Pós-Crise

"Os juros devem continuar elevados por mais tempo", diz Paul Krugman

Para o Nobel de Economia, os bancos centrais estão tendo que fazer o trabalho sozinhos devido ao quadro fiscal ruim dos governo. Apesar do declínio recente da inflação, segundo ele, os riscos persistem

Paul Krugman lembrou que os patamares de inflação pós-pandemia nunca foram tão elevados desde os anos 1980, tanto nos EUA quanto na Europa. -  (crédito: Divulgação CNSeg)
Paul Krugman lembrou que os patamares de inflação pós-pandemia nunca foram tão elevados desde os anos 1980, tanto nos EUA quanto na Europa. - (crédito: Divulgação CNSeg)
postado em 26/09/2023 15:39 / atualizado em 28/09/2023 19:17

Rio de Janeiro – Os economistas ainda estão tentando entender o comportamento da inflação após a crise econômica global provocada pela pandemia da covid-19, pois os componentes inflacionários atuais não estão apenas relacionados com a demanda. Além disso, os gastos dos governos continuam elevados, os rombos fiscais também, e os bancos centrais estão sendo obrigados a domarem sozinhos o dragão do custo de vida. Diante dessa conjuntura, o economista norte-americano Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2008, não tem dúvidas de que as taxas de juros devem continuar elevadas por um período mais prolongado.

Segundo Krugman, apesar de os indicadores macroeconômicos, inclusive o emprego, retornarem aos patamares pré-pandemia, os juros não devem voltar aos mesmos níveis anteriores, porque a atividade econômica não entrou em recessão como o inicialmente previsto, o que é um sinal de que os bancos centrais estão dosando bem o remédio.

“Os bancos centrais estão lidando com a inflação aumentando os juros, mas sempre há um medo de que exageraram na dose. E, quando vemos a inflação controlada com aumento dos juros sem causar uma recessão até agora, mostra a resiliência do mercado. Isso são boas notícias e a única preocupação é tentar entender esse processo”, afirmou o economista, nesta terça-feira (26/9), em apresentação no segundo dia de palestras da 38ª Conferência Hemisférica da Federação Interamericana de Empresas de Seguros (Fides), no Rio de Janeiro. O evento é organizado pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).

Krugman evitou fazer projeções de quando o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) começará a reduzir os juros no país. “Talvez os bancos centrais tenham que manter as taxas de juros mais altas por mais tempo”, afirmou. Na avaliação dele, a economia dá sinais de que está se curando da pandemia e que “houve cicatrização”, contudo, ainda há riscos de um corte muito rápido nos juros porque isso pode estimular a economia e gerar mais inflação. Nesse sentido, a política monetária do Brasil não é muito diferente da política dos Estados Unidos e da Europa.

“Não acho que os bancos centrais tivessem alternativa, para não elevar os juros, porque a inflação parecia que não era resultado de demanda excessiva”, afirmou ele, reconhecendo que entender os componentes da inflação atual é mais complexo. “Se fosse demanda, seria mais fácil controlá-la. Agora, se as taxas atuais fossem danosas para a economia, observariamos uma recessão”, acrescentou.

Fiscal ruim

O economista norte-americano ainda ressaltou que um dos fatores que não ajudam na queda dos juros é a questão fiscal pois, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, os rombos fiscais são elevados. “Poderíamos ter taxas mais baixas se tivéssemos políticas fiscais mais rigorosas. Se não fossem os enormes deficits do governo norte-americano, o Fed não precisaria fazer todo o trabalho”, frisou. Ele, contudo, evitou comentar sobre o aumento dos gastos do governo brasileiro que estão ajudando a melhorar as projeções de crescimento da economia brasileira para perto de 3% neste ano.

Paul Krugman lembrou que os patamares de inflação pós-pandemia nunca foram tão elevados desde os anos 1980, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. “Na época, conseguimos controlar a inflação a um custo enorme, com recessão e desemprego elevado que durou por muitos anos. Foram propostas extremamente caras e, na pandemia, havia a expectativa que ocorresse o mesmo. Mas, havia padrões que indicavam que a inflação seria menos resistente, e tivemos nos EUA e em outros países um declínio rápido da inflação sem qualquer custo de redução da produção ou no desemprego. E até tivemos uma deflação sem afetar a economia real”, afirmou.

Na avaliação dele, o fato de a economia não ter desacelerado nesse processo de aumento dos juros fez com que os bancos centrais tivessem mais receio de reduzir as taxas neste momento. Um dos fatores que devem ajudar nesse processo de recuperação, segundo Krugman, são as políticas públicas voltadas para investimentos verdes, pois existe uma grande demanda na economia e isso pode estar ajudando a evitar a desaceleração. Contudo, na próxima década, os investimentos verdes devem crescer em um ritmo mais lento. “Talvez, os bancos centrais deverão manter as taxas de juros mais elevadas por mais tempo, pois está mais difícil pensarmos em uma queda desses juros e as taxas de longo prazo sobem, refletindo essa expectativa”, disse.

O especialista ressaltou que, por vários anos, as taxas de juros ficaram baixas e parecia o novo normal. Nas últimas semanas, segundo ele, estamos vendo revisões sobre o futuro das taxas de juros, que refletem expectativas de que elas estão aumentando. “Parece que o problema da inflação foi quase resolvido, mas o problema das taxas de juros persistentemente elevadas e o efeito delas ainda não se apresentaram por completo”, afirmou.

Desaceleração da China

O processo de desaceleração da economia chinesa não tem volta, de acordo com Krugman, pois o país ainda não entendeu que precisa mudar o atual modelo econômico. “Ainda não estão claros os impactos para o resto do mundo e para países exportadores de matérias-primas, como Brasil. O país asiático tem uma poupança elevada e precisava investir muito para ter pleno emprego. Conseguiu isso graças ao avanço tecnológico acelerado devido à migração de pessoas das áreas rurais para a urbana. Mas, hoje, isso não é mais possível. O que era fácil de acontecer na China já aconteceu. Não há mais uma reserva de pessoas no campo e o crescimento populacional diminuiu. Com isso, o país não tem mais o potencial de crescer 8% ao ano, mas 3%”, explicou.

Ao ver do economista, a China não está sabendo lidar com os seus problemas tão bem, especialmente o problema de emprego para os jovens, “pois pararam de publicar os números”. Para ele, o modelo de crescimento econômico chinês não era sustentável e os governantes tentam encobrir a bolha do setor de habitação atual.

“Agora, o país precisa incentivar o consumo, porque estão economizando demais. Mas, se olharmos as políticas econômicas atuais da China, elas continuam incentivando os investimentos. Os chineses estão relutando em passar a renda para os proprietários e talvez isso seja algo cultural, porque o presidente Xi Jinping teme que eles fiquem preguiçosos”, analisou.

*A jornalista viajou a convite da CNseg

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