O impacto da reforma tributária na economia ainda não está totalmente claro, de acordo com especialistas que participaram do seminário Correio Debate: Reforma tributária, realizado, nesta terça-feira (22), pelo Correio Braziliense em parceria com o Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). Mas parlamentares garantiram que não será aprovado um texto que implique aumento da carga tributária.
A elevação do nível de impostos teria o efeito de não apenas prejudicar o crescimento da atividade econômica legal, mas também de estimular a falsificação e o contrabando. Conforme levantamento do Fórum, somente em 2022, a ilegalidade provocou R$ 410 bilhões em perdas para empresas e os cofres públicos. Desse total, R$ 130 bilhões são uma estimativa conservadora da entidade sobre a perda de arrecadação da União com tributos que deixam de ser recolhidos.
O deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) — relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2019, que foi aprovada pela Casa no primeiro semestre e, agora, tramita no Senado Federal — garantiu que a principal preocupação é preservar o impacto neutro na primeira etapa da reforma, voltada para a tributação do consumo.
"Nós fizemos um IVA que garante a simplificação tributária, que é do que nós precisamos, e garante uma legislação única, mesmo com IVA dual. Nós deixamos um controle dentro do texto, de alíquota, que não permite subir a carga tributária", garantiu o relator.
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A expectativa, segundo Ribeiro, é que a PEC seja aprovada até o fim deste ano e, até o início de 2024, um novo sistema tributário seja consagrado no país. Na visão do relator, haverá maior transparência nos impostos cobrados, com seletividade em alguns produtos e serviços, ajudando a diminuir o contrabando. Com a implementação da nova norma fiscal, abre-se espaço para que se discuta a tributação sobre renda e patrimônio.
Na avaliação do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), o Congresso deve promulgar a reforma tributária até o fim de outubro. Para que não haja atrasos nessa previsão, Lopes, que foi coordenador do grupo de trabalho que discutiu a matéria na Câmara dos Deputados, acentuou que tanto ele quanto Aguinaldo Ribeiro permanecem acompanhando o debate no Senado.
"Cashback combaterá sonegação"
Para o deputado petista, o mecanismo do cashback funcionará como instrumento de combate à sonegação e à informalidade, porque, ao devolver crédito tributário ao cidadão, a reforma acaba por estimular que ele pague impostos. "Reduzir (a alíquota de produtos e serviços essenciais) é positivo. Mas, ao deixar uma margem para devolver o imposto para pessoas de menor poder econômico, aí sim, se combate a sonegação, o contrabando, a informalidade. Porque vai dar ao cidadão a consciência tributária", comentou.
Lopes disse que a reforma tributária sobre o consumo trará mais eficiência para os setores econômicos. Na avaliação dele, um dos principais motivos da desindustrialização do país foi a complexidade do atual sistema de impostos. "O que está em jogo é o futuro do país, numa realidade em que o Brasil perdeu o bônus demográfico. Não produzimos riqueza nem renda per capita necessária para fazer a travessia do envelhecimento populacional", lamentou.
Jogo de ganha-ganha
Coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma no Senado, Efraim Filho (União-PB) reconheceu que a mudança no atual sistema de impostos é uma oportunidade para transformar o "jogo de perde-perde" do contrabando em um "jogo de ganha-ganha" tanto para o setor produtivo quanto para o governo, que pode impulsionar a arrecadação sem aumentar impostos. Para isso, é preciso aliar a mudança no modelo tributário a medidas mais duras de combate ao mercado ilegal, de acordo com o senador.
Efraim Filho admitiu que os chamados "impostos do pecado", cobrados sobre produtos considerados prejudiciais, podem incentivar o contrabando de itens como cigarros e bebidas alcoólicas. "O contrabando é um jogo de perde-perde. Ele deteriora o mercado de trabalho formal. Gera a evasão de divisas. Incentiva a sonegação fiscal. Gera riscos à saúde e à integridade do consumidor. Piora o ambiente de negócios. Coíbe e inibe a atração de investimentos", afirmou.
Perdas de 4,1% do PIB
O senador cogitou, por exemplo, uma espécie de diferenciação para uma marca mais popular de cigarro como uma alternativa para combater o contrabando, enquanto as demais teriam a taxação mantida com o "imposto do pecado". A medida foi elogiada pelo presidente do FNCP, Edson Vismona, em entrevista ao Correio (leia abaixo). Na abertura do evento, Vismona lembrou que as perdas com a ilegalidade no país representam 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB), praticamente o dobro da média dos países da América Latina.
"Qualquer política pública tem que considerar isso. A média latino-americana é de 2% do PIB", disse o presidente do Fórum. Segundo dados da entidade, desde o início do levantamento, em 2014, houve um salto de 300% no volume de perdas do setor. No primeiro ano do estudo, os prejuízos para as empresas e os cofres públicos somaram R$ 100 bilhões. "É um crescimento absurdo. Nenhum setor produtivo teve essa evolução", destacou Vismona.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
EDSON VISMONA,
presidente do Fórum
Nacional contra a
Pirataria e a Ilegalidade
Qual sua avaliação do seminário?
Foi uma excelente oportunidade de tratarmos de um tema sensível que, muitas vezes, é esquecido, que é o impacto da questão tributária para o crescimento ou contenção do mercado ilegal. Sabemos que uma reforma tributária não pode, de forma alguma, ter aumento de carga tributária. Isso foi enfatizado não só pelos nossos debatedores, mas, especialmente, pelos nossos parlamentares, que mostraram a necessidade de que a neutralidade do impacto seja garantida. Se houver aumento de tributos, isso impacta imediatamente no mercado, incentiva o ilegal, incentiva o contrabando, financia organizações criminosas. Isso foi muito bem esclarecido no seminário. Defendemos aqui meios de incentivar a produção, o comércio e o desenvolvimento brasileiros, e de coibir o crescimento da ilegalidade, que é fundamental.
O senador Efraim Filho
(União-PE) cogitou uma diferenciação de taxa para uma marca de cigarro mais popular para competir com o contrabando. Isso pode ajudar no combate à ilegalidade?
Se tivéssemos uma marca que pudesse ter uma carga tributária um pouco menor, mantendo a carga tributária do cigarro elevada como um todo — porque é assim que tem que ser, pelos compromissos internacionais que nós temos —, mas uma marca forte, como salientou o senador Efraim, para que se possa combater o contrabando, isso seria muito importante. Nós reduziríamos o espaço de competitividade do contrabando de cigarros no Brasil e, com isso, aumentaríamos a arrecadação e a segurança do consumidor, que teria acesso a um produto regulado, que atende às normas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). E também diminuímos o espaço das organizações criminosas que operam no contrabando de cigarros, e das milícias. O que o senador falou é o ganha-ganha, uma proposta importantíssima e inovadora, que ajudaria a combater o contrabando, que é a nossa missão.
O senhor comentou, durante um dos painéis, que as milícias incentivam o contrabando e a pirataria dentro das comunidades, impedindo até o comércio de produtos legais. Como combater isso?
A milícia ocupa e domina o território. Ela tem proibido a venda de produtos legais. Veja só o absurdo. O Estado sendo contrariado. É uma afronta a qualquer política pública, porque, quando uma milícia, uma organização criminosa ocupa territorialmente uma comunidade, é ela que dita as regras e se financia com a venda de produtos ilegais. E aí vem a pirataria da internet, os gatos de energia que levaram a Light a uma situação econômica extremamente difícil, o contrabando de cigarros, que é a moeda mais rápida que eles têm, de liquidez imediata. Tudo está atrelado. Nós temos que identificar claramente essa visão de forma ampla e fazer um combate sistemático. Todas as propostas devem ser colocadas à mesa para coibir o avanço da ilegalidade no nosso país. (RH)
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