Há uma década e meia, o mundo presenciou a quebra de um dos maiores bancos de investimento dos Estados Unidos. As manchetes do dia 15 de setembro de 2008 informavam que o país atravessava a pior crise desde o ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, sete anos antes. Assim como os atentados terroristas abalaram o mercado financeiro em proporções globais, o dia que marcou a confirmação de uma crise que já se alastrava há muito tempo, derrubou a economia do mundo, causando forte impacto também no Brasil.
Ainda não havia amanhecido quando o Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, comunicou aos investidores que iria pedir concordata (ou recuperação judicial), o que praticamente decretou a falência da instituição. O mercado financeiro, então, presenciou o seu dia mais turbulento desde 11 de setembro de 2001. A bolsa de Nova York caiu 4,42%, enquanto, no Brasil, o Ibovespa fechou em queda de 7,59%.
A quebra do Lehman Brothers, provocada por uma bolha no mercado de financiamentos imobiliários, produziu efeitos negativos também na chamada economia real. A crise financeira e a retração do crédito fizeram a atividade econômica encolher. Em 2009, o Produto Interno Bruto dos EUA teve queda de 2,4%, a maior desde 1946. Nesse período, a taxa de desocupação foi a 9%, e 8 milhões de trabalhadores do país perderam o emprego. O ambiente deteriorou-se em todo o mundo. No Brasil, a economia recuou 0,6% em 2009.
Desafios
O estouro da bolha imobiliária norte-americana ainda gera desafios e levanta questionamentos entre especialistas do mercado financeiro. Na visão do economista Felipe Queiroz, doutor em ciência política pela Universidade Estadual de Campinas, a crise de 2008 foi ocasionada pela falta de mecanismos de intervenção estatal na economia norte-americana. Considerada uma das nações mais liberais do planeta, os EUA possuem a fama de intervir raramente no mercado financeiro. Para o especialista, muitos dos efeitos dessa crise ainda perduram até hoje de modo estrutural na economia global.
Quinze anos após a quebra de vários bancos importantes — entre eles, um brasileiro — novas preocupações atingiram o mercado financeiro. Em março deste ano, o Silicon Valley Bank (SVB), um dos maiores bancos dos Estados Unidos, decretou falência ter grande parte do capital aplicado em títulos públicos que perderam valor com a alta dos juros. Dias depois, na Europa, o gigante Credit Suisse praticamente faliu, mas foi comprado pelo UBS. Diferentemente da crise de 2008, esses movimentos foram ocasionados pelo aumento repentino na taxa de juros norte-americana no início do ano.
A quebra do Lehman Brothers foi o sinal de morte também para outras instituições. "Quando o sistema financeiro começa a ter problemas, isso começa a afetar vários outros setores da economia, porque se uma grande instituição vai à falência, uma parte do que ela tem de passivo é ativo de outros bancos, e de outras instituições financeiras e empresas, que colocam o seu dinheiro nela", explica o professor de economia da USP Ribeirão Preto Luciano Nakabashi.
Após o incidente envolvendo o Lehman Brothers, o governo norte-americano, sobretudo durante a gestão de Barack Obama, que sucedeu George Bush no ano seguinte à crise, resolveu adotar medidas para evitar que os efeitos fossem mais graves e também para dar mais rigidez ao sistema imobiliário e à concessão de financiamentos. Entre as ações implementadas, houve um controle maior do governo sobre os bancos.
Entenda a crise
Os EUA atravessavam um momento de relativa estabilidade econômica quando a chamada 'bolha imobiliária' estourou. Para entender como funcionava a bolha, basta imaginar a cena de alguém comprando um imóvel. Para isso, ele se dirige ao banco para conseguir um financiamento e pagar a casa com menos estresse. No entanto, o sistema imobiliário norte-americano, como avaliavam os economistas na época, era mal regulado e abria brechas para que as instituições oferecessem financiamentos para clientes com problemas de crédito. Esse mercado é chamado comumente de 'subprime'.
Com o aumento dos subprimes, também cresceu o número de clientes que não conseguiram pagar o imóvel e tiveram que deixar a casa para o banco ou para a imobiliária. "Quando o banco recebia aquele imóvel, o estado contábil daquele empréstimo era o dobro ou o triplo do que valia aquele imóvel", explica o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), César Bergo.
Além disso, havia um problema adicional: na ânsia de obter lucros e diante da falta de regulação governamental, instituições que financiava imóveis passaram a revender créditos, total ou parcialmente, ocasionando uma situação em um mesmo imóvel gerava várias hipotecas, o que erodiu a base de garantias e gerou rombos contáveis em muitos bancos.
As maiores agências hipotecárias dos EUA na época eram a Freddie Mac e a Fannie Mae. A dívida das duas empresas juntas alcançou a extraordinária quantia de US$ 2 trilhões. Ambas conseguiram se recuperar após o estouro da bolha imobiliária, com uma injeção inicial de US$ 200 bilhões do Federal Reserve, o banco central norte-americano.
Na visão do professor César Bergo, um dos principais motivos que levaram à queda dos bancos de investimento foi a falta de responsabilidade em relação à chamada 'marcação de mercado', que significa que o título deve ser transacionado pelo mesmo valor que vale no momento. "No Brasil, essa marcação de mercado já passou a ser obrigatória, então todos os fundos de investimentos têm que marcar ativos por esse método. Nos Estados Unidos, houve uma negligência com relação à marcação de mercado, porque as pessoas, na época estavam meio eufóricas, e não se preocupavam com isso. Acabou se formando uma bolha", analisa o especialista.
Após a quebra do Lehman Brothers, outros bancos e instituições norte-americanas entraram em falência no mesmo ano. Entre eles, o Bank of America, o Washington Mutual e a seguradora AIG, que, na época, era sócia de uma seguradora do Brasil pertencente ao Unibanco, que foi comprado pelo Itaú em novembro daquele mesmo ano.
Para Luciano Nakabashi, o Brasil não enfrentou esse problema por ter um sistema mais regulado do que o norte-americano. "Aqui você tem um mercado muito mais concentrado, não tem esse monte de ativos financeiros para burlar as regras, e o sistema é até mais fácil de controlar", avalia o economista.
*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo
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