Bancos

Lehman Brothers: a grande crise de 2008, 15 anos depois

A quebra do Lehman Brothers, provocada por uma bolha no mercado de financiamentos imobiliários, produziu efeitos negativos também na chamada economia real

Segundo Fernando Haddad, desenho do Plano de Transformação Ecológica do país está na fase final -  (crédito: Diogo Zacarias/MF)
Segundo Fernando Haddad, desenho do Plano de Transformação Ecológica do país está na fase final - (crédito: Diogo Zacarias/MF)
postado em 24/09/2023 15:42 / atualizado em 24/09/2023 17:01

Há uma década e meia, o mundo presenciou a quebra de um dos maiores bancos de investimento dos Estados Unidos. As manchetes do dia 15 de setembro de 2008 informavam que o país atravessava a pior crise desde o ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, sete anos antes. Assim como os atentados terroristas abalaram o mercado financeiro em proporções globais, o dia que marcou a confirmação de uma crise que já se alastrava há muito tempo, derrubou a economia do mundo, causando forte impacto também no Brasil.

Ainda não havia amanhecido quando o Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, comunicou aos investidores que iria pedir concordata (ou recuperação judicial), o que praticamente decretou a falência da instituição. O mercado financeiro, então, presenciou o seu dia mais turbulento desde 11 de setembro de 2001. A bolsa de Nova York caiu 4,42%, enquanto, no Brasil, o Ibovespa fechou em queda de 7,59%.

A quebra do Lehman Brothers, provocada por uma bolha no mercado de financiamentos imobiliários, produziu efeitos negativos também na chamada economia real. A crise financeira e a retração do crédito fizeram a atividade econômica encolher. Em 2009, o Produto Interno Bruto dos EUA teve queda de 2,4%, a maior desde 1946. Nesse período, a taxa de desocupação foi a 9%, e 8 milhões de trabalhadores do país perderam o emprego. O ambiente deteriorou-se em todo o mundo. No Brasil, a economia recuou 0,6% em 2009.

Desafios

O estouro da bolha imobiliária norte-americana ainda gera desafios e levanta questionamentos entre especialistas do mercado financeiro. Na visão do economista Felipe Queiroz, doutor em ciência política pela Universidade Estadual de Campinas, a crise de 2008 foi ocasionada pela falta de mecanismos de intervenção estatal na economia norte-americana. Considerada uma das nações mais liberais do planeta, os EUA possuem a fama de intervir raramente no mercado financeiro. Para o especialista, muitos dos efeitos dessa crise ainda perduram até hoje de modo estrutural na economia global.

Quinze anos após a quebra de vários bancos importantes — entre eles, um brasileiro — novas preocupações atingiram o mercado financeiro. Em março deste ano, o Silicon Valley Bank (SVB), um dos maiores bancos dos Estados Unidos, decretou falência ter grande parte do capital aplicado em títulos públicos que perderam valor com a alta dos juros. Dias depois, na Europa, o gigante Credit Suisse praticamente faliu, mas foi comprado pelo UBS. Diferentemente da crise de 2008, esses movimentos foram ocasionados pelo aumento repentino na taxa de juros norte-americana no início do ano.

A quebra do Lehman Brothers foi o sinal de morte também para outras instituições. "Quando o sistema financeiro começa a ter problemas, isso começa a afetar vários outros setores da economia, porque se uma grande instituição vai à falência, uma parte do que ela tem de passivo é ativo de outros bancos, e de outras instituições financeiras e empresas, que colocam o seu dinheiro nela", explica o professor de economia da USP Ribeirão Preto Luciano Nakabashi.

Após o incidente envolvendo o Lehman Brothers, o governo norte-americano, sobretudo durante a gestão de Barack Obama, que sucedeu George Bush no ano seguinte à crise, resolveu adotar medidas para evitar que os efeitos fossem mais graves e também para dar mais rigidez ao sistema imobiliário e à concessão de financiamentos. Entre as ações implementadas, houve um controle maior do governo sobre os bancos.

Entenda a crise

Os EUA atravessavam um momento de relativa estabilidade econômica quando a chamada 'bolha imobiliária' estourou. Para entender como funcionava a bolha, basta imaginar a cena de alguém comprando um imóvel. Para isso, ele se dirige ao banco para conseguir um financiamento e pagar a casa com menos estresse. No entanto, o sistema imobiliário norte-americano, como avaliavam os economistas na época, era mal regulado e abria brechas para que as instituições oferecessem financiamentos para clientes com problemas de crédito. Esse mercado é chamado comumente de 'subprime'.

Com o aumento dos subprimes, também cresceu o número de clientes que não conseguiram pagar o imóvel e tiveram que deixar a casa para o banco ou para a imobiliária. "Quando o banco recebia aquele imóvel, o estado contábil daquele empréstimo era o dobro ou o triplo do que valia aquele imóvel", explica o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), César Bergo.

Além disso, havia um problema adicional: na ânsia de obter lucros e diante da falta de regulação governamental, instituições que financiava imóveis passaram a revender créditos, total ou parcialmente, ocasionando uma situação em um mesmo imóvel gerava várias hipotecas, o que erodiu a base de garantias e gerou rombos contáveis em muitos bancos.

As maiores agências hipotecárias dos EUA na época eram a Freddie Mac e a Fannie Mae. A dívida das duas empresas juntas alcançou a extraordinária quantia de US$ 2 trilhões. Ambas conseguiram se recuperar após o estouro da bolha imobiliária, com uma injeção inicial de US$ 200 bilhões do Federal Reserve, o banco central norte-americano.

Na visão do professor César Bergo, um dos principais motivos que levaram à queda dos bancos de investimento foi a falta de responsabilidade em relação à chamada 'marcação de mercado', que significa que o título deve ser transacionado pelo mesmo valor que vale no momento. "No Brasil, essa marcação de mercado já passou a ser obrigatória, então todos os fundos de investimentos têm que marcar ativos por esse método. Nos Estados Unidos, houve uma negligência com relação à marcação de mercado, porque as pessoas, na época estavam meio eufóricas, e não se preocupavam com isso. Acabou se formando uma bolha", analisa o especialista.

Após a quebra do Lehman Brothers, outros bancos e instituições norte-americanas entraram em falência no mesmo ano. Entre eles, o Bank of America, o Washington Mutual e a seguradora AIG, que, na época, era sócia de uma seguradora do Brasil pertencente ao Unibanco, que foi comprado pelo Itaú em novembro daquele mesmo ano.

Para Luciano Nakabashi, o Brasil não enfrentou esse problema por ter um sistema mais regulado do que o norte-americano. "Aqui você tem um mercado muito mais concentrado, não tem esse monte de ativos financeiros para burlar as regras, e o sistema é até mais fácil de controlar", avalia o economista.

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo

 


Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação