CENÁRIO ECONÔMICO

"Guerras e juros vão impactar a economia", admite secretário da Fazenda

Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, afirma que o quadro internacional adverso terá de ser considerado nas revisões que o ministério fará nas projeções de crescimento do PIB deste e do próximo ano

Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello participa de seminário em Lisboa -  (crédito: Vicente Nunes/CB/D.A Press)
Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello participa de seminário em Lisboa - (crédito: Vicente Nunes/CB/D.A Press)
postado em 02/11/2023 13:37 / atualizado em 02/11/2023 13:38

Lisboa — O governo vai revisar as projeções para a economia brasileira deste ano e do próximo, levando em conta o quadro internacional mais adverso, agora, agravado pela guerra entre Israel e o grupo Hamas, que inflama o Oriente Médio. Segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, os indicadores macroeconômicos do Brasil têm se mostrado resilientes, mas o cenário é mais desafiador hoje do que era seis meses atrás, sobretudo porque, além dos conflitos geopolíticos, houve um forte aumento dos juros nas economias desenvolvidas para combater a inflação.

“É evidente que sempre há algum tipo de impacto que nós temos de acompanhar, para entendermos como esses elementos externos vão colocar desafios e obstáculos ao processo de crescimento brasileiro. Hoje, ainda não temos clareza de quanto tempo vão durar os conflitos, qual será a dimensão deles, quanto tempo vai durar a taxa de juros elevada no mundo. Então, é muito difícil falar em impactos quantificáveis nesse momento”, diz Mello. Ele ressalta que a projeções atuais, que serão atualizadas ao longo de novembro, apontam para avanço de 3,2% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e de 2,3% no de 2024.

Cauteloso, para não adicionar mais lenha na fogueira das discussões sobre os rumos das metas fiscais traçadas pelo governo, o secretário assegura que, no entender dele, nada mudou em relação ao que foi anunciado logo nas primeiras semanas de governo pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de deficit zero no ano que vem. Há uma disputa aberta no governo entre Haddad e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que tem defendido junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um deficit de até 0,5% do PIB em 2024, ano de eleições. Lula verbalizou essa proposta ao defender que não haja cortes no Orçamento da União.

“A nossa agenda continua sendo a de recomposição da base fiscal, combatendo distorções tributária e benefícios indevidos e promovendo justiça fiscal, tributando aqueles muito ricos, que não contribuem na medida que deveriam. Estamos falando em retomar um nível de arrecadação, por exemplo, similar ao que aconteceu no ano passado, em que as receitas federais líquidas somaram 18,7% do PIB”, explica Mello. Na opinião dele, se o governo estivesse com esse nível de receitas, o deficit nas contas públicas seria de 0,3%, no máximo 0,4%, do PIB neste ano. “Então, estaríamos muito próximos da meta zero”, frisa, reforçando que recomposição de receitas não quer dizer aumento de impostos.

Para o secretário, o Banco Central fez muito bem em cortar mais 0,5 ponto percentual da taxa básica de juros (Selic), para 12,25% ao ano, na mais recente reunião do Comitê de Política monetária. Contudo, ele acredita que ainda há uma avenida imensa para que a autoridade leve a taxa Selic para um nível neutro, ou seja, que, ao mesmo tempo, mantenha a inflação sob controle e não inviabilize a atividade econômica. Ele se mostra preocupado com os impactos das mudanças climáticas sobre a economia e revela que o governo está preparando instrumentos para incentivar investimentos comprometidos com a preservação ambiental. Um deles é um sistema de hedge (seguro) cambial para proteção das volatilidades da moeda.

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio durante o Fórum Futuro ESG, promovido pelo Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe).

Desde o início do segundo semestre, os indicadores antecedentes têm mostrado uma desaceleração da economia. O mundo vinha com uma guerra entre a Urânia e a Rússia e, agora, há o conflito entre Israel e o Hamas, no Oriente Médio. Como isso pode impactar o crescimento do Brasil? Vai prejudicar?

O cenário para o mundo e também para o Brasil é mais desafiador hoje do que era seis meses atrás. Obviamente, que o acúmulo de conflitos geopolíticos e de guerras é um fator, mas não é o único. O próprio processo de estabilização inflacionária nos Estados Unidos, que tem se mostrado mais longo do que o inicialmente esperado, trouxe também o elemento das taxas de juros mais elevadas nos países centrais, por mais tempo. E isso tem impacto sobre o fluxo de capitais, sobre as decisões de investimento e, eventualmente, sobre a taxa de câmbio. O que nós temos visto é que os indicadores econômicos do Brasil têm se mostrado resilientes em meio a esse quadro desafiador. Mas é evidente que sempre há algum tipo de impacto que nós temos de acompanhar, para entendermos como esses elementos externos vão colocar desafios e obstáculos ao processo de crescimento brasileiro. Hoje, ainda não temos clareza do quanto vão durar os conflitos, qual será a dimensão deles, quanto tempo vai durar a taxa de juros elevada no mundo. Então, é muito difícil falar em impactos quantificáveis nesse momento.

Qual é a previsão atual do Ministério da Fazenda para o crescimento?

A última grade de parâmetros que nós soltamos previa 3,2% de crescimento para este ano e de 2,3% para o ano que vem.

O senhor acha possível manter essas projeções?

Possível é. Mas me parece que, principalmente, no âmbito internacional, o balanço de riscos pendeu mais para o negativo hoje do que para o positivo. Quer dizer, se analisarmos o cenário internacional, ele se agravou e cria mais dificuldades e mais desafios para as economias crescerem. Não só para o Brasil, mas para o mundo inteiro. Estamos acompanhando os indicadores domésticos, mas também os indicadores internacionais. E assim, provavelmente em novembro, quando soltarmos a nova grade de parâmetros, os números vão refletir esse novo cenário, que, obviamente, temos de ter cautela para acompanhar, porque, como eu disse, o conjunto de incertezas cresceu. E temos de analisar.

O Banco Central promoveu mais um corte nos juros, para 12,25% ao ano. Ainda é uma taxa alta para os parâmetros do Brasil?

É uma taxa elevada. A política monetária continua no campo contracionista e continuará assim por um tempo. O próprio Banco Central ressalta isso nos seus comunicados, nas suas atas. Mas nós acreditamos que há espaço para o Banco Central trazer essa taxa para muito próxima da taxa neutra já no ano que vem. Agora, repito, toda a condução da política econômica tem de levar em conta o cenário global. Então, conforme vão aumentando os riscos lá fora, nós temos um trabalho mais refinado de avaliar o impacto de cada um desses riscos. Mas, hoje, me parece muito claro que ainda há bastante espaço para que a autoridade monetária avance na redução dos juros, sem que isso prejudique qualquer esforço, seja de estabilização inflacionária, seja na taxa de câmbio.

O BC vem ressaltando nos comunicados do Copom — e reforçou isso nesta quarta-feira —a importância de se manter o ajuste fiscal. Mas está claro o debate no governo sobre abrir mão do deficit zero em 2024 e permitir um rombo de até 0,5% do PIB. Como vê essa questão?

Eu acho que, na questão fiscal, nós endereçamos a nossa estratégia e o nosso esforço desde o início desse novo governo do presidente Lula. Nas primeiras semanas de governo, o ministro Fernando Haddad comunicou qual seria a agenda, a recomposição da base fiscal, combatendo distorções tributárias e benefícios indevidos e promovendo justiça fiscal, tributando aqueles muito ricos, que não contribuem na medida que deveriam.

Mas essa agenda está mantida?

Essa agenda prossegue. A agenda está no Congresso Nacional. Eu sempre falo que a grande discussão que se tem junto ao mercado financeiro e na sociedade como um todo é sobre a velocidade desse processo de recuperação das receitas. E, aqui, enfatizo a palavra recuperar, recompor, porque não estamos falando em um aumento. Estamos falando em retomar o nível de arrecadação, por exemplo, similar ao que aconteceu no ano passado, em que as receitas federais líquidas somaram 18,7% do PIB. Se tivéssemos isso neste ano, o nosso deficit seria de 0,3%, no máximo 0,4%, neste ano. Então, estaríamos muito próximo da meta zero. Nós estamos querendo recompor, mas não na base do aumento de tributos e, sim, na base de fechar os gargalos, corrigir distorções e promover a justiça tributária.

Então, não haverá aumento na carga tributária?

Exato. No passado, o Brasil já teve períodos em que houve aumentos expressivos de carga tributária, de cinco, seis pontos percentuais do PIB, para promover um esforço fiscal de recuperação das contas públicas. Não estamos tratando de nada disso, mas de retomar um nível de arrecadação que, muito recentemente, no ano passado,tivemos. Em vez de retomar isso com receitas extraordinárias, queimando patrimônio, queremos retomar a arrecadação de maneira estrutural, ao mesmo tempo em que se promove justiça fiscal e que se combate as distorções do sistema tributário.

