A reforma tributária pode ser o "Plano Real" do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem dito o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e chefe de pesquisa econômica do Julius Baer Family Office.
Ele faz referência à reforma econômica implementada no Brasil em 1994, durante o governo de Itamar Franco, que colocou fim a mais de uma década de hiperinflação, abrindo espaço para o país retomar sua trajetória de crescimento nos anos seguintes.
"Acredito que não vai ter um impacto imediato tão grande quanto o Plano Real teve na pobreza. Porque, de fato, a inflação é o ‘pior imposto’: muito regressiva e afeta muito os mais pobres", diz Pessôa. "Mas, se considerarmos uma janela um pouco mais longa no tempo – de 10, 15 anos –, o impacto sobre a produtividade e sobre a organização da economia é equivalente", acrescenta.
Pessôa é parte de um grupo de mais de 60 economistas que assinaram nesta semana um manifesto em defesa da reforma tributária.
Numa demonstração da diversidade do apoio à mudança, o documento reuniu nomes como Laura Carvalho, que assessorou Guilherme Boulos em sua campanha à presidência pelo PSOL em 2018; Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda de Lula e Dilma entre 2006 e 2015; Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e considerado um dos "pais" do Plano Real; além do próprio Pessôa, um liberal de longa data, mais associado à agenda econômica do campo político da direita.
Em entrevista à BBC News Brasil às vésperas da votação de reforma no Congresso, Pessôa falou sobre a longuíssima janela de transição da reforma tributária, de 50 anos; sobre a polêmica com governadores e prefeitos nos últimos dias; e sobre a carta de um outro grupo de economistas, que classificou a proposta de reforma atual como uma "das piores da história".
Também admitiu ser um dos economistas que subestimaram o crescimento do país neste ano e teceu elogios ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad — que foi seu colega de escola e mestrado na USP —, apesar de prever que Lula entregará o país em 2026 com dívida maior do que encontrou.
A reforma tributária atualmente em discussão na Câmara tem como objetivo simplificar a cobrança de impostos no país, unificando cinco tributos que incidem sobre o consumo – PIS, Cofins, IPI (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) – em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
O plano do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é votar a reforma no plenário em primeiro turno ainda nesta quinta-feira (6/7). A proposta precisa de ao menos 308 votos para passar.
Como se trata de uma PEC (Proposta de Emenda a Constituição), o texto tem que passar por uma segunda votação na Câmara antes de seguir ao Senado.
Apesar de seu entusiasmo com essa primeira fase da reforma, Pessôa se diz descrente quanto à segunda etapa prometida pelo governo petista. Nela, seriam feitas mudanças na tributação sobre renda e dividendos, com o objetivo de reduzir a desigualdade no país.
"O problema é o seguinte: a gente ainda não está pronto para essa conversa", diz Pessôa.
"É impossível mexer na desigualdade da tributação de renda se a gente não pegar aquelas pessoas que são ricas, mas se consideram ‘de classe média’. Que, na verdade, somos todos nós. É difícil você se olhar no espelho e saber que você é o rico, você é quem paga pouco imposto."
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - No início deste ano, o senhor escreveu que a reforma tributária pode ser o Plano Real do governo Lula 3. O que o senhor quis dizer com isso?
Samuel Pessôa - A premissa é que a estrutura de impostos indiretos do Brasil – por sua elevada complexidade, enorme custo de conformidade, enorme nível de litigiosidade – gera impactos sobre a eficiência econômica e um mal funcionamento da economia.
São efeitos parecidos com os impactos ruins produzidos pela hiperinflação.
Lá atrás, as empresas tinham que ter escritórios financeiros enormes. E em cada esquina, tinha uma agência bancária que não fazia nada, só ajudava as pessoas a conviver com a inflação. Então tinha um monte de recursos da economia que não produziam nada.
Hoje, temos uma complexidade tributária gigantesca – e aqui eu estou falando só dos impostos indiretos: ISS, ICMS, Pis, Cofins, IPI, que são uma zona. Então as empresas têm que ter departamentos de contabilidade gigantescos e gera muito litígio, porque tem muita zona cinzenta.
Tudo isso faz com que o Brasil tenha um passivo tributário que é [equivalente a] quase 60% do PIB. Qualquer país normal tem 1%, 2% no máximo, então 60% do PIB de passivo tributário é insano.
Se a nossa estrutura tributária fosse normal, um monte de recursos das empresas e da sociedade que está sendo gasto só processando pagamento de litígios iria fazer coisas mais úteis – progresso tecnológico, inovação, redução de custos etc.
BBC News Brasil - A ideia então é que a aprovação da reforma pode ter um efeito parecido com o do Plano Real? Quer dizer, podemos ver a economia ficando mais organizada, ter mais crescimento? Qual é o efeito prático?
