Na noite de quinta-feira (14/9), a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a Uber a pagar R$ 1 bilhão em indenização para motoristas ligados ao aplicativo e determinou a contratação formal deles. A sentença do juiz Maurício Pereira Simões atendeu a uma ação civil proposta pelo Ministério Público de Trabalho de São Paulo, baseada por denúncias feitas pela Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos (AMAA). Mas o que isso significa na prática?
De acordo com Camilo Onoda Caldas, advogado trabalhista e sócio do Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, a principal mudança seria que esses trabalhadores teriam os direitos tradicionais que um empregado tem numa relação trabalhista como férias, décimo terceiro, FGTS, descanso semanal remunerado e outros direitos estabelecidos na legislação.
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O Correio conversou com Camilo e com o advogado Tomaz Nina para entender melhor a decisão e as consequências que podem causar para a empresa, o que pode ser feito sobre a regulamentação do trabalho desses motoristas e se a decisão pode impactar o setor no Brasil. Confira.
A sentença pode ser alterada?
Tomaz Nina — advogado trabalhista sócio da Advocacia Maciel e pós-graduado no Instituto de Direito Público (IDP) em direito do trabalho e processo do trabalho — destaca que, apesar de muito bem fundamentada, a sentença deve ser mudada uma vez que o entendimento quase pacificado no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) é no sentido de que não há relação de emprego entre as empresas de aplicativo e os prestadores de serviços.
"Inúmeras reclamações constitucionais têm sido ajuizadas perante a Corte Suprema com resultado positivo para as empresas, sob a fundamentação de que a terceirização é lícita na atividade fim, tema 725 do ementário de repercussão geral. Ademais, há entendimento de que a própria Justiça do Trabalho não seria competente para julgar a relação comercial existente entre as empresas de aplicativo e seus prestadores", afirma o advogado.
Camilo também concorda que a decisão será revogada e explica que os tribunais têm sido muito resistentes ao reconhecimento de relação empregatícia nesse tipo de caso. "Existem alguns tribunais que têm admitido essa tese (da 4ª Vara do Trabalho), mas, no geral, a posição, inclusive no Tribunal Superior do Trabalho, é de rejeitar esse entendimento (de que a Uber é obrigada a conceder os direitos trabalhistas). Além disso, seguramente, a Uber e outros aplicativos vão mobilizar um grande esforço para fazer com que a posição deles de não existência do veículo empregatício prevaleça", acentua.
Ainda na quinta-feira (14/9), a Uber anunciou que vai recorrer na decisão da Justiça e que portanto não adotará as medidas determinadas "antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados".
O que pode mudar para a empresa e para o setor?
Tomaz avalia ainda que a medida seria uma "ducha de água fria nas pretensões de empresas desse segmento se estabelecerem no Brasil definitivamente". "O custo operacional da empresa se tornaria inviável sob o ponto econômico financeiro, pois haveria direitos trabalhistas a serem pagos mensalmente, além de tributos e encargos previdenciários", pondera.
"A dinâmica de trabalho da Uber, a qual todos os motoristas do aplicativo, em regra, estão inseridos, no meu sentir, não permite, nem por hipótese, o reconhecimento de vínculo de emprego, pois, ausente o elemento indispensável para a própria configuração da relação empregatícia, qual seja, a subordinação jurídica", argumenta também.
Se a decisão se mantiver, o advogado acredita que pode gerar uma "insegurança jurídica" e prejudicar não só as empresas que atuam com essas plataformas, mas, principalmente, as de pessoas que se sustentam com essa atividade.
"Se por um lado, empresas como a Uber movimenta o mercado de trabalho estabelecendo dinamismo para a prestação de serviço, ao reconhecer a relação de emprego de motoristas de aplicativos, o custo operacional poderia inviabilizar a atuação da Uber no Brasil", diz Tomaz
As principais consequências na avaliação dele seriam o aumento significativo do valor agregado ao serviço prestado, com incidência de encargos previdenciários, a criação de direitos com o estabelecimento da relação negocial efetiva, se submetendo a deveres trabalhistas que até então não era aplicável, bem como questões relacionadas à saúde e segurança do trabalho.
Regulamentação da área
Para Camilo, existe uma preocupação generalizada em tentar estabelecer regulação para os trabalhadores dessas áreas, para que eles não fiquem em uma situação de vulnerabilidade de precarização.
"Essa decisão é significativa porque em todo o mundo se discute alguma regulamentação com relação a esse tipo de aplicativo, desde a posição de se reconhecer os motoristas como empregados até outras soluções intermediárias que pelo menos estabeleçam para os motoristas — e também para entregadores de aplicativos — alguns direitos", frisa o especialista.
Ele também destaca o uso do termo "uberização" como um sinônimo no século XXI de precarização do trabalho. "Já é um sintoma, um sinal de que algum tipo de regulação em prol desses trabalhadores se faz necessária", afirma.
Além disso, Camilo destaca que o poder legislativo não se mobilizou prontamente, mesmo com alguns projetos existentes, mas que por isso, o judiciário acaba fazendo o papel de encontrar alguma solução ou alternativa para essa realidade.
O que diz a Uber
Após a sentença, a Uber se pronunciou dizendo que a decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos desde 2017.
"Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho."
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