O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga, nesta sexta-feira (1º/9), o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre deste ano e a expectativa de analistas e especialistas é de que o resultado vai confirmar o processo de desaceleração da economia em curso desde a segunda metade de 2022, apesar da surpresa positiva no PIB dos primeiros três meses de 2023 e da sinalização de uma resiliência maior na atividade econômica dos Estados Unidos, que cresceu 2% entre abril e junho na margem (em comparação com o trimestre anterior).
A mediana das apostas do mercado é de uma alta entre 0,2% e 0,3% no PIB brasileiro do segundo trimestre do ano, uma freada razoável na comparação com o avanço de 1,9% nos trimestre anterior, puxado pela safra recorde de grãos que contribuiu com 89,4% desse avanço, conforme estimativas de analistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Considerando apenas os fatores exógenos, que não estão sujeitos aos impactos da política monetária, como agropecuária, extração mineral, principalmente petróleo, e serviços públicos, o PIB avançou 1,7% e 0,2% do crescimento do trimestre foi resultado de fatores cíclicos, como o consumo, que sofre impacto direto do endividamento elevado das famílias e dos juros altos também.
De acordo com a economista e coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre, Silvia Matos, haverá um recuo de 0,1% no PIB do segundo trimestre, em grande parte, por conta do agronegócio. Ela tem uma projeção mais pessimista entre os analistas ouvidos pelo Correio. “O agronegócio deve contribuir negativamente para o PIB do segundo segundo trimestre após a explosão de 22% de crescimento na margem (na comparação com os três meses anteriores)”, explicou. A economista estima retração de 8% no desempenho do setor agrícola, o que poderá ajudar no impacto negativo de 0,5% de queda na projeção para o PIB de abril a junho.
Pelas estimativas do FGV Ibre, ainda haverá quedas de 0,3% nos dois trimestres seguidos do ano, como reflexo da política monetária restritiva, pois a taxa básica da economia (Selic) continua elevada apesar da redução de 13,75% para 13,25% ao ano na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, ocorrida nos dias.
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De acordo com as novas estimativas do instituto, o PIB deste ano crescerá 1,8% em vez de 1,6%. E, no ano que vem, vai desacelerar para 1%. As projeções do FGV Ibre para o PIB de 2023 e de 2024, estão mais pessimistas do que a mediana das estimativas do mercado coletadas pelo boletim Focus, do Banco Central, que preveem, respectivamente, avanços de 2,3% e de 1,3%.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, não prevê surpresas no PIB do segundo semestre e aposta em avanço de 0,1%. “A surpresa talvez é que, depois de um crescimento tão forte como no primeiro trimestre, um resultado positivo, mesmo que pequeno, é bastante bom. Reforça as previsões para o crescimento no ano mais próximo de 2,5%”, afirmou.
Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, espera crescimento de 0,3% no trimestre, mas reconhece que ainda pode haver surpresas no dado do IBGE. “Aposta em sempre podemos ter alguma coisa vindo do setor agrícola, que é difícil de prever”, explicou. Ele prevê avanço de 2,5% no PIB deste ano, e de 1,7%, no de 2024, e faz um alerta sobre o esgotamento do mercado de trabalho formal, que está em processo de desaceleração também. “A taxa de desemprego (de 7,9% no trimestre encerrado em julho conforme o dado do IBGE de ontem) já está bem mais baixa do que poderia se esperar para o nível atual de taxa de juros básica.”
Na avaliação de Sergio Vale, da MB, os últimos dados do mercado de trabalho estão vindo dentro do esperado, indicando desaceleração. “Os números de antes estavam muito fortes no pós-pandemia e pelo forte efeito das commodities. Agora, entramos em um momento de normalidade do mercado de trabalho. Mas tem pontos positivos para o consumo, que podem estimular ainda mais o emprego: a inflação menor, especialmente a de alimentos; o programa Desenrola, do governo federal, para renegociação de dívidas; e os juros básicos em queda. “Isso poderá ajudar o consumo no Natal e no fim do ano, e, com isso, o desemprego poderá chegar a 7,5%”, explicou.
"A expectativa de mercado é de que o resultado apresente uma desaceleração em relação ao observado no primeiro trimestre, mas ainda se mantenha um crescimento vigoroso, próximo de 2,6% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, que mesmo com uma possível revisão dos números mais recentes, ainda seja equivalente a um crescimento de cerca de 0,4% na margem”, destacou Arnaldo Lima, diretor executivo de Previdência da MAG Seguros. “O resultado pode alterar a interpretação acerca da atividade econômica recente e sobre seu comportamento próximo, com consequências sobre a expectativa sobre a trajetória da atividade, emprego, inflação e taxa de juros”, acrescentou.
Apesar de prever um avanço modesto de 0,16% no PIB do segundo trimestre, o economista-chefe da gestora JF Trust, Eduardo Velho, uma nova surpresa não é descartada. “Se vier surpresa, acho que seria para cima em relação à média das expectativas atuais do mercado”, afirmou. Para este ano, ele prevê altas do PIB de 2,12%, neste ano, e de 1,67%, no próximo.
Processo inevitável
Esse processo de desaceleração é inevitável, segundo Julio Hegedus, economista-chefe da Mirae Asset. “Estamos observando o PIB perdendo um pouco de tração, dadas as condições de crédito e a elevada taxa de inadimplência, causada pelo juro real que se aproxima de 10% ao ano. Isso posto, o varejo tem se sustentado mais pela demanda de alimentos, com os bens duráveis duramente afetados por esse custo do crédito”, explicou. Por outro lado, ele destacou que é preciso observar que o programa recente do governo voltado para a indústria automotiva ajudou a dar um gás ao setor neste ano, “mitigando um pouco esta perda de fôlego”.
Os analistas ressaltaram ainda que um dos principais riscos para o crescimento é a questão fiscal, pois o governo vem se comprometendo com várias despesas que ainda não possuem receita recorrente para serem estruturadas. Ontem, por exemplo, enviou o Orçamento de 2024 ao Congresso com receitas super dimensionadas para cobrir um buraco de novas despesas que chegam perto de R$ 170 bilhões. Esse forte aumento de gastos, catapultado com medidas de combate à desigualdade social, como o novo Bolsa Família – que passou para R$ 600 mais um adicional de R$ 150 para cada criança com até 6 anos –, e outras imprevistas, como a prorrogação da desoneração da folha para 17 setores até 2027, aprovada pelo Congresso nesta semana devem dificultar o cumprimento da nova meta fiscal de defiit zero no ano que vem, prevista no arcabouço fiscal.
“O Bolsa Família e o Desenrola são estímulos importantes para sustentar o consumo das famílias neste ano, assim como a expansão já previsível do consumo do governo e das exportações”, afirmou Hegedus, que prevê alta de 0,2% no PIB do segundo trimestre.
Silvia Matos, do FGV Ibre, também reforçou o alerta sobre a questão fiscal, pois o governo está apostando na retomada do crescimento econômico pelo consumo, mas isso é arriscado em um momento em que o quadro fiscal está ficando mais frágil porque o governo está contanto com aumento de receitas ainda não confirmadas para recuperar o equilíbrio fiscal.
“Haverá muito embate entre o Executivo e o Congresso sobre onde gastar e como achar arrecadação. Esse embate é o pior dos mundos, porque não resolve o problema fiscal. A carga tributária já é elevadíssima e, portanto, não vai ser fácil resolver esse problema, porque todo mundo quer gastar mais e ninguém quer dividir a conta “, lamentou. Pelas projeções do FGV Ibre, o rombo fiscal deste ano será de 1,2% do PIB e, no ano que vem, ficará em torno de 1% do PIB. “O mundo está aumentando os gastos permanentes nesse cenário pós-pandemia. E, como o país já parte de um deficit, não tem como ficar postergando o ajuste fiscal. Ou aceita um deficit maior nas contas públicas ou a meta de deficit zero do novo arcabouço não será crível”, alertou. “O governo vai ter que fazer uma discussão sobre o gasto público o quanto antes, porque, do jeito que está, não é sustentável”, acrescentou.
Riscos e incertezas à frente
Apesar de estar entre os mais otimistas, Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, reforça o coro sobre os riscos fiscais para o país conseguir crescer de forma mais robusta, pois a taxa Selic continuará elevada e em dois dígitos até o fim de 2024, pelas projeções da entidade, passando de 11,75%, em dezembro deste ano, para 10%, em dezembro do ano que vem, porque a inflação, apesar de ter desacelerado, continua elevada e será difícil para a política monetária recuperar uma taxa de juros neutra – que não atrapalhe a atividade econômica – antes de 2025. “O ambiente doméstico ainda tem muita incerteza, pois o Orçamento de 2024 vai precisar de contingenciamento de despesas e, como os juros continuarão elevados, o custo da dívida pública continuará crescendo”, afirmou.
“Diante dos riscos internos e externos, o Banco Central vem agindo com cautela no afrouxamento da política monetária. E esse ajuste não é maior por conta das incertezas”, alertou. Margato lembrou que uma das preocupações no momento é com o processo de desaceleração da China, que deverá crescer menos, entre 4% e 4,5% neste ano, reduzindo o impulso da economia global que ainda tenta se recuperar após os impactos negativos da pandemia da covid-19 e da guerra na Ucrânia, ainda sem perspectiva para terminar.
“Existe uma certeza de que haverá frustração com o crescimento da atividade chinesa, mas não vemos isso como um contração da demanda externa de commodities brasileiras, pois a balança comercial do país deverá ter um superavit recorde, em torno de US$ 70 bilhões”, afirmou o economista da XP. A instituição prevê crescimento de 0,5% no PIB deste ano.
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