Ilhéus (BA) — O Brasil já foi um dos três maiores produtores mundiais de cacau, chegando a atingir o pico de anual de cerca de 400 mil toneladas nos anos 1980. Contudo, em razão da vassoura-de-bruxa, praga que destruiu fazendas inteiras, a produção despencou em 10 anos para cerca de 100 mil toneladas no início dos anos 2000. Aos poucos, o desenvolvimento de variedades mais resistentes permitiu recuperar a produtividade nas lavouras.
Com cerca de 90 mil produtores, o país tem quatro estados como os principais produtores cacaueiros: Bahia, Pará, Espírito Santo e Rondônia. Atualmente, o Pará é o estado com maior volume de produção, e de maior produtividade.
Conforme a Organização Internacional do Cacau (ICCO, na sigla em inglês), o Brasil ocupa o sexto lugar no ranking mundial — liderado pela Costa do Marfim. O país africano tem uma produção anual de 2,2 milhões de toneladas, praticamente 10 vezes a do Brasil, de 220 mil toneladas, na safra 2021-2022.
Conforme os dados da ICCO, essa produção ficou 10% maior do que os 200 mil contabilizados na safra anterior. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam um volume maior da produção brasileira, de 290,1 mil toneladas. Mas, de acordo com Igor Mota, gerente de agricultura da Nestlé, os números estão inflados. "Existe um esforço da cadeia para consolidar a base de dados", observa.
Outro esforço dos produtores é melhorar o posicionamento do cacau brasileiro no mercado internacional. Isto porque o produto é de ótima qualidade e tem produção cada vez mais sustentável, de acordo com Paulo Marrocos, coordenador regional de pesquisas e inovação da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), "precisamos trabalhar melhor o cacau e executar ações de marketing como a Colômbia fez com o café, criando a marca Juan Valdez", destaca.
O engenheiro florestal Dan Érico Lobão, pesquisador do Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec) da Ceplac, destaca que uma das formas de garantir a sustentabilidade na produção agroflorestal do cacau é aproveitar as áreas de pastos e transformá-las em cabruca novamente. Nesse sistema, o cacaueiro é plantado entre as árvores Mata Atlântica da região. Esse modelo de produção é considerado, também, um sistema agroflorestal (SAF), porque se insere no modelo sustentável de produção agrícola. "A agricultura sustentável é o que fazíamos há mais de 200 anos. E, por isso, o sistema cabruca é o mais moderno do mundo", afirma Lobão. "Sistema florestal é manejo e é possível preservar em áreas de cabruca", frisa.
Na avaliação de Marrocos, o avanço das pesquisas para produção de cacau mostra que, dependendo do manejo, é possível produzir a fruta até no cerrado e com boa produtividade. Contudo, ele reconhece que o instituto enfrenta perda de pessoal. Há 37 anos não são realizados concursos. O quadro, antes de 100 pesquisadores, conta com 20 atualmente. A maioria se aposentou. Procurado, o Mapa não informou quando pretende realizar um novo concurso para a Ceplac.
Produtividade
Um dos maiores desafios dos produtores de cacau brasileiros é aumentar a produtividade das lavouras, aperfeiçoar o manejo dos sistemas agroflorestais e o controle de pragas. Além da vassoura-de-bruxa que afeta 20% da produção global de cacau, outras pragas comuns nessa lavoura são a podridão parda (35%) e o vírus do broto inchado (16%).
A produtora Claudia Sá, dona das fazendas Cantagalo, no sul da Bahia, conta que viu o pai, Ângelo, se dedicar à produção de cacau desde 1962 e conseguir sobreviver à vassoura-de-bruxa, separando as plantas mais resistentes das contaminadas em uma parte da fazenda chamada de "área do doutor", para o transplante das árvores sadias. Hoje, ela administra 13 fazendas junto com o filho Jaime Fernandes Filho, é a maior produtora de cacau do Brasil, com clientes no Brasil e no exterior.
A maior produção de cacau do conglomerado ocorreu na safra 1994/1995, colhendo 1.930 toneladas, o equivalente a 128.681 arrobas. Ao longo de toda a década de 1980 até meados da década de 1990, Claudia Sá conseguiu fazer com que três de suas fazendas superassem, de modo quase constante, a média de produtividade de 100 arrobas por hectare. Entre elas, a Cantagalo, e, a meta atualmente é atingir a produtividade de 80 arrobas por hectare, o que deverá levar a produção para aproximadamente 2.145 toneladas (143.000 arrobas).
A fazendeira conta que, neste ano, por conta da vassoura-de-bruxa, a produção deverá ser menor, em torno de 900 toneladas. "Na verdade, essa doença nunca foi embora. E, como choveu muito nos últimos dois anos, houve redução da produção", explica. De acordo com ela, a maior parte das fazendas, em torno de 60%, utiliza sistema cabruca.
Segundo especialistas, esse processo tem apresentado efeitos menos danosos do que a derrubada total das árvores, prática também utilizada na região para plantio do cacau. Contudo, a produtividade é menor do que no sistema com pouca sombra, que é mais utilizado no Pará, onde a produção é crescente, e em outros países, como Camarões e Costa do Marfim. De acordo com Claudia Sá, cerca de 60% da lavoura são cultivadas pelo sistema cabruca.
Na avaliação da fazendeira, o maior desafio nessa área é a mão de obra, que chega a ser 60% dos custos, porque a colheita não pode ser mecanizada. Nos últimos anos, a forma de relacionamento com a indústria mudou e passou a ser por meio dos intermediários. "A relação do produtor com a indústria era mais próxima, mas ela vem melhorando o relacionamento", destaca Claudia Sá.
A cidade baiana de Ilhéus, escolhida pela Nestlé para sediar o Programa Cacauicultores do Futuro em agosto, ganhou notoriedade no século passado como a principal região produtora de cacau do país. O município, a pouco mais de 300 km de Salvador, possui o litoral mais extenso do Estado, com quase 100 quilômetros.
Fundada em 1536 como Vila de São Jorge dos Ilhas, a cidade foi cenário do romance Gabriela, de Jorge Amado. Preserva casarões e sobrados do ciclo do cacau, nas primeiras décadas do século passado. O famoso bordel Bataclan, hoje, é uma espécie de museu e bar-restaurante onde é possível comprar lembrança como o "certificado de quenga".
* A repórter viajou a convite da Nestlé
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