Pessôa - É exatamente isso que você falou, rigorosamente isso. Acredito que não vai ter um impacto imediato tão grande quanto o Plano Real teve na pobreza. Porque, de fato, a inflação é o "pior imposto" que tem. Porque ela é muito regressiva e afeta muito os mais pobres.
Então acho que aquele impacto imediato que houve [do Plano Real] na pobreza não deve haver.
Mas se considerarmos uma janela um pouco mais longa no tempo – de 10, 15 anos –, o impacto sobre a produtividade e sobre a organização da economia é equivalente.
BBC News Brasil - Entrando nessa questão temporal, a reforma prevê uma fase de transição longa, com a extinção dos impostos atuais e uma migração para um IVA dual entre 2026 e 2032 e a transição da cobrança de impostos da origem para o destino em 50 anos, de 2029 até 2078. Mesmo com esse horizonte longo, haverá benefícios já no governo atual?
Pessôa - Eu acho que essa questão das duas transições é o "Ovo de Colombo" dessa reforma [expressão usada para uma solução aparentemente complexa e difícil, mas que se revela simples e fácil]. É uma ideia genial.
Queremos uma reforma que torne a vida das empresas mais fácil, que torne mais fácil fazer negócio no país. Agora, imposto tem duas pontas: uma do contribuinte, que paga, e outra do ente da federação, que vai receber o imposto. Essas duas pontas não precisam andar juntas o tempo todo.
Esta reforma vai mudar muito, para muito melhor, a estrutura tributária. Mas ela mexe na estrutura federativa, em quem recebe e quem deixa de receber. Ela não é neutra do ponto de vista dos Estados.
Então a ideia, ao separar as duas transições, é dar tempo – muito tempo – para os Estados se adaptarem às novas estruturas de recebimento e também dar tempo para os efeitos benéficos da reforma virarem crescimento econômico. E crescimento é um jogo de ganha-ganha.
A reforma que importa do ponto de vista de eficiência econômica é a ponta do contribuinte. O objetivo é simplificar aí. Como a gente resolve o problema federativo é outra questão.
Se eu tratar essas duas questões como uma só, no mesmo horizonte temporal, eu aumento muito as restrições políticas à aceitação da reforma. Então, ao separar essas duas pontas e eu ter dois horizontes de tempos diferentes, porque são duas transições, eu facilito muito o processo de tramitação dessa reforma do Congresso Nacional.
BBC News Brasil - Mas o atual governo vai coletar algum impacto?
Pessôa - Essas reformas demoram um tempo para maturar, não vai maturar no horizonte de três anos. Em sete anos, já começa, em três anos não.
Mas a aprovação dessa reforma vai fazer com que o mundo olhe para a gente com olhos muito melhores, porque vai sinalizar várias coisas.
Primeiro, ela sinalizará uma saúde da nossa democracia. Que, com toda nossa complexidade federativa e tributária, nosso Congresso funcionou e ele conseguiu tomar uma decisão que tem perdas no curto prazo – mesmo que pequenas, têm – e conseguiu aprovar uma grande reforma que interessa ao coletivo. Esse é um sinal ótimo.
E sinaliza que, daqui a cinco, seis anos, fazer negócio no Brasil vai ficar muito melhor. As empresas já vão se antecipar e isso deve gerar um impacto sobre risco-Brasil [indicador que mede o grau de confiança dos investidores no país].
Esse é o efeito mais imediato: uma melhora de percepção, de expectativas. No âmbito econômico, a gente vai ter uma melhora imensa no horizonte de sete anos. E a gente vai colher, num horizonte de 15 anos, uma taxa de crescimento da produtividade do trabalho maior.
BBC News Brasil - O Brasil discute essa reforma desde a década de 1990, com várias tentativas fracassadas. O que mudou desde então e por que parece agora haver um sentimento de que "agora vai", com economistas tão diversos como Laura Carvalho, Guido Mantega, o senhor e o Armínio Fraga assinando um manifesto juntos a favor da reforma?
Pessôa - Primeiro, acho que, neste tema, nós nunca discordamos. Porque é uma questão de microeconomia. A gente discorda mais em geral em macro.
[A microeconomia trata do âmbito das empresas, famílias e indivíduos, enquanto a macroeconomia trata da economia nacional, regional ou global.]
A gente discorda na capacidade da política fiscal gerar crescimento; se maior ou menor mobilidade de capital é bom ou ruim; se intervenção no câmbio é bom ou ruim. Mas, com relação à eficiência da estrutura dos impostos indiretos, todo mundo pensa igual.
Então acho que o que mudou não foi entre os economistas, foi na política.
Primeiro, desde que o Brasil entrou naquela enorme crise [de 2014], estamos fazendo reformas, desde o primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma, em 2015.
