Para os especialistas que participaram nesta terça-feira (22) do Correio Debate, há uma relação direta entre aumento de carga tributária e o aumento do comércio irregular ou contrabando de produtos. Os analistas entendem que uma mudança no sistema de tributação, em análise no Congresso Nacional, não pode ampliar o peso dos impostos. Do contrário, os consumidores serão induzidos a comprar produtos marcados pela ilegalidade.
O presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), Edson Vismona, lembrou que a questão da ética concorrencial é uma das grandes preocupações dos investidores que se atentam em respeitar as regras do mercado interno brasileiro. "Temos empresas que operam no Brasil sem respeitar qualquer regra", lamentou o executivo, durante o primeiro painel do seminário. Segundo ele, a ilegalidade desestimula o investimento de quem tenta respeitar as regras no país.
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Vismona defendeu políticas públicas voltadas para o combate à ilegalidade. "Estamos entregando as pessoas para o tráfico e o contrabando", apontou. Ele lembrou que a indústria de cigarros é uma das mais prejudicadas pelo mercado ilegal, com a atuação de empresas estruturadas em falsificar produtos, burlar a tributação e até impor trabalho escravo. "Temos indústrias estruturadas para não pagar imposto. Infelizmente, temos esse padrão de participação no mercado dessas empresas com lógica criminosa, que atende a quem busca comprar produtos mais baratos", disse.
Elasticidade
Convidado para integrar o primeiro painel, o economista e pesquisador da economia do crime Pery Shikida analisou a relação entre aumento de carga tributária e a ampliação do comércio ilegal de tabaco.
Para explicar essa relação, ele usou o conceito de elasticidade. Segundo o economista, como existe um comércio secundário de cigarro, esse mercado apresenta um comportamento elástico. A ampliação da tributação reduz o consumo legal do produto, portanto gera uma queda na arrecadação. Ao mesmo tempo, estimula o comércio clandestino do tabaco.
Ineficiente do ponto de vista arrecadatório, o aumento da carga tributária prejudica ainda, segundo Shikida, os efeitos esperados de políticas públicas para reduzir o consumo desses produtos prejudiciais à saúde. "Se o governo queria diminuir o consumo e arrecadar mais, o tiro saiu pela culatra", comentou o economista.
Shikida descreveu ainda o atual cenário do comércio ilegal de tabaco. Citou o Paraguai, país vizinho que envia 95% da produção de cigarro por meio de contrabando para o Brasil. "O Paraguai consome apenas 3% dos cigarros e exporta legalmente apenas 2%. O resto é contrabandeado no Brasil. São 65 bilhões de cigarros contrabandeados sem pagar impostos e com um efeito perverso para toda a sociedade", apontou o economista.
Shikida disse que, enquanto o cigarro no Brasil paga entre 70% e 90% de imposto, no Paraguai, a tributação gira na ordem de 13% — o que torna o contrabando do produto ainda mais lucrativo aos criminosos.
Ele também lembrou que medicamentos e agroquímicos também são produtos que têm uma grande participação no mercado ilegal — com o agravante de que podem ter efeitos ainda mais nocivos à sociedade pela falta de controle e regulação dos produtos consumidos.
Ataque à inovação
Também convidado para o Correio Debate, o auditor-fiscal da Receita Federal Roni Peterson Bernardino analisou os prejuízos do contrabando e do mercado de produtos ilegais no setor produtivo legalizado. Segundo ele, essas atividades clandestinas têm desestimulado a inovação do comércio brasileiro. "Desenvolver um novo produto e uma nova tecnologia custa caro. Custa tempo, esforços, oportunidades. (O contrabando) é terrível para uma economia quando você mitiga o desenvolvimento e a inovação. Precisamos avançar no combate a essas fraudes", disse.
Bernardino mencionou alguns produtos que mais sofrem com esse mercado ilegal: "Cigarros, vestuário, óculos, relógio, agrotóxicos e brinquedos. Há uma diversidade enorme de produtos e esses são só os principais. Existem inúmeros em menor escala", alegou.
Para o auditor, a reforma tributária deve ter uma grande contribuição no combate ao contrabando. Segundo ele, é importante manter uma carga tributária neutra, de modo que os impostos não desestimulem o mercado legal. "Reduzir é um sonho. Mas não é simples, porque nós temos despesas para arcar. Reduzir envolve uma discussão maior. O que se pretende é manter a carga tributária e, em um momento posterior, quem sabe, uma segunda discussão. Neste momento é a manutenção o nosso objetivo", disse.
Bernardino destacou ainda o crescimento exponencial de apreensões de cigarros eletrônicos. "Vimos recentemente um salto exponencial nas apreensões de cigarros eletrônicos, um produto recentíssimo que nem mesmo está regulamentado. Em 2019 foram 24 mil itens apreendidos. Em 2021 foram 450 mil; e o número de 2022 é ainda muito maior", alertou. "Vejam a exponenciação desse mercado. E isso ocorre também com outros", finalizou.