Apesar de ser considerada estratégica para o governo federal e para o Estado Brasileiro no escoamento de produtos agrícolas para a Região Norte e para o exterior, a construção da Ferrogrão enfrenta um enorme desafio no âmbito social e ambiental. De acordo com estudo feito pelo InfoAmazonia, em parceria com o portal O Joio e O Trigo, a nova linha ferroviária afetará pelo menos seis terras indígenas, 17 unidades de conservação e três povos isolados.
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Todas as seis terras indígenas que podem ser impactadas pela Ferrogrão estão localizadas no Pará. São elas: Praia do Mangue, Praia do Índio, Sawré Muybu, Baú, Menkragnoti e Panará. O estado também abriga três povos isolados: os Pu'rô, os Isolados do Iriri Novo e os Mengra Mrari. Ao todo, 2,6 mil pessoas vivem nessas áreas, que abrangem 25 municípios do mato-grossenses e paraenses.
Desde 2016, quando a ferrovia ainda era um projeto distante, os indígenas da região buscam uma interlocução mais efetiva com o poder público. No mesmo ano, o presidente do Instituto Kabu, Doto Takak Ire, acompanhado pelo povo Kayapó, se reuniu com o então senador Blairo Maggi, idealizador da proposta. No entanto, com a chegada do ex-presidente Michel Temer ao poder, as conversas cessaram e, desde então, os indígenas não foram ouvidos sobre o assunto.
Takak Ire afirma que os Kayapó e outros povos que vivem ao redor do possível traçado da Ferrogrão estão fazendo de tudo para garantir novamente a interlocução com o governo federal, agora sob o comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O principal receio dos indígenas está no aumento das plantações de soja ao longo do percurso por onde os trilhos devem passar.
"Qualquer empreendimento ao redor da terra indígena, os indígenas vão ter que ser ouvidos. Se caso o governo não ouvir a gente, a gente vai ter que montar uma aldeia em cima do traçado da Ferrogrão. Então vai ser assim, se o cara não quiser, é aí que eles vão ter que passar por cima da gente para poder construir", alertou o presidente do Instituto Kabu.
No governo Lula, ainda há divergências em relação ao tema. Enquanto o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, manifesta estar mais convencido a apoiar a realização da obra, a chefe da pasta dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara defendeu, em maio, que a Advocacia Geral da União (AGU) revise a alteração nos limites do Parque Nacional do Jamanxim, aprovado por meio de Medida Provisória.
No entendimento da ministra, as alterações feitas no parque não poderiam ser estabelecidas através desse artifício previsto na lei. Durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, a AGU se manteve favorável à redução da área do Parque do Jamanxim. Para a missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso, Natália Filardo, há muito interesse em expandir a área destinada à agropecuária no norte do Mato Grosso e no sul do Pará.
"Não é só a estrutura em si. Essa região em que a Ferrogrão está sendo instalada é a nova fronteira agrícola. É uma fronteira agrícola em expansão. A gente está vendo essa região ter índices de desmatamento altíssimos e, com a construção da ferrovia e o avanço do agronegócio para essas áreas, o impacto vai ser muito maio", avalia a missionária.
Além da Ferrogrão, outras ferrovias que cruzam o Mato Grosso podem sair do papel. A EF-354, chamada de Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), e Ferrovia Autorizada de Transporte Olacyr de Moraes (FATO) aguardam autorização para início das obras.
Em junho, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) realizou um encontro reunindo lideranças indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, que elaboraram uma carta protocolada no STF, contra o início das obras da Ferrogrão. "A gente está vendo tudo isso acontecer sem o Estado seguir a legislação, que é consultar os povos e explicar diretamente o que vai acontecer", critica Filardo.