Com mais de 2 mil funcionários no Brasil, a Ford aposta na ecoinovação como premissa no futuro da empresa. Ao Correio, o CEO, Daniel Justo, que ocupa o cargo de presidente da companhia para a América do Sul desde 2021, ressaltou que o país pode se tornar um líder mundial verde, desde que adote as estratégias certas para a tributação e sustentabilidade. Ele relatou que a Ford planeja U$ 50 bilhões no tema de eletrificação — que usa energia proveniente de fontes renováveis — para permitir o funcionamento de serviços e atividades.
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Prestes a lançar no Brasil o Mustang Mach-E, totalmente elétrico, o empresário chama atenção para a ausência de uma política pública que incentive a difusão deste tipo de automóveis entre os consumidores brasileiros. "Existem discussões sobre a taxação de veículos elétricos. Eu acho que ainda é cedo. Acredito que o momento é de o consumidor ter a oportunidade de experimentar a tecnologia para que a gente possa acelerar a curva de adoção. Senão, nós vamos fechar o Brasil para uma tecnologia que está crescendo em mercados maduros", diz.
O senhor fala com entusiasmo da ecoinovação e do desenvolvimento em tecnologias limpas para automotivos. Qual o investimento que a Ford faz no setor, por exemplo, de carros elétricos?
A Ford tem um comprometimento de investir U$ 50 bilhões no tema de eletrificação. Uma grande parte desses recursos está dedicada a desenvolver novos produtos, novas tecnologias de bateria, tudo visando uma eficiência maior em termos de menor custo, maior eficiência energética dos produtos, contribuindo, assim, para um produto que seja mais acessível e possa substituir os veículos à combustão. Além da parte do produto em si, um foco muito grande é construir centros de produção que são extremamente eficientes. Por fim, vem a reciclagem das baterias no final de vida, trazendo esses minerais diretamente de volta para o processo produtivo. Esse conjunto de investimento em tecnologia de produto, investimento em tecnologias de produção visam trazer para o cliente um produto mais eficaz e mais acessível.
Esse plano inclui a Ford do Brasil?
O Brasil tem uma parte integral nisso. Temos um dos centros de desenvolvimento globais de tecnologia da Ford. Fica no Nordeste, em Camaçari, na Bahia. Então, 85% do trabalho dos engenheiros que atuam lá, está voltado para essas novas tecnologias, ou seja, a engenharia brasileira está totalmente presente nesses novos produtos eletrificados e elétricos.
O país dispõe de pessoal qualificado para essas novas tecnologias?
Estamos pensando muito em como a gente fomenta essa educação para a tecnologia. Com isso, a gente começou esse ano um programa que se chama Ford Enter, junto ao Senai, para o qual a gente está trazendo pessoas de baixa renda e oferecendo treinamento em tecnologia. Esses profissionais, depois, são naturalmente absorvidos, em grande parte, ou pela nossa própria central de desenvolvimento ou por outras indústrias.
Quando o senhor fala que o Brasil está muito presente na tecnologia, isso inclui o mercado global da Ford?
Os produtos que oferecemos no Brasil, hoje, são os produtos de ponta que a gente tem globalmente. O consumidor brasileiro com a Ford hoje está tendo a possibilidade de experimentar o que há de mais tecnológico. Não existe atualmente uma diferenciação do produto que eu vendo no Brasil do produto que eu vendo em economias como Estados Unidos e Europa.
Como é esse produto?
Dentro desse produto, hoje, existe um tamanho imenso de software integrado. Então, você tem muitos engenheiros da nossa equipe no Brasil que estão trabalhando nesse software que alimenta toda a inteligência que está por trás do veículo. Temos engenheiros que estão trabalhando na questão da eletrificação e temos engenheiros que estão aqui trabalhando em materiais como o grafeno. Hoje, o Brasil tem um centro de desenvolvimento em grafeno e já temos esse material integrando veículos como uma F-150, que é um produto global da Ford. Vemos o Brasil como parte integral do nosso programa de desenvolvimento veicular multinacional.
Em sua palestra no Congresso Internacional de Inovação, foi citado que o Brasil perdeu muita oportunidade de se tornar líder verde. O que falta ao país?
Isso é real. O que falta no Brasil para ter, inclusive, uma política profissional? Uma política clara em relação à pesquisa e desenvolvimento e extração de minerais? Vi que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) está pensando nisso. Mas tem que ir além, porque senão nós teremos extração de mineral e esses minerais vão ser enviados para outros locais. Falando especificamente de baterias veiculares, você precisa de escala. E num momento inicial, o Brasil não tem o nível de adoção que justifica essa escala.
Por onde começar?
Com políticas bem integradas de extração mineral, enriquecimento e políticas que beneficiem a exportação, o Brasil poderia, sim, ter centros de extração, enriquecimento e desenvolvimento de salas de bateria que alimentadas, lógico, pela energia limpa do Brasil, tem o potencial de ser extremamente competitivas do ponto de vista ambiental.
No Brasil, a adoção dos carros elétricos ainda é muito tímida e existe ainda uma resistência e até desconfiança do consumidor. Como mudar essa cultura?
O processo de transição para a adoção do veículo elétrico está muito ligado em como os governos estão atuando diretamente em incentivar essa adoção. Existem mercados como a China, em que a adoção já é maior do que 20%, são altamente incentivados. Há mercados na Europa, como a Noruega, onde já chegaram a 80%. E nos mercados na América do Sul, a adoção é muito pequena, por uma falta de incentivo. Então, a gente hoje esbarra em duas barreiras. Uma, o incentivo à adoção do veículo elétrico. E outra, lógico, a própria curva de adoção do consumidor. Ele precisa conhecer esse produto.
Precisa confiar, não é?
Confiar. E precisa, exatamente, experimentar. Porque você começa a confiar num produto quando você tem a experiência e você sabe que o produto é bom. Um carro elétrico, para um cliente, vai atender às necessidades diárias 95 % das vezes. A viagem média do cliente não passa de 80 km por dia. Então, o carro elétrico é extremamente eficiente nesse ambiente urbano. E ele, junto com uma crescente infraestrutura de abastecimento que já está acontecendo no Brasil, dá um suporte fenomenalmente bom na cidade e também para viagens mais longas. Então, eu acho que a gente vai passar, no Brasil, por essa curva de conhecimento, de adoção.
Que tipo de incentivos a indústria espera do governo?
Existem discussões sobre a taxação de veículos elétricos. Eu acho que ainda é cedo. Acredito que o momento é de o consumidor ter a oportunidade de experimentar tecnologia para que a gente possa acelerar a curva de adoção. Senão, nós vamos fechar o Brasil para uma tecnologia que está crescendo em mercados maduros. Estados Unidos, Europa, China e, aí, por diante.
Ou seja, a sugestão é que seja dada uma excepcionalidade tributária ao carro elétrico?
Os veículos elétricos ainda têm um custo mais alto que o veículo a combustão. Nós realmente acreditamos que, com o aumento de adoção, você ganha escala e você consegue reduzir esses custos. Mas a criação de barreiras à adoção vai contra isso. Então, eu realmente acho que existe uma oportunidade de o Brasil pensar o papel do veículo elétrico nessa transição energética.
Que tipo de incentivos é esperado do governo para aumentar essa curva?
Eu não vou defender que o governo use recurso público para esse tema especificamente. O que a gente não quer é um bloqueio ou tarifas de importação que tornam esse produto inacessível para o consumidor. Então, eu acho que tem que ser muito bem trabalhada a penetração do veículo elétrico, que é muito baixa hoje no Brasil, não é relevante em que momento ele começa a impactar a indústria nacional. Mas é uma linha tênue entre você incentivar a adoção, o conhecimento da tecnologia e você simplesmente barrar essa tecnologia.
O senhor citou Camaçari e não tem como não vir à memória o fechamento da fábrica da Ford no Brasil. Foi um grande sofrimento, não só para os metalúrgicos, mas para a economia da região. De que maneira hoje a Ford pode compensar isso?
Uma saída seria investir nos centros de desenvolvimentoRedesenhamos a nossa estratégia de portfólio. E, naturalmente, nesse redesenho, a nossa produção ficou focada em locais fora do Brasil. Mas, em paralelo, nós viemos crescendo esse centro de desenvolvimento em tecnologia aqui no Brasil, que é um grupo de serviço agregado muito grande. Inclusive, estamos exportando esses serviços. Ou seja, a Ford hoje é um exportador de tecnologia a partir do Brasil. Além disso, a gente manteve toda uma estrutura de peças e acessórios e uma rede ampla de distribuição no Brasil inteiro.
Atualmente, quantos funcionários a Ford emprega no Brasil?
Na América do Sul, a empresa tem mais de 6 mil funcionários e mais de 2 mil colaboradores no Brasil. Direta ou indiretamente, olhando nossa rede de concessionárias, a gente tem uma geração grande de emprego.