Apesar de os ministérios da Fazenda e do Planejamento negarem oficialmente a intenção de mudar a nova meta fiscal antes mesmo de ela ser aprovada, fontes do governo reconhecem que os argumentos do Palácio do Planalto para essa mudança são muitos e “param em pé”.
Na última sexta-feira (26/10), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse aos jornalistas que “dificilmente” o governo conseguiria cumprir a meta fiscal de deficit primário zero no próximo ano, com previsões de superavit primário nos dois anos seguintes. Técnicos do governo, mesmo não concordando com a possibilidade de mudanças, admitem que essa possibilidade não é descartada totalmente.
Por enquanto, a mediana das estimativas do mercado para o rombo fiscal de 2024, está em torno de 0,80% do Produto Interno Bruto (PIB), como bem lembrou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista ao Correio na semana passada.
As discussões internas no governo indicam que será possível uma mudança da meta fiscal para 0,50% do PIB pois, como haverá uma margem de tolerância de 0,25 ponto percentual, o deficit primário poderia chegar a 0,75% do PIB, algo que está “em linha com as atuais previsões do mercado”, permitindo um rombo fiscal em torno de R$ 50 bilhões a R$ 75 bilhões.
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Apesar de não concordarem, integrantes da ala mais conservadora do ponto de vista fiscal, e que não estão no Palácio do Planalto, admitem que esse resultado, dentro da mediana do mercado, sinaliza um resultado melhor do que o esperado para 2023. “O argumento para em pé”, disse uma fonte da Esplanada. No ministério da Fazenda, a informação oficial é que Haddad “segue pretendendo perseguir a meta”.
Para este ano, as projeções de rombo fiscal nas contas da União giram em torno de 1,3% do PIB. Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Rio Asset, por exemplo, prevê resultados negativos de 1,1% do PIB, neste ano, e de 0,9%, em 2024. "Há muita arrecadação incerta, portanto, está difícil de estimar até mesmo pelos técnicos dos ministérios do Planejamento e da Fazenda", ressaltou.
Proposta anterior ainda não foi aprovada
A nova meta fiscal ainda não foi aprovada pelo Congresso e, portanto, ela pode ser modificada por meio de uma proposta de alteração, como mensagem do Executivo. Prevista no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, o novo objetivo fiscal prevê zerar o rombo das contas públicas no próximo ano, algo ainda pouco factível, porque existem R$ 168,5 bilhões de receitas incertas, que precisam de aprovação do Legislativo.
Aliados do presidente no Planalto é que estão propondo uma mensagem modificativa ao PLDO de 2024, sugerindo essa mudança, algo que poderá ser feito até a próxima semana. O texto do relator, o deputado Danilo Forte (União-CE), está previsto para ser analisado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso na próxima semana. Procurado, Forte não comentou o assunto.
Mas, nas redes sociais, deixou a porta aberta para mudanças. O deputado escreveu que a prioridade agora é dar início à discussão formal da LDO com a votação do relatório preliminar. "Não podemos correr o risco de iniciar 2024 sem orçamento. Seria o pior dos mundos. Sigo disposto a revisar a meta neste processo caso esse seja o consenso de nossas lideranças", completou Forte.
Lula convidou os líderes no Congresso para discutir as medidas econômicas nesta terça-feira (31/10), no Planalto. De acordo com assessores do presidente, o clima da reunião foi “muito bom”. O ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Institutucionais, Alexandre Padilha, afirmou que Lula não discutiu a mudança da meta fiscal com na reunião.
Para fechar as contas do Orçamento de 2024, o governo depende da aprovação de Medidas Provisórias e Projetos de Lei para incrementar a receita em, pelo menos, R$ 168,5 bilhões. Contudo, pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), em um cenário em que a maioria das propostas seriam aprovadas, a arrecadação adicional do governo no ano que vem seria de R$ 51,9 bilhões, ou seja, ainda será preciso um corte volumoso de gastos, e, provavelmente, o governo iniciará 2024 com um contingenciamento bilionário de, pelo menos, R$ 50 bilhões, pelas contas mais conservadoras.
Outros R$ 107,9 bilhões em receitas ainda não estão 100% garantidas no Orçamento de 2024, como os R$ 57,9 bilhões por ano previstos por Haddad com retirada do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo dos créditos de PIS-Cofins.
Bolsa opera no azul
Apesar dessa perspectiva de mudanças na meta e aumento da incerteza de que o governo Lula estará realmente comprometido com o equilíbrio fiscal, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3)opera no azul hoje.
“Acredito que o impacto negativo dessa questão fiscal já foi na sexta-feira e ontem”, destacou Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. “Algumas empresas estão reportando resultados positivos, como a Ambev, e o mercado está gostando. Além disso, tem uma leitura que a China poderia colocar mais estímulos econômicos depois da queda nos dados da produção industrial”, explicou.
Na avaliação de Tony Volpon, economista e ex-diretor do Banco Central, após a fala de Lula sobre meta fiscal, houve um “usual exagero” da Faria Lima, avenida tradicional do segmento financeiro em São Paulo. “Ninguém no mercado achava que eles iam cumprir a meta”, afirmou.
"Se a meta para o ano que vem não for zero, toda essa instituição do arcabouço fiscal e toda essa possibilidade de ajuste fiscal, serão afrouxados também. Então, por conta disso, existe uma ideia de que se essas declarações do presidente, de certa forma, forem refletidas numa mudança na meta fiscal para o ano que vem, isso possa gerar um deficit primário pior do que está sendo projetado atualmente. Eu acho que é mais nesse sentido, mas a gente, por ora, ainda não fez as atualizações de cenário", alertou Vilma Pinto, diretora da IFI. "Acho importante a manutenção da meta fiscal. Vale lembrar que com o novo arcabouço ela não é impositiva", ressaltou a economista.
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