E essa reforma tem um processo, ela já andou. Em 2019, ela foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e depois parou. Então tem um processo de acúmulo.
Além disso, tem um outro fato: São Paulo, no governo [João] Doria, resolveu entrar na guerra fiscal, dando benefícios para as empresas se instalarem aqui. E quando São Paulo entra na guerra fiscal, ela meio que perde sentido, e aí os governadores começam a olhar com bons olhos a reforma tributária.
Então acho que tem um amadurecimento do sistema político, o fato de São Paulo entrar na guerra fiscal, e a própria agenda de reformas andando.
Além disso, parece haver um grande comprometimento do presidente da Câmara, Arthur Lira [PP-AL], que quer deixar esta reforma como um legado.
BBC News Brasil – O senhor entrou na questão dos governadores. Queria saber como o senhor avalia o impasse com governadores e prefeitos, que temem perder autonomia e recursos com essa reforma? O senhor acredita que a ideia da criação do Conselho Federativo [órgão que ficaria responsável pelo recolhimento e distribuição do IBS, imposto que substituirá o ICMS estadual e o ISS municipal] pode acabar sendo abandonada?
Pessôa - Eu acredito que o melhor é essa redistribuição dos recursos ser feita da forma mais automática possível. Com nota fiscal eletrônica é tudo apurado eletronicamente, os créditos, os débitos, o que é devido àquele Estado, àquele município. Então acredito que esse novo imposto deveria ser [redistribuído] de forma centralizada e da forma mais automática possível.
De fato, tem uma perda de autonomia dos entes da federação, mas estamos numa federação disfuncional. A federação existe para servir aos cidadãos e não os cidadãos para servir à federação. Se a federação está gerando subdesenvolvimento, baixo crescimento, a federação tem que se adaptar.
Do ponto de vista econômico, o grau de autonomia é correto: cada ente da federação vai estabelecer sua alíquota. Essa autonomia está preservada.
Agora autonomia para fazer favor com chapéu alheio, gerar um sistema disfuncional que impede o crescimento da produtividade, essa não interessa a ninguém.
BBC News Brasil - Mas parece que os governadores não estão satisfeitos.
Pessôa - Aí é uma questão das pessoas que estão tocando a reforma mostrar o texto da reforma, mostrar que essa transição longuíssima de 50 anos tem lá um seguro para os Estados que podem perder mais. Tem que fazer o convencimento e a disputa política.
Mas parece que alguns governadores que estavam com comportamento muito agressivo contra a reforma já mudaram um pouco o tom nos últimos dias. Acho que eles já estão se entendendo lá.
[O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), parte do grupo de governadores mais resistente à reforma, na quarta-feira (5/7) já admitia a possibilidade de apoiar a cobrança centralizada de imposto na reforma tributária, indicando abrir mão de sua proposta de uma Câmara de Compensação para eventuais perdas arrecadatórias para os Estados.]
BBC News Brasil – E quanto às críticas do grupo de economistas formado por Everardo Maciel, Felipe Salto, Marcos Cintra, Jorge Rachid e outros, que afirmam que a atual proposta de reforma é "das piores da história" e apontam problemas como a excessiva complexidade do novo sistema e a indefinição das alíquotas? Como o senhor viu as críticas desse grupo?
Pessôa - Vamos lá. Primeira crítica: complexidade. Quando eles falam de complexidade, parece que eles estão dizendo que a reforma é complexa. Mas, quando você lê o que eles escrevem, o que eles estão dizendo é que a transição é complexa. Eles acham isso.
Mas como eu disse a você, eu discordo. Eu penso, na verdade, que abrir em duas transições é o "Ovo de Colombo". É das melhores coisas dessa reforma, porque separa a questão federativa da questão de pagamento de impostos. O que importa para a complexidade é a primeira transição, não a segunda, e a primeira vai ser relativamente rápida. Então eu discordo deles.
A questão da alíquota, aí é uma loucura. Estamos discutindo uma proposta de emenda constitucional. Alíquota, depois a gente vai ter outros lugares [para discutir].
Aí eles dizem que a carga tributária vai subir. Carga tributária não é tema de economista tributarista. Carga tributária é tema do Congresso Nacional. A carga tributária será o que o Congresso Nacional quiser que ela seja, independente da estrutura de impostos. A gente não está discutindo carga tributária aqui, estamos discutindo eficiência arrecadatória.
A carga que nós teremos vamos definir pela alíquota, e quem vai definir a alíquota é o Congresso Nacional, as assembleias estaduais e as Câmara de Vereadores, junto com seus executivos. A decisão da carga tributária é uma decisão política e não é isso que a reforma discute, a reforma discute a estrutura dos impostos. Então achei esse argumento completamente descabido.
Na verdade, eu vi o texto e pensei: "Poxa, a reforma é muito boa". Porque, se as pessoas que mais discordam da reforma só são capazes de levantar aqueles argumentos, eu estou convencido de que a reforma é ótima. Fiquei mais favorável à reforma do que eu era antes de ler o texto deles.
BBC News Brasil - O senhor já falou em entrevistas no passado que governos de esquerda têm a tendência a querer fazer o ajuste fiscal através de aumento de arrecadação. Então queria saber se aprovar uma reforma tributária sem alíquotas definidas, junto com um arcabouço fiscal que tem um buraco de R$ 100 bilhões para ser viável, representa um risco. Quer dizer, a carga tributária pode acabar ficando maior por essa combinação de fatores?
Pessôa - Eu sempre achei que haveria um aumento de carga tributária. E eu sempre disse que aumento de carga tributária é absolutamente legítimo. Vamos lembrar que, no governo FHC, houve um aumento da carga tributária em 5 pontos percentuais do PIB e eu nunca critiquei o governo FHC por isso. Muito pelo contrário, eu vejo enormes méritos nos oito anos do governo FHC.
Mas acredito que o aumento da carga tributária vai vir de outras bases. Vai vir da tributação de renda, da distribuição de dividendos, dos regimes tributários especiais, "pejotinha", Simples, que são uma outra agenda. E acredito que essa agenda não está madura na atual legislatura.
Quando olho as contas públicas, eu vejo a dívida pública aumentando. Acredito que o Lula vai entregar lá em 2026 uma dívida pública 12 pontos percentuais do PIB maior do que a que ele recebeu do Bolsonaro. Essa foi a opção que o Lula fez, e o sucessor dele vai ter que se haver com uma dívida maior.
Eu acho que a reforma, essa dos impostos indiretos, ela vai ser neutra. Que não vai haver aumento de carga tributária.
Agora, como eu disse, se o Congresso Nacional, as assembleias legislativas estaduais e as câmaras de vereadores, junto com seus Executivos, tomarem decisões que aumentem a carga tributária de impostos indiretos, isso é absolutamente legítimo.
BBC News Brasil – O senhor acredita que, se de fato a primeira fase da reforma for aprovada, seja agora ou em agosto, vai haver fôlego político para a segunda fase, que seria essa reformulação dos impostos sobre renda, dividendos, etc?
Pessôa - Eu acredito que não. Acredito que essa fase não está madura, que não discutimos isso o suficiente. Acho que a reforma dos impostos indiretos avançou exatamente porque distributivamente ela é neutra, porque a carga não vai aumentar. Por isso ela está andando.
BBC News Brasil - Em termos das mudanças que afetariam a questão da desigualdade, essa pauta que se tornou tão premente na pandemia. O senhor pensa que, mesmo com esse ambiente criado pela pandemia, de o Brasil discutir mais suas desigualdades, discutir mais a pobreza, ainda assim, não seria o momento então ainda para conseguir aprovar essas mudanças?
Pessôa - Eu concordo perfeitamente com você, acho que estamos mais atentos ao problema da desigualdade. A pandemia chamou a atenção de todo mundo, tanto é que quase quadruplicamos o programa Bolsa Família. Até 2010, ele era [equivalente a] 0,45% do PIB, ele hoje é um 1,72%.
Tanto é que a menor desigualdade da história do Brasil – da história que a gente tem dados – foi 2022. Quando o presidente era de extrema direita, liberal etc. Então isso mostra que a sociedade se preocupou e o Congresso teve um papel importante nisso.
BBC News Brasil - Mas então o senhor não acha que esse mesmo caldo de cultura também poderia tornar esse Congresso mais propenso a discutir a questão da desigualdade nos tributos?
Pessôa - Eu acho que sim, mas o problema é o seguinte: é que a gente ainda não está pronto para essa conversa.
Vou te dar um exemplo. É assim: quando a gente fala no geral, todo mundo concorda. Quando vai no caso específico, aí o calo de todo mundo dói. Porque quem está lá no Congresso, não é pobre, todo mundo lá tem a sua "pejotinha", tem o seu Simples.
A gente sabe que um dos regimes tributários mais responsáveis por reduzir o grau de progressividade da estrutura de impostos no Brasil é o Simples. Mas olha quando o Congresso vai votar elevação do nível de faturamento requerido para que uma empresa pode se enquadrar no Simples. Quando tem votação disso na Câmara, do PSOL ao PL, todo mundo aprova.
Eu sou visto como um cara meio de direita, liberal, já escrevi um monte de coluna contra o Simples, e não acontece nada. O Congresso Nacional inteiro apoia o Simples.
Pega os profissionais que têm as suas "pejotinhas". Vão aumentar o imposto nas "pejotinha"? Consultor, economista, engenheiro, médico, advogado...
O problema dessa discussão é que todo mundo acha que essa desigualdade dos impostