Prêmio Nobel

Claudia Goldin recebe Nobel por estudos sobre desigualdade de gênero no trabalho

Professora da Universidade Harvard, de 77 anos, analisou mais de 200 anos de dados e se tornou referência no assunto. Premiação é exaltada por economistas mulheres, mas não entre homens

Economista foi a terceira mulher a receber a premiação, mas a primeira a ser laureada sozinha -  (crédito:  Carlin Stiehl/Getty Images via AFP)
Economista foi a terceira mulher a receber a premiação, mas a primeira a ser laureada sozinha - (crédito: Carlin Stiehl/Getty Images via AFP)
postado em 10/10/2023 04:30

A economista norte-americana Claudia Goldin, 77 anos, professora da Universidade Harvard, foi nomeada pelo Banco Central da Suécia para o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas de 2023. Goldin é a terceira mulher a receber a premiação, que existe desde 1968, mas é a primeira a ser laureada sozinha. Ela recebeu a indicação pela pesquisa “que nos permitiu avançar sobre os papéis históricos e contemporâneos das mulheres no mercado de trabalho”, segundo a Academia Sueca, responsável pelo Nobel.

“Ao longo do último século, a proporção de mulheres com trabalho remunerado triplicou em muitos países de rendimento elevado. Esta é uma das maiores mudanças sociais e económicas no mercado de trabalho dos tempos modernos, mas permanecem diferenças significativas entre homens e mulheres. Foi pela primeira vez na década de 1980 que um pesquisador adotou uma abordagem abrangente para explicar a origem dessas diferenças", destacou o comunicado da Academia, sediada em Estocolmo.

"É um prêmio muito importante, não só para mim, mas para muitas pessoas que trabalham com este tema e que tentam compreender por que essas desigualdades tão grandes permanecem", apesar das "grandes evoluções", declarou Goldin, em uma entrevista por telefone com a AFP. A nova vencedora explicou, em coletiva de imprensa organizada pela Universidade de Harvard, que trabalhou arduamente para mudar a representação das mulheres na economia. Ela disse estar "pessoalmente preocupada" com a reversão do direito ao aborto nos Estados Unidos, mas afirmou à AFP que evita misturar política com o trabalho.

Até então, apenas duas mulheres haviam conquistado o Nobel de Economia: a americana Elinor Ostrom (2009) e a franco-americana Esther Duflo (2019). Após a divulgação do resultado, nesta segunda-feira (9/10), mulheres economistas comemoram a indicação, que não foi muito bem recebida entre os homens.

“A Claudia Goldin é pioneira no estudo do papel das mulheres no mercado de trabalho. Ela é referência para qualquer análise sobre o hiato salarial entre homens e mulheres nas mais variadas profissões. Em termos de políticas públicas, ela defende o papel do governo como provedor de child care (creches) — falta que atinge, sobretudo, mulheres negras e latinas aqui nos Estados Unidos”, destacou a economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics (PIIE), renomado think tank de Washington. Ela lembrou que Goldin "é autora ou coautora de todos os estudos de referência e tem uma importância enorme que os homens não reconhecem”.

Silêncio sepulcral

Segundo Monica de Bolle, no PIIE, houve um silêncio sepulcral entre os demais economistas do sexo oposto, que ficaram extasiados, no ano passado, quando o economista Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), e outros e outros dois norte-americanos, Douglas Diamond e Philip Dybvig, ganharam o Nobel de Economia por suas pesquisas sobre bancos e crises financeiras.

Para a economista brasileira, esse prêmio solo de Goldin é “extremamente importante”, porque essa profissão é muito “ingrata com as mulheres”. “É um campo minado onde predominam homens e brancos e isso fica evidente até mesmo no PIIE, onde praticamente não houve manifestações como no ano passado”, destacou. “Essa é a primeira vez que uma mulher ganha um Nobel sozinha. As outras duas ganharam com outros homens. A economia é um campo minado onde predominam os homens e os homens brancos”, frisou.

Referência no assunto

A economista Janaína Feijó, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destacou a importância da premiação de Claudia Goldin. “Ela é uma referência nos estudos sobre desigualdade de gênero no mercado de trabalho ao longo dos séculos e foi por meio dos estudos dela que houve uma maior disseminação do assunto, que é mais latente atualmente”, afirmou a estudiosa sobre o assunto que a economista norte-americana se especializou.

“A verdade é que quem não pesquisa nessa área de desigualdade de gênero não conhece o trabalho da Goldin, porque existem poucas mulheres que seguem a carreira acadêmica. Ela tem um trabalho muito relevante e essa premiação é um marco não só para os Estados Unidos, porque ela atualizou bases de estudos que eram subestimadas e fez uma correção nas metodologias antes utilizadas”, destacou Feijó.

“Hoje todas as mulheres economistas estão felizes com essa premiação, pois uma das contribuições de Goldin é a análise que ela fez sobre o efeito da pílula anticoncepcional para as mulheres, que permitiu a postergação da maternidade e gerou um quadro menos desigual no mercado de trabalho entre homens e mulheres”, ressaltou.

Pílula anticoncepcional

“Embora a pílula tenha sido muito importante, Claudia Goldin continuou procurando as razões da persistência das desigualdades no mercado de trabalho entre homens e mulheres e mostrou que, mesmo com experiência e nível de conhecimento idênticos, as diferenças salariais aumentam entre homens e mulheres após a maternidade. A disparidade cresceu muito, porque a mulher acaba tendo que equilibrar o trabalho com a família, enquanto para os homens, isso não muda após a paternidade”, explicou.

Monica de Bolle lembrou ainda que, entre os cotados para o Nobel estavam os economistas Daron Acemoglu, e Olivier Blanchard, ambos professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Acemoglu, de natureza turco-americana, foi coautor do best seller Por que as nações fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza, de 2012. O francês Blanchard, foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2008 a 2015 e é um dos economistas que estão desenhando a reforma fiscal da União Europeia.

Escolha surpreendeu

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), reconheceu que foi uma surpresa a escolha de Claudia Goldin para o Prêmio Nobel de Economia. "Imagino que a escolha representa duas coisas. Em primeiro lugar, há uma preocupação da Academia com questões que sejam mais palatáveis para as pessoas comuns. Então, ela está tratando do problema que é o da discriminação de gênero, que é bastante debatido nas sociedades ocidentais e também aqui no Brasil. E, depois, eu também acho que há uma crise na ciência econômica, que se originou em 2008, com a crise financeira internacional e com a incapacidade da teoria convencional, do mainstream, de explicar o fenômeno. E, aí, eles estão privilegiando mais esses trabalhos que são mais aplicados e que você não tem tanta divergência do ponto de vista teórico, porque, basicamente, são trabalhos aplicados e empíricos”, afirmou o economista.

Desigualdade

Em escala mundial, cerca de 50% das mulheres participam do mercado de trabalho, contra 80%, no caso dos homens. Elas ganham menos "e têm menos opções de chegar ao topo da carreira", de acordo com Randi Hjalmarsson, membro do comitê do Nobel. “Claudia Goldin foi buscar nos arquivos e coletou mais de 200 anos de dados relativos aos Estados Unidos, o que lhe permitiu mostrar como e por que as diferenças de renda e na taxa de emprego entre homens e mulheres evoluíram com o tempo", afirmou Hjalmarsson.

O Prêmio Nobel de Economia — como é conhecido o Prêmio de Ciências Econômicas do Banco da Suécia, em Memória de Alfred Nobel, atribuído pela primeira vez em 1969 — é o único dos prêmios que não foi previsto no testamento do filantropo. Ele foi somado, bem depois, aos cinco prêmios tradicionais — Medicina, Física, Química, Literatura e Paz.

Para os vencedores deste ano, o cheque será de 11 milhões de coroas suecas, o equivalente a quase 1 milhão de dólares (R$ 5,13 milhões conforme o fechamento desta segunda-feira).

 

 

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