É possível realmente seguir na direção traçada, de recomposição das receitas sem elevar a carga tributária?

Se conseguirmos fazer isso e o país avançar nessa agenda, estou muito tranquilo de que vamos caminhar no sentido da recuperação do superavit primário ao longo dos próximos anos, que é exatamente o nosso plano. E o país vai sair, além de mais estável do ponto de vista macroeconômico, mais competitivo, menos desigual. Então, é uma agenda de ganha-ganha, digamos assim. E essa agenda prossegue. É exatamente o que ministro falou.

Independentemente de ter deficit de zero ou de 0,5% do PIB no ano que vem, o que importa é a trajetória das contas públicas ao longo do tempo?

O que eu reforço aqui é sempre o plano de voo, que está mantido exatamente como a gente falou desde o início, que é recompor a base fiscal do Estado, combatendo distorções, combatendo privilégios, promovendo justiça fiscal e justiça tributária e, inclusive, fazendo uma reforma tributária que vai melhorar a eficiência e a competitividade do Brasil. E fazer isso sem precisar afetar negativamente as políticas sociais, as políticas públicas, e encontrar, ao longo do tempo, a necessária estabilização da dívida pública a partir de um maior equilíbrio entre essa base tributária, essa base arrecadatória recomposta de maneira justa, e a preservação e o fortalecimento das políticas públicas.

Quanto à reforma tributária, o senhor defende um imposto seletivo para os setores que desmatam. Como seria isso?

O imposto seletivo está previsto na reforma do IVA, que vai unificar cinco impostos. Nesse contexto, haverá um imposto seletivo para atividades que prejudicam a saúde e o meio ambiente. Então, obviamente, atividades que são muito prejudiciais vão ter uma oneração maior que as que não são. É uma forma de se criar um incentivo econômico para direcionar o investimento para aquelas atividades, para aqueles setores que promovem o benefício à saúde da população, mas, também, a preservação do meio ambiente.

O governo está trabalhando em um projeto para atrelar o hegde (seguro) cambial a projetos de investimentos com compromissos ambientais. Como será isso?

É um instrumento que estamos construindo para apresentar. O ministro já falou um pouco sobre ele. É um instrumento que reputamos como muito importante para viabilizar a atração de investimentos internacionais para os projetos da transformação ecológica. Todos sabem que o Brasil tem muitas vantagens comparativas, competitivas, em vários setores. Porém, nós temos de viabilizar, num mundo em que há cada vez mais competição por esses investimentos, os instrumentos que realmente garantam que esses projetos sejam realizados e que nós consigamos utilizar o vetor da transformação ecológica como um pilar fundamental do processo de desenvolvimento econômico e social no Brasil.

E como é que vai funcionar esse hedge?

Os detalhes operacionais o ministro ainda vai anunciar, mas a ideia fundamental é que se consiga minimizar, para os investidores, os riscos extremos de volatilidade cambial. Agora, como isso vai ser constituído ainda está em debate com as equipes técnicas, e o ministro vai anunciar no momento propício.

O Brasil está preparado para enfrentar os impactos da mudança climática? O senhor mesmo diz que o mundo chegará, ainda neste ano, ao aumento de 1,5 grau na temperatura média, o que estava previsto para 2030.

Existe uma possibilidade calculada, que não é pequena, de você alcançar esse valor, se não neste, nos próximos anos. E o Brasil colocou a agenda da transformação ecológica no centro da agenda do desenvolvimento preparada pelo governo, na estratégia de desenvolvimento, exatamente para o país se preparar do ponto de vista de oportunidades que se abrem para novos setores, novas tecnologias e mais emprego de melhor qualidade. Também visa preparar o Brasil para os impactos que, nós sabemos, já estamos vivendo: enchentes no Rio Grande do Sul e, agora, no Paraná; seca no Norte, no Nordeste. Temos de nos prepararmos para esses impactos, nos adaptarmos aos efeitos quase que inevitáveis decorrentes da mudança do clima. Temos, ainda, de ter os instrumentos necessários para identificarmos esses impactos e sabermos quais são os investimentos, seja em infraestrutura, seja na atração de novos setores para geração de emprego, que cada região tem potencial e necessidade de fazer.

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