Em uma tentativa de reverter o clima de beligerância criado pelas divergências entre o governo e o Banco Central (BC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu nesta quarta-feira (27/9), no Palácio do Planalto, o chefe da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Foi a primeira reunião entre os dois desde que Lula tomou posse, há nove meses. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também esteve no encontro fechado, que durou 1h20m.
Após a audiência, Haddad foi o único a falar com jornalistas. Ele definiu a reunião como "muito produtiva e cordial", sinalizando que haverá outras conversas. "Foi um encontro institucional, de construção de relação e pactuação em torno de conversas periódicas", destacou. "Não falamos de tópicos específicos. O presidente deixou claro o respeito que tem pela instituição (Banco Central), e a reciprocidade foi muito boa da parte do Roberto", acrescentou o ministro. Haddad afirmou ainda que "não havia necessidade" de que ele realizasse uma mediação para que o encontro ocorresse.
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Campos Neto chegou a se encontrar com Lula durante a transição de governo, em dezembro, mas, desde que tomou posse, o petista vinha fazendo duras críticas à condução da política monetária e ao patamar da taxa básica de juros (Selic). Governo e aliados chegaram a questionar a própria autonomia do BC, definida em lei aprovada pelo Congresso Nacional, e a condução do executivo à frente da instituição. Várias vezes Lula se referiu a Campos Neto como "esse cidadão", chegando a afirmar que ele "não tinha compromisso com o Brasil", mas "apenas com quem o nomeou" (Campos Neto foi nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para um mandato de quatro anos).
O principal ponto de crítica de Lula é o patamar da Selic. O presidente argumenta que os juros estão altos demais "sem qualquer justificativa", prejudicando o crescimento da economia. Ele assumiu a Presidência com a taxa em 13,75% ao ano, e o primeiro corte promovido pelo Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do BC, aconteceu no começo de agosto e foi de 0,5 ponto percentual, reduzindo a Selic a 13,25%.
A autoridade monetária fez mais um corte na mesma magnitude na semana passada, com a taxa indo para 12,75%. Na ata da última reunião, o Copom avaliou que a falta de confiança do mercado no equilíbrio das contas públicas ainda está entre os fatores que pressionam a inflação e, consequentemente, os juros, e que é "pouco provável", no momento, imprimir um ritmo de corte mais acelerado na Selic.
"Governo está no caminho certo"
Mais cedo, em audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, Campos Neto fez elogios ao governo, que, segundo ele, tem tomado várias medidas "no caminho certo". Ele destacou a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de manter a meta de inflação do próximos dois anos em 3%. Segundo ele, isso evitou que as expectativas de inflação se deteriorassem. A alteração da meta, para um nível mais folgado, chegou a ser defendida por Lula como uma forma de o BC poder baixar os juros mais rapidamente.
O presidente do BC elogiou também a definição do novo arcabouço fiscal e a decisão do governo de manter o objetivo de zerar o deficit público no próximo ano, mesmo com o ceticismo dos analistas diante da dificuldade de obter receitas para cobrir as contas. "O governo tomou várias decisões corretas, como manter a meta de inflação em 3% e a adoção do novo arcabouço fiscal. Perseguir a meta do arcabouço é uma decisão correta. Estamos de fato em um caminho. Comparada com outros países, nossa projeção de crescimento está sendo revisada para cima e o desemprego caiu para menos de 8%", afirmou.
Taxação dos super ricos
Questionado pelos parlamentares, Campos Neto disse ser favorável à taxação dos fundos exclusivos — dos "super-ricos" — e fundos offshore, defendendo uma alíquota de 10%. As duas medidas são parte importante da estratégia do governo de obter receitas de R$ 168 bilhões para zerar o deficit no ano que vem.
Ele informou ainda possuir investimentos em fundos offshore, que, conforme assinalou, foram declarados no dia em que assumiu o cargo no BC. "Minhas offshores estavam declaradas no site do Senado no primeiro dia que vim para o governo. Tenho offshore há 15, 20 anos. Tenho três irmãos que são americanos, que moram lá, eu não sabia se em algum momento iria morar lá ou morar aqui", justificou.
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