Entrevista exclusiva

"Mercado de aviação vai crescer no Brasil", diz Gonzalo Romero, da Air Europa

Gonzalo Romero, diretor da empresa espanhola Air Europa no Brasil, diz que ação do governo brasileiro resgatando passageiros em Israel foi importante também para as operações das companhias aéreas que atuam na região

"Achamos de 2024 vai ser muito positivo para a nossa indústria no geral e, principalmente, pensando no Brasil. Entendemos que a demanda se manterá forte", diz Romero. - (crédito: Divulgação)
postado em 04/11/2023 05:00

O ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, e o imediato revide israelense, com bombardeios intensos à Faixa de Gaza, acarretou restrições severas do espaço aéreo de Israel à maioria das empresas comerciais de aviação. Com a demanda muito superior à oferta de assentos, milhares de estrangeiros aguardaram por dias no Aeroporto Internacional Bem Gurion, em Tel Aviv, a hora de sair do país. Entre eles, 1,4 mil brasileiros, que contaram com a ajuda da Força Aérea Brasileira para deixar o Oriente Médio, distribuídos em nove voos.

Israel é o principal destino na região. A moderna e agitada capital, Tel Aviv, e suas cidades históricas e sagradas para as três maiores religiões monoteístas atraem milhões de visitantes do mundo inteiro todos os anos. A crise deflagrada pelo conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas provocou um caos nas companhias que operam no território israelense, entre elas a Air Europa, aérea espanhola que oferta uma das mais rápidas alternativas que os brasileiros têm para chegar a Tel Aviv, com saídas de São Paulo ou Salvador e conexão em Madri (Espanha).

O Correio conversou com o diretor da Air Europa, Gonzalo Romero, sobre os impactos da crise no Oriente Médio na aviação e o otimismo dele em relação ao mercado brasileiro, que reagiu de forma "muito forte" depois da pandemia de covid-19. Para o executivo, o esforço do governo brasileiro em repatriar quem queria deixar Israel foi fundamental para as companhias aéreas, que ainda não conseguiram normalizar as operações. Sobre o futuro da aviação comercial, ele se mostra otimista com a recuperação da demanda por voos internacionais, cobra mais abertura do mercado doméstico e vê na judicialização um dos principais gargalos do setor. Gonzalo também acredita que a reforma tributária em discussão no Congresso não vai impactar as companhias aéreas. Acompanhe os principais pontos da entrevista:

A Air Europa conseguiu trazer todos os seus passageiros que estavam em Tel Aviv?

Não conseguimos. O conflito se iniciou em um sábado, 7 de outubro, e apenas até a segunda-feira seguinte conseguimos trazer nossos passageiros. Depois, todos os voos foram cancelados. A reação do Brasil, enviando suas aeronaves (da Força Aérea Brasileira - FAB) foi importante não apenas para o Brasil e os brasileiros, mas para todas as companhias aéreas que tinham passageiros lá (em Israel). Isso nos ajudou muito. Tínhamos passageiros brasileiros, mas muitos conseguiram voltar com a ajuda que o Brasil enviou. Agora não temos passageiros, já voltaram todos.

A empresa já retomou as operações em Israel?

Ainda não, estamos com todos os voos cancelados até este 5 de novembro, mas vamos avaliando semana a semana. Se não melhorar a situação, cancelamos por mais uma semana. A vontade de todas as companhias é voltar rapidamente para Tel Aviv. Esse destino sempre foi muito demandado. Nós tínhamos voo de Madri para Tel Aviv todos os dias em aviões grandes. Nosso intuito é voltar rapidamente, assim que a segurança da aviação permitir.

A guerra em Israel mudou as expectativas da empresa?

Por enquanto, não temos observado um impacto nos nossos destinos europeus. Muitos passageiros nossos tinham voos marcados para para Tel Aviv, mas estão aceitando trocar para outros destinos. Isso é um bom sinal, os passageiros ainda estão se sentindo seguros para seguir viajando a outros destinos. A ocupação de assentos nas aeronaves, nas últimas semanas, têm se mantido muito boa. Muitos passageiros voariam de São Paulo para Tel Aviv, mas, na medida em que se cancela o voo para Israel, o passageiro tenderia a cancelar também o primeiro trecho (de São Paulo ou Salvador para Madri). Mas esses lugares continuam bastante procurados.

Como a Air Europa vê o mercado brasileiro e a demanda para destinos europeus? E, especificamente, o mercado de Brasília?

Estamos vendo, desde o fim de 2022, um crescimento no número de passageiros saindo de Brasília e se conectando conosco em Guarulhos. Isso foi um sinal de que precisamos estar mais perto desse mercado. Vim a Brasília para entender as necessidades dos nossos passageiros, dos nossos parceiros, agências de viagens, empresas e governo, e entender um pouco melhor como vai a demanda.

Como o senhor vê o mercado brasileiro pós-pandemia?

O pós-pandemia foi uma surpresa para todos nós. A demanda depois da crise foi muito forte. Mas a pandemia impactou muito a entrega da novas aeronaves, e não conseguimos acompanhar o crescimento da demanda. Achamos que 2024 vai ser muito positivo para a nossa indústria no geral e, principalmente, pensando no Brasil. Entendemos que essa demanda se manterá forte.

Mesmo com o conflito em Israel e a guerra na Ucrânia?

Com certeza. Existem contextos globais dos quais não podemos esquecer, em especial conflitos em diferentes partes, mas entendemos que a demanda em 2024 vai se manter. Temos alguns desafios no futuro como a alta do dólar, além do combustível, que vem subindo muito.

Quais os planos para Brasília?

Por enquanto, seguiremos promovendo nosso posicionamento de marca e conectando nossos passageiros por São Paulo e Salvador. Atualmente, em Brasília, temos um acordo de compartilhamento com Azul, Gol e Latam. Assim, conseguimos ter uma rápida conectividade em São Paulo. Por enquanto, não avaliamos uma nova rota por Brasília. Brasília tem uma demanda muito grande e sabemos que aqui existe apenas um concorrente, que também não consegue atender a demanda.

A concorrente é a portuguesa TAP, que elegeu o Brasil como principal foco dos investimentos na América do Sul. A Air Europa aposta na mesma estratégia?

Nossa estratégia é um pouco mais abrangente. Atualmente há 23 destinos nas Américas voando direto para Madrid. O único país em que não estamos (com voos diretos) é o Chile, o resto, fazemos tudo. Nossa estratégia é a de conectar todos os passageiros das Américas com a Europa pelo nosso hub de Madrid. Nosso modelo de negócio não é focalizar apenas o Brasil, é mais diversificado.

A TAP não acaba sendo uma concorrente forte na distribuição de passageiros brasileiros à Europa?

Nós vendemos muito Portugal também, temos seis operações por dia de Madrid para Lisboa e Porto, e todas se conectam com Guarulhos e com Salvador. Hoje, nosso principal destino final é Portugal, não é Madrid. Claro que os voos diretos são mais demandados e tem um valor diferenciado, mas o nosso hub em Madrid tem uma conectividade muito rápida. Dos principais aeroportos da Europa, como Lisboa, Paris, Amsterdã e Frankfurt, a maioria está em colapso. Hoje, para fazer a imigração em Portugal, você leva duas horas. Em Madrid, faz em cinco minutos. O passageiro desembarca e, em 10 minutos a pé, chega a sua conexão.

Como o senhor vê os debates da reforma tributária no Brasil?

Esperamos que nossa indústria não seja impactada, porque existem acordos bilaterais entre os países e acordos internacionais de aviação. A Espanha tem um acordo bilateral muito forte, já há muitos anos, com o Brasil. Muitos países também têm seus acordos com o Brasil. Entendemos que, em função dos acordos bilaterais, de céus abertos e da aviação, a reforma não impactará as companhias aéreas nesse momento.

O Brasil não tem acordos de céus abertos com a Europa ainda...

Uma coisa são as rotas internacionais, outra coisa, as rotas dentro da Europa. Mas o Brasil vem discutindo um pouco isso, vem tentando captar companhias aéreas internacionais que façam trechos internos no país. O Brasil tem que crescer. Eu sempre digo que o Brasil é um mercado gigante que precisa de mais conectividade. Quando comparamos quantas viagens faz, ao ano, cada brasileiro — 0,7 ou 0,8 viagens por habitante/ano — com a Colômbia, que faz 3,5, e o Chile (com 1,8), vemos que ainda temos um desafio de conectividade muito grande. Também existem muitas possibilidades ao nível regional, já que o Brasil é um país de dimensões gigantescas.

Qual a expectativa para os próximos meses, anos?

A avaliação é muito positiva. Hoje, quando falamos na Europa sobre o Brasil, o país é visto com outro ânimo. Até algum tempo atrás, havia muitas dúvidas em relação a diferentes aspectos, mas, hoje, o Brasil está recuperando a posição que merece.

O Brasil é ainda um mercado muito fechado? E como é a atuação da Anac?

O desempenho da Anac como órgão regulador é muito bom. Sentimos que eles enxergam o setor como um todo, não só a parte de acordos, de segurança, dos passageiros. Nossas operações são muito auditadas nos aeroportos, nas aeronaves, nas questões de segurança. A Anac é muito eficiente, nós somos muito bem regulados.

Quais os principais gargalos que o setor enfrenta?

Com relação aos passageiros, nosso maior problema é a judicialização, muito maior que em outros países. O problema é que existem normas da aviação internacional que, aqui no Brasil, não se aplicam. Aqui se aplica o Código de Defesa do Consumidor. Isso leva a maior judicialização.

Por que se busca tanto a Justiça, no Brasil, para resolver questões entre clientes e companhias aéreas?

O principal é que em qualquer cancelamento se atribui culpa à companhia aérea, por qualquer motivo. Se o aeroporto fechar, a responsável é a companhia aérea, que tem que dar assistência a todo momento. Em outros países não acontece isso. Se o aeroporto fechou porque caiu neve, a companhia não é responsável. Já em Curitiba, se o aeroporto fecha por causa de um nevoeiro, a companhia é responsável.

E a polêmica cobrança da mala despachada?

Na maioria dos países, há dois tipos de produtos diferentes: a tarifa e a bagagem. Dar possibilidade ao passageiro para que possa contratar (o serviço mais adequado) é muito mais eficiente. Essa é uma discussão eterna, mas o importante é saber se queremos mais companhias, que ofereçam mais voos, para que as tarifas diminuam. Isso se consegue com mais passageiros, com mais competência, com mais oferta.

Quais os futuros investimentos da companhia?

Atualmente nosso foco é a unificação da frota, mas estamos sempre de olho em ampliar as rotas em que já atuamos, como Salvador. Hoje, o principal empecilho é a falta de aeronaves. Estão chegando cinco aeronaves novas até dezembro, mas até o fim de 2025 esperamos a chegada da nova frota, que é o principal problema não só da Air Europa, mas de todo o setor. No Brasil, vamos continuar com o produto que temos, estamos muito contentes com a ocupação de 92% dos voos e vamos continuar trabalhando com o nosso posicionamento de marca. Não temos, por agora, previsão de aumentar a frequência dos voos regulares, a não ser em dezembro e janeiro, com alguns voos extras para reforçar a alta temporada.

 

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