ENTREVISTA EXCLUSIVA

Indústria 4.0 ainda enfrenta barreiras com a falta de avanço do 5G

O presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Igor Nogueira Calvet, que teve o mandato encerrado ontem, faz balanço da gestão e aponta tendências para o futuro

Igor Calvet:
Igor Calvet: "Um dos grandes gargalos da nossa indústria do nosso setor produtivo em geral é um problema de produtividade. E uma dessas estratégias para aumentar o ganho de produtividade é justamente a digitalização" - (crédito: Lula Lopes/ABDI)
Rafaela Gonçalves
postado em 10/09/2023 03:53

O avanço do 5G para a evolução da indústria 4.0 ainda encontra uma série de percalços para ser aplicado em larga escala. Em entrevista ao Correio, o então presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Igor Nogueira Calvet, avaliou os gargalos para o avanço da tecnologia. Segundo ele, ainda é preciso fazer um trabalho de disseminação das potenciais iniciativas.

"Outro ponto diz respeito aos altos custos para a digitalização das empresas, a percepção é de que o custo é muito alto e falta uma compreensão por parte do empresariado. O terceiro gargalo que impede a difusão maior é que não há um ecossistema robusto de empresas que desenvolvam soluções para 5G", comentou.

Calvet, que teve o mandato à frente da agência encerrado ontem, fez um balanço dos últimos quatro anos de gestão e apontou tendências para o futuro. A expectativa é de que o 5G movimente o desenvolvimento da indústria 4.0 com até 670 mil empregos até 2025 e que a indústria movimente em torno de US$ 75 bilhões em economia de custos de produtividade e manutenção ao adotar a tecnologia.

Para ele, o desenvolvimento digital é o boom que a indústria precisa para voltar a crescer. "Um dos grandes gargalos da nossa indústria do nosso setor produtivo em geral é um problema de produtividade. E uma dessas estratégias para aumentar o ganho de produtividade é justamente a digitalização", avaliou.

O executivo falou ainda sobre as perspectivas para a chegada da tecnologia para a agricultura familiar, o desenvolvimento do metaverso na indústria, além de avaliar políticas governamentais e as perspectivas de crescimento para o setor.

Confira a entrevista completa:

Como funcionou essa parceria da ABDI com a Anatel para impulsionar o 5G na indústria?

A indústria 4.0 ganhou força em meio a um processo de hiperautomação das linhas de produção, trocando máquinas por inteligência artificial e internet das coisas. O termo em si tomou impulso em 2016, mas grande parte das aplicações da indústria neste sentido eram na bancada de laboratórios e grande parte ainda não funcionava, porque precisam de conexões confiáveis e rápidas. A chegada do 5G não vai mudar tanto a nossa vida propriamente acessando dados celulares, mas para a indústria a diferença do 4G para o 5G é muito grande e o tempo de resposta da conexão é fundamental. Pensando nisso, assumimos o acordo com a Anatel para testar essa frequência no campo, nas indústrias, na saúde e nas cidades. Você pode, por exemplo, controlar uma indústria daqui que tenha uma filial da Alemanha, acompanhar procedimentos médicos a distância por meio da latência do 5G, conectar máquinas para semear e colher, ou até mesmo com a automação de vias nas cidades. Desde 2019, viemos trabalhando apoiando iniciativas para fomentar o 5G e agora, no dia 1º de setembro, premiamos 14 delas. A nossa expectativa é de que o 5G movimente o desenvolvimento da indústria 4.0 com até 670 mil empregos até 2025, uma pesquisa nossa projeta que ao adotar essas tecnologias a indústria movimenta em torno de US$ 75 bilhões em economia de custos de produtividade e manutenção.

Ao acompanhar a evolução da implementação da tecnologia na indústria, nestes quatro anos em que esteve à frente da agência, como é que você avalia esse processo até o momento? Quais são os principais gargalos para a implementação do 5G para que cheguemos concretamente na tão sonhada era da indústria 4.0?

Quando falamos em termos de disponibilização para a indústria, ainda não é bom. Dos ganhos financeiros que o 5G pode acarretar, existe um trabalho a ser feito de disseminação de informações, por meio desses pilotos para uso em testes. Outro ponto diz respeito aos altos custos para a digitalização das empresas, a percepção é de que o custo é muito alto e falta uma compreensão por parte do empresariado. O terceiro gargalo que impede a difusão maior é que não há um ecossistema robusto de empresas que desenvolvam soluções para 5G. Um dos grandes gargalos da nossa indústria do nosso setor produtivo em geral é um problema de produtividade. E uma dessas estratégias para aumentar o ganho de produtividade é justamente a digitalização. Esse é o "boom" que precisamos para a economia crescer mais rápido, inclusive há estudos da CNI (Confederação Nacional da Indústria) que apontam para uma direção rápida de geração de empregos.

Vocês preveem a chegada desta tecnologia para a agricultura familiar?

A ABDI trabalha com empresas de todos os portes e no caso do agro temos as cooperativas. Agora está sendo desenhado o nosso projeto de transformação digital para pequenas e médias empresas e como chegar na agricultura familiar é uma das questões que estamos discutindo. Ainda estamos conversando sobre uma parceria com o Ministério de Desenvolvimento Agrário por meio das cooperativas, porque do mesmo jeito que, às vezes, a indústria alega a falta de tempo e de recursos para capacitação, o agricultor também tem que cuidar das suas operações do dia a dia. Neste sentido, as cooperativas permitem que eles pensem com um pouco mais de fôlego sobre os projetos de tecnologia. Isso está sendo estruturado para o próximo ano.

Em que pé estão as discussões sobre o metaverso na indústria brasileira? Como isso funcionaria na prática?

Podemos dizer que é uma cópia, uma segunda via digital. Esse conceito complexo que ainda está sendo construído e é uma grande aposta da indústria, por meio de "gêmeos digitais" você recria o ambiente e possibilita opções de trabalho que passam a se formar em torno da utilização de realidade virtual.

Viemos de uma sequência de dados fracos da produção industrial. A última pesquisa, de julho, apresentou uma retração de 0,6%. Apesar disso, ainda há uma ótica positiva para o segmento no PIB. Como você avalia esse cenário? Essa transformação digital seria um fator crucial para a recuperação da indústria que ainda opera em níveis abaixo do patamar
pré-pandemia?

Acontece que não basta olhar sob a ótica do PIB. Quando avaliamos o Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI), temos um índice de expectativas positivo, mas quando olhamos as condições atuais, as perspectivas são bem ruins. O empresário brasileiro ainda enfrenta muitos dilemas corriqueiros que se tornam uma dificuldade para o avanço da agenda tecnológica. Eles estão preocupados com a folha de pagamento, a confusão tributária e trabalhista. Quando falamos em 5G e difusão tecnológica, em meio a esses problemas, acabam se tornando uma dificuldade para o avanço dessa discussão. No momento temos um dado ruim da indústria, mas teremos também um período de sazonalidade natural com a produção dos estoques para Black Friday e Natal, por isso, essas perspectivas melhores para o PIB. Além disso, tivemos uma boa resposta em uma pesquisa de empresas que se transformaram digitalmente; essas cresceram duas vezes mais rápido. Logo, se todas as empresas no Brasil passassem por esse processo, o nosso PIB aumentaria muito mais rápido, por isso, essa é a grande aposta.

A neoindustrialização é uma das prioridades do PPA (Plano Plurianual), com o objetivo de direcionar o país rumo a uma economia descarbonizada. Tem se discutido concretamente planos para a retomada da indústria neste sentido?

Pelo menos desde 2015 ou 2016, nós estávamos sem uma política industrial, é um fato. É importante esse direcionamento do governo, inclusive no orçamento público, para dar um norte, mais estabilidade e segurança jurídica no caso específico da neoindustrialização. O governo tem trabalhado com missões e o PPA tem postos superimportantes, o país não tinha uma instância de articulação e coordenação de esforços governamentais na área industrial. As políticas industriais até 2015 eram setoriais, essa é uma observação importante. Todo mundo que não se vê na missão acha que a política Industrial não está sendo feita e é um ponto que precisa ser cuidado ao considerar o benefício de todos os setores estratégicos da economia. Tivemos recentemente o incentivo ao setor automotivo, sempre que temos um setor que se considera estratégico e não se vê na política Industrial, isso gera um problema. É uma questão de racionalidade econômica e interação política.

Falando em interação política, não há como não mencionar a reforma tributária. Quais as expectativas para o setor industrial com a pauta?

Temos uma perspectiva bastante positiva, a vontade de reduzir imposto é uma unanimidade e, no ponto de vista da indústria, será ótimo. Temos dados da ABDI que dividem a economia em setores e apontam que a indústria acaba pagando mais proporcionalmente, ninguém quer pagar mais ou menos, só queremos que a conta feche. Com o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual e a simplificação dos impostos, será bom para todo mundo.

E sobre as discussões de uma possível divisão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior para englobar as micro e pequenas empresas, como você avalia?

Temos um contrato de gestão com o governo federal, firmado com a União por meio do Ministério do Desenvolvimento. A nossa relação é com a União, o que importa é que a gente siga esse contrato, com planejamento estratégico independentemente do ministério que fará essa gestão. O que interessa para a ABDI são os rumos da indústria 4.0.

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