A América Latina e o Caribe tiveram avanços na atividade econômica pós-pandemia, mas continuam crescendo pouco e abaixo da média global, de acordo com as estimativas revisadas do Banco Mundial (Bird). A expectativa do organismo multilateral é que o Produto Interno Bruto (PIB) regional crescerá 2% em 2023, ligeiramente acima de projeções anteriores que indicavam crescimento de 1,4%, "mas abaixo do PIB de todas as outras regiões do mundo".
Os países latino-americanos precisam buscar maneiras de impulsionar a inclusão social e o crescimento econômico como aumentando a conectividade da população, segundo William Maloney, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e Caribe. “As soluções digitais podem ser parte da resposta, pois ajudam a complementar reformas estruturais para aumentar a produtividade, melhorar a prestação de serviços à população e apoiar a eficiência do governo. Vemos grandes oportunidades para a região aqui", afirmou o executivo, nesta quarta-feira (4/10), em entrevista aos jornalistas.
Em relação ao Brasil, Maloney disse que o Banco Mundial prevê crescimento de 2,6%, neste ano, e desaceleração para 1,3% em 2024. “Algo que tem chamado nossa atenção foram as altas de consumo no Brasil e vejo que o país está abordando isso de forma construtiva por ter aumentado os juros antes dos demais países e, agora, com a inflação recuando, o Brasil está começando a reduzir as taxas”, afirmou.
Pelas novas estimativas do Banco Mundial, são esperadas taxas de crescimento 2,3% e 2,6% para o PIB regional de 2024 e de 2025, respectivamente, semelhantes às da década de 2010, “não são suficientes para promover os avanços necessários para a inclusão e a redução da pobreza”.
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Novo relatório sobre conectividade
Além de comentar sobre essas novas estimativas, Maloney apresentou aos jornalistas o relatório “Conectados: tecnologias digitais para a inclusão e o crescimento”, elaborado pelo organismo multilateral. De acordo com o levantamento, na maioria dos países da região, as expectativas de inflação continuam ancoradas e espera-se que as metas dos bancos centrais sejam alcançadas em 2024. De acordo com o analista, as reformas macroeconômicas realizadas nas últimas três décadas foram bem fundamentadas, "levando a um aumento da resiliência a choques, como as múltiplas crises de inflação pós-pandemia, a incerteza da guerra na Ucrânia, a redução dos preços das commodities e a dívida crescente".
Na maioria dos países da região, as expectativas de inflação continuam ancoradas e espera-se que as metas dos bancos centrais sejam alcançadas em 2024, de acordo com Maloney. Ele lembrou que o sucesso da luta contra a inflação reflete, em parte, fatores externos: os preços dos combustíveis e dos alimentos recuaram de patamares elevados logo após a invasão russa da Ucrânia; a inflação estrutural (que subtrai estes custos), no entanto, ainda persiste, mas de modo geral, os níveis de pobreza e emprego voltaram aos níveis pré-pandêmicos e, exceto na Argentina e na Venezuela, a inflação caiu para uma inferior ao dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecido como o clube dos países ricos.
A inflação regional, excluindo a Argentina e a Venezuela, é de 4,4%, em comparação aos 6,4% dos países membros da OCDE e aos 8,6% do Leste da Europa.
Conforme os dados do relatório, os países da América Latina e Caribe ainda ficam atrás das médias da OCDE em competências digitais, com 5,5% contra 7,1% da população com altas competências digitais. No Brasil, esse percentual é menor, de 3%. “O desenvolvimento de competências digitais requer uma estratégia de longo prazo com compromissos políticos e financeiros sustentados, além de coordenação entre os diversos ministérios nacionais e governos subnacionais, em parceria com prestadores de serviços privados, setor privado, líderes comunitários e ONGs locais. As competências digitais precisam ser incorporadas nos currículos de todos os níveis dos sistemas formais de ensino”, alertou o Banco Mundial no relatório de 96 páginas.
O economista do Banco Mundial destacou ainda que, embora o contexto global tenha melhorado em relação a seis meses atrás, ele continua adverso, marcado por altas taxas de juros nos países desenvolvidos, baixo crescimento nas economias avançadas e incertezas quanto às perspectivas sobre o crescimento econômico da China. A questão fiscal continuará sendo um desafio, porque muitos países aumentaram os gastos durante a pandemia e não voltaram aos patamares anteriores à covid-19. De acordo com os dados do relatório, embora a relação dívida/PIB dos países da região esteja estimada em 64%, abaixo dos 67% do ano anterior, ela ainda está acima dos 57% registrados em 2019 e as altas taxas de juros aumentaram o ônus do serviço da dívida.
