0,75% do PIB, ou seja, até R$ 75 bilhões a mais para gastos adicionais. Lula, além de defender mais gastos em obras, é contra o inevitável contingenciamento que será necessário logo no início do próximo ano se a nova meta fiscal for aprovada, pois existem despesas aprovadas sem receita recorrente, gerando um buraco de R$ 168,5 bilhões que precisam ser cobertas por medidas legislativas ainda não aprovadas para aumentar a arrecadação da União.
Na expectativa de mudança da meta fiscal, após as declarações de Lula a jornalistas, na sexta-feira, a mediana das previsões para a Selic no fim de 2024 passou de 9% para 9,25%. Analistas especulam que a tendência para os juros básicos é de continuar subindo, passando da marca de 10% ao ano.
"A curva de juros voltou a subir e o mercado já fala em juros de 10,5% no fim de 2024. Logo, a tendência é que as projeções de economistas de 9,25% se aproximem disso", alerta o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria. Segundo ele, a instituição ainda não elevou as projeções para os juros, atualmente em 9,25%, mas o "viés é de alta". Para ele, a credibilidade conquistada por Haddad no segundo trimestre do ano — durante a aprovação do arcabouço fiscal pelo Congresso e da apresentação da nova meta junto com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) — está em xeque, e a preocupação com a piora do quadro fiscal é crescente, especialmente se houver mudança da meta.
Pelas estimativas dele, a dívida pública bruta tende a aumentar de dois a três pontos percentuais em 2026. "A promessa do arcabouço fiscal era de uma relação dívida-PIB estável e declinante. Ninguém comprou essa ideia de que ela chegaria a 74% em 2026. A visão mais otimista do mercado era 80% do PIB, e as mais realistas, de 84% a 85%. Esse era um quadro que deixava o ministro da Fazenda navegar com tranquilidade nas águas do debate econômico. Agora, não mais", explica o ex-ministro. Para ele, as projeções de crescimento do PIB em 2024 também tendem a piorar, porque a política monetária será mais contracionista diante da perspectiva de maiores riscos na área fiscal.
"Cenário desafiador"
Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, reforça o alerta do ex-ministro e avalia que a mudança da meta será condicionante para a piora do quadro fiscal e o mercado deve precificar a continuidade da queda nos juros, provavelmente, até março de 2024. "Acho que pode haver uma parada antecipada no ciclo de queda dos juros e, a princípio, o estresse fiscal vai ocorrer ao longo dos próximos meses", afirma. E, apesar de a conjuntura de 2023 estar favorável, com PIB crescendo 3%, o desemprego em queda e a inflação oficial caminhando para o centro da meta, de 3,25%, a perspectiva de retrocessos na política fiscal acende o sinal vermelho para 2024 e os próximos anos.
Ao reduzir em 0,50 ponto percentual pela terceira vez consecutiva, para 12,25% ao ano, na quarta-feira passada (5/11), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deixou o recado no comunicado de que é importante a manutenção da meta fiscal proposta pelo Executivo diante de um "cenário global desafiador e que demanda serenidade e moderação". "O Comitê reforça a necessidade de perseverar com uma política monetária contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas." Logo, para os especialistas, a expectativa, agora, é de um encurtamento do ciclo de flexibilização da Selic, que pode ser interrompido nas primeiras reuniões de 2024.
"As incertezas fiscais prejudicam os investimentos, pois volta o receio de que os juros podem voltar a subir de novo, como aconteceu no governo Dilma Rousseff", alerta o economista e ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas Gomes.
Vale lembrar que o consenso entre analistas do mercado era de que Haddad não conseguiria zerar o rombo fiscal em 2024 e, agora, as projeções para o quadro fiscal também tendem a piorar. O consenso entre analistas é que a projeção para o deficit fiscal do ano que vem, de 0,8% do PIB, será ser bem maior, acima de 1% do PIB.
"Meta impossível"
"Não há chance de o governo zerar o deficit fiscal em 2024, o que afetará a dinâmica dos anos subsequentes. O que já era muito difícil se tornou impossível com a virada do cenário global", alerta o economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel Leal de Barros.
Maílson da Nóbrega lembra que o mercado tinha precificado uma mudança na meta fiscal no início de 2024, mas essa antecipação do governo em querer mudar antes mesmo da aprovação pelo Congresso é que deu um sinal muito ruim para os investidores. E, para piorar, o fato de Lula ainda falar em aumentar mais gastos em um cenário de queda na arrecadação e com o Orçamento com um buraco de R$ 168,5 bilhões em receitas incertas e que precisam de aprovação do Congresso tornam o cenário ainda mais preocupante. O fato de o ministro da Casa Civil, Rui Costa, tentar minimizar o problema só aumentou a confusão, porque Costa é o maior interessado em aumento de gastos para obras, pois está coordenando o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que corre o risco de ter os mesmos problemas do passado — obras inacabadas e desperdício de dinheiro público — se não houver bons projetos.
Na avaliação do ex-ministro, o terceiro mandato de Lula caminha para uma repetição dos erros do segundo mandato dele e o primeiro de Dilma Rousseff (PT), quando os gastos públicos aumentaram de forma vertiginosa e o país caminhou para o descontrole fiscal e a contabilidade criativa para esconder os rombos nas contas públicas.
A economista Monica De Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, ressalta que as raízes desses problemas fiscais são todas de natureza política. "Não adianta apontar para a Constituição, porque não é ela que está errada para justificar as restrições orçamentárias. Ninguém reconheceu o tamanho do estrago que o ex-presidente Jair Bolsonaro deixou na prática da instituição orçamentária. Ele entregou o Orçamento para o Congresso governar e isso é muito grave", alerta.
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