No dia 18 de agosto, a empresa 123Milhas pegou muitos clientes de surpresa ao suspender pacotes e emissão de passagens promocionais. O caso gerou várias consequências para a agência de viagens, com demissões em massa na empresa, processos judiciais, sócios intimados para ir à CPI e outros.
Por causa desse episódio, os consumidores, entre os que foram prejudicados, e até os que não, estão pensando duas vezes antes de comprar passagens aéreas online. É o que diz a auxiliar administrativa Norma Ferreira da Silva, uma das lesadas pela 123Milhas.
"Eu sou mineira, sou muito desconfiada, se a pessoa pisa uma vez na bola acabou", conta ela, dizendo que não vai comprar mais pacotes promocionais em lugar nenhum.
A decisão de Norma é compartilhada pela enfermeira Flávia Rabelo, de 43 anos, que ia pela primeira vez para o exterior. "Nunca mais na minha vida, não tenho mais coragem de comprar passagens em site de vendas, só no site da companhia agora, fiquei traumatizada", afirma.
A funcionária pública Maria Silvia dos Santos diz que está "com medo, perdi dinheiro, meu tempo e passei raiva. Agora é programar a viagem em um lugar mais seguro e mais certo. Esse negócio de ficar conversando com máquina e não conversar pessoalmente com alguém é muito ruim, porque depois não sabe onde recorrer", relata.
Valdirene Dias, cabeleireira de 43 anos, vendeu carro e salão para viajar para Portugal. Ao todo, gastou R$ 8 mil e agora está sem dinheiro, fonte de renda e viagem. Além do prejuízo financeiro, Valdirene revela que teve o emocional abalado.
"Eu tive problema neurológico, meu olho paralisou de estresse emocional, eu tive muito prejuízo, por esse motivo eu não faço mais essa loucura que fiz", declara a consumidora.
Agora, ficam perguntas, dúvidas. O caso da 123 Milhas foi único? Ainda é confiável comprar passagens e hospedagem mais baratas do que diretamente em agências de viagem e sites das companhias aéreas e hotéis? Os consumidores têm que ficar sempre atentos? Especialistas respondem.
Fim das vendas onlines e promocionais?
Fabiano Camargo, presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (BRAZTOA), percebeu uma mudança no cenário de turismo depois do caso da 123Milhas. "Toda vez que uma empresa de grande porte entra em recuperação judicial e cria um impacto forte ao consumidor, isso gera uma falta de confiança no mercado. Porém, as pessoas não deixaram de comprar, só estão mudando a forma de comprar", conta.
Camargo diz que viu pesquisas recentemente apontando que os consumidores não compram mais apenas em um lugar. "Muitas pessoas perceberam que quando você faz tudo automatizado, que seriam as vendas online, na hora que você precisa de um suporte é muito difícil de ter ele, você vai mandar um e-mail, vai entrar num call center gigantesco".
"Na hora que você compra através de um agente de viagem, você vai ter um telefone, vai ser atendido por uma pessoa, que vai cuidar de seu caso. O atendimento é humanizado e isso faz toda diferença quando precisa de um suporte", completa.
Luciana Ferreira, turismóloga da Fecomércio MG, segue a mesma linha. "A tendência é que o perfil do viajante mude. O consumidor que decidir viajar estará mais atento às consequências de uma compra feita sem informações corretas, quer seja presencialmente ou on-line. E o mercado precisa se preparar para consumidores cada vez mais exigentes e cientes dos seus direitos", diz.
A Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (ABEMF) afirma que o mercado de fidelização, formado por empresas que oferecem benefícios a clientes por suas compras e pagamentos, que incluem a troca de pontos/milhas por passagens aéreas, segue em crescimento no país.
A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) repudia a prática da 123Milhas, e tem fortalecido programas de fidelidade para evitar fraudes. "Os transtornos recentemente noticiados pela imprensa exemplificam o risco de se adquirir uma promessa de passagem sem estar relacionada à oferta oficial das companhias aéreas", informa a presidente, Jurema Monteiro.
Consumidores podem confiar, diz agências
O Hotel Urbano (Hurb), uma das maiores agências virtuais do país, diz em nota que sempre prezou pela transparência com os seus viajantes e parceiros. A empresa aproveita para reiterar o seu comprometimento com a realização das viagens adquiridas na plataforma, assim como com a devolução de valores solicitados por clientes que optaram pelo cancelamento do serviço.
Emerson Belan, diretor geral da CVC Viagens, uma das empresas de turismo com mais tempo de atuação no país, diz que a empresa só vende produtos que já estão disponíveis para o passageiro usufruir e o cliente já recebe o voucher no momento da compra com todos os serviços adquiridos.
"A CVC é reconhecida pela assistência que presta aos seus clientes e alguns dos nossos grandes diferenciais são, justamente, a garantia de entrega e segurança. Inclusive, são mensagens que estamos reforçando em nossas comunicações, para que os clientes saibam que podem contar com a gente na realização dos seus sonhos de viagem, com tranquilidade e confiança", adverte.
Fique de olho no histórico da empresa e em promoções
Marcelo Barbosa, coordenador do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), dá duas dicas para o consumidor não cair em golpes de viagens.
"A dica que eu sempre dou, compras com preço abaixo da média de mercado você sempre tem que desconfiar. A segunda [dica] é que as pessoas que não compram diretamente com o hotel ou com a empresa aérea, mas por meio de uma intermediária, têm que acompanhar a vida saudável desta empresa", aponta.
Marcelo explica que para acompanhar isso é simples, basta entrar em sites de reclamação de usuários, do Procon e da Justiça. "Isso é uma maneira de você monitorar como está a saúde financeira e os cumprimentos de obrigações por parte da empresa", diz.
Thiago Augusto de Freitas, Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) expõe outra dica. "Conferir se o voucher fornecido pelas agências de turismo, se os vouchers são delas próprias ou das companhias aéreas e dos hotéis. É muito mais seguro que esses vouchers sejam dos hotéis ou das companhias aéreas", lista.
O consumidor vai ficar mais precavido?
O coordenador do Procon acredita que pela repercussão do caso da 123Milhas, o consumidor ficará mais alerta com compras de passagens atualmente. "O cenário vai mudar, o consumidor vai ter que criar uma hábito de prevenção, ele vai pensar duas vezes que o barato pode sair duas vezes mais caro", termina.
Daniel Firmato tem uma posição similar. Ele atua na Defensoria Especializada do Consumidor e acredita que a sociedade deve mudar o comportamento. "É o que nós esperamos, mas eu penso que a memória do consumidor é curta, e nos próximos meses ele ficará mais cauteloso, até parecer uma nova forma de marketing agressiva", afirma.
Quais são os direitos?
Mesmo que a pessoa siga todas as dicas, e o final seja o mesmo que aconteceu com a 123Milhas, o advogado Thiago Freitas aponta os direitos que o consumidor tem. "A devolução do dinheiro com juros e multa, e possível inserção de dano moral a depender do caso", informa.
O advogado diz que é obrigação do fornecedor cumprir com a obrigação por ele estipulada e que essa devolução também se dê em dinheiro, em moeda corrente nacional, e não em vouchers.
Daniel Firmato, da Defensoria Especializada do Consumidor, também explica os direitos da população. "O Código de Defesa do Consumidor estabelece que o fornecedor deve honrar essa oferta propagada, independente de como deve ter sido a forma. A lei dá ao consumidor a oportunidade de exigir o cumprimento daquela oferta, de rescindir o contrato e, se ele quiser, a oferta de um outro produto ou de um serviço equivalente", esclarece.
Onde procurar?
O defensor indica os caminhos para procurar caso aconteça uma suspensão de viagem. O primeiro caminho é procurar no órgão oficial do Ministério da Justiça, nos procons, defensorias públicas ou diretamente nos juizados especiais, no caso de causas atrelados até 20 salários mínimos.
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