Os avanços na infraestrutura e em tecnologias poderão ajudar a acelerar o ritmo de crescimento dos países na região, que ainda têm muitas diferenças entre as conectividades dos países, com as lacunas nas zonas rurais, por exemplo, são de 37%, em média, segundo o estudo. “Apesar de todos os benefícios que a conectividade pode trazer para a região, resolver as disparidades atuais no acesso e nas competências digitais das mulheres, dos afrodescendentes e das comunidades indígenas é fundamental para garantir que a conectividade não agrave desigualdades espaciais, educacionais, de gênero ou raciais”, destacou o documento. “A exclusão digital reforça formas pregressas de exclusão, ao passo que o acesso às tecnologias está se tornando um aspecto fundamental do capital social de sociedades latino-americanas cada vez mais globalizadas. As comunidades sem conectividade e sem investimentos em fatores complementares (como as competências digitais) ficarão ainda mais defasadas em relação às comunidades que estão em melhor situação porque já o fazem”, acrescentou o texto.
Recomendações do relatório
No relatório do Banco Mundial divulgado hoje, há uma série de recomendações para ajudar os países da América Latina e o Caribe a tirarem vantagem da economia digital, e, ao mesmo tempo, incluir os mais pobres e promover uma melhor governança, o relatório descreve as atuais lacunas e oportunidades relacionadas à digitalização. Veja os principais destaques
· Infraestrutura: o amplo acesso à Internet móvel existe, mas apresenta uma lacuna de cobertura (áreas sem rede de banda larga) de 7% da população (45 milhões de pessoas). A internet fixa está presente em 74% dos domicílios urbanos, mas em apenas 42% dos domicílios rurais. A qualidade também é um problema: 55% dos domicílios com alguma conectividade à internet ressaltam a baixa qualidade dos serviços. Abordar essas disparidades requer uma combinação de inovações tecnológicas e institucionais que facilitem o acesso à internet.
· Lacunas de uso: 38% da população (240 milhões de pessoas) vive em áreas com cobertura de internet, mas opta por não se conectar. Entre os motivos estão o alto custo dos serviços, o desconhecimento sobre as vantagens da conectividade e a falta de informações sobre as plataformas digitais. Para resolver essas lacunas, é fundamental abordar questões de acessibilidade e expandir as competências digitais.
· Para além do acesso: Investir em áreas complementares é essencial para garantir a inclusividade. O acesso à banda larga por si só não é uma bala de prata. As pessoas precisam de ferramentas e capacidades para aproveitar as oportunidades da economia digital. Entre as principais áreas para ação estão o fortalecimento das competências digitais e tradicionais do capital humano e das competências gerenciais; assegurar a disponibilidade de financiamento; facilitar protocolos governamentais eficientes e ter uma estrutura regulatória de apoio.
· Governança: as ferramentas digitais podem tornar os governos mais responsivos ao facilitar as transações com os cidadãos, melhorar a eficiência e a qualidade da prestação de serviços e promover a inclusividade. Reduzir os custos de transação beneficia especialmente os segmentos da sociedade em lugares mais remotos e desfavorecidos. A utilização de redes e ferramentas digitais pode ajudar a reduzir a grande parcela do PIB – até 4% – perdida pela ineficiência nos gastos públicos e pelo desperdício de recursos.
Hiperinflação na Argentina
Ao ser questionado sobre os riscos de hiperinflação na Argentina, Maloney reconheceu que é difícil fazer projeções de longo prazo em meio às eleições do país vizinho, mas afirmou que ainda é “muito cedo para falar em hiperinfllação”. “A hiperinflação ocorre quando a carestia fica acima de 50% ao mês. E temos que destacar que isso ainda não é o caso da Argentina. E, além disso, precisamos destacar que é importante para o governo ter as contas com disciplina fiscal para poder controlar a inflação”, afirmou.
Na avaliação de Maloney, a possibilidade de dolarizar a economia argentina novamente pode ser útil, mas há riscos. “Isso limita a possibilidade de imprimir dinheiro pelo banco central do país. E, se não houver reforma tributária e equilíbrio fiscal, não será possível para o país e investidores recuperarem a confiança no governo para poder controlar a inflação”, acrescentou.
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