ORÇAMENTO

Descaso com fiscal mina esforços de Haddad no Congresso

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva contrariou ministro da Fazenda e disse que deficit fiscal 'dificilmente será zero'. Chefe da pasta tenta negociar com o Congresso após repercussão negativa

A equipe econômica avalia os estragos da fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o não cumprimento da meta fiscal no próximo ano. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que vem tentando negociar no Congresso maior celeridade na aprovação de medidas consideradas cruciais para equilibrar o Orçamento, foi pego de surpresa com o recente posicionamento do chefe do Executivo.

Em café com jornalistas no Palácio do Planalto, na última sexta-feira, o petista declarou que a meta fiscal não precisa ser de deficit zero e que esse resultado dificilmente será atingido, uma vez que ele não quer realizar cortes em investimentos e obras em 2024. A posição de Lula contraria o que prega o chefe da Fazenda.

Na avaliação de analistas, esse descompasso pode enfraquecer a credibilidade do ministro nas negociações com o Legislativo. "Caso não seja contornada por Haddad, a fala de Lula deve ter como efeito a retirada de incentivo para que os parlamentares aprovem uma agenda que já sofre resistências, como pontuou o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o deputado Danilo Forte (União-CE)", destacou a análise da XP Investimentos.

Danilo Forte tem segurado a apresentação de seu parecer à espera da aprovação de todos os projetos do governo que permitirão o aumento da arrecadação de impostos no ano que vem. Após as declarações do presidente, ele afirmou que o próprio atraso na votação da lei orçamentária para o próximo ano ocorreu para "dar a oportunidade para o governo realizar o convencimento acerca das propostas da equipe econômica".

Em uma leitura contrária a de governistas, a presidente nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), disse que Lula "protegeu" Haddad, ao reconhecer que a meta da equipe econômica não será atingida. "Quanto mais realistas as metas, menos complicadas ficam as negociações políticas. Sem drama, menos, a vida continua com a perspectiva de todos poderem melhorar", declarou via redes sociais.

Foco nas taxações

Fernando Haddad espera um incremento na receita para o próximo ano com a taxação de fundos exclusivos dos super-ricos e de recursos em paraísos fiscais (offshores), que foi aprovada na Câmara dos Deputados na última semana e seguiu para análise do Senado.

As projeções iniciais da Fazenda eram de que a proposta rendesse uma arrecadação de R$ 20 bilhões em 2024. Após a aprovação do texto-base, o ministro disse que o projeto tem potencial para arrecadar mais que o esperado.

Segundo Haddad, como a alíquota ficou abaixo do previsto originalmente, a adesão pode ser maior. O chefe da pasta ainda conta com o aval do Congresso para a tributação de benefícios fiscais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que poderia render sozinha até R$ 35,3 bilhões em 2024. No entanto, o texto não foi votado em nenhuma das Casas.

Gatilhos

O resultado primário é o balanço de receitas e despesas do governo, sem considerar o pagamento de juros. Para 2024, enquanto a equipe econômica quer zerar esse saldo negativo, o mercado financeiro está projetando déficit próximo a 0,8% do PIB. Existe o temor de que as declarações do chefe do Executivo abram caminho para uma alteração na meta do ano que vem, o que impediria que o arcabouço fiscal acionasse gatilhos de contenção de despesas.

Para o economista-chefe da Warren, Felipe Salto, as falas de Lula não são uma novidade, reforçando o discurso de preservação de investimentos públicos, em linha com as diretrizes do atual governo. Apesar disso, ele ainda acredita que a declaração "não deve alterar o cenário de cumprimento da regra fiscal, apesar das naturais turbulências que produzirá no mercado".

Salto lembrou que a despesa discricionária prevista para 2024 no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) está em R$ 211,9 bilhões, muito acima do nível mínimo necessário para o funcionamento da máquina pública, de acordo com as contas da Warren Rena. "Há uma gordura para ser cortada, de R$ 45 bilhões, aproximadamente, que não representa absolutamente nada em termos de mudança de padrão no nível histórico recente das despesas discricionárias, onde se incluem os investimentos federais", avaliou o economista.

Lula demonstrou preocupação com o risco de que o esforço fiscal exija do governo um contingenciamento significativo de recursos no ano que vem, com impacto sobre os investimentos do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), uma das principais vitrines de seu terceiro mandato.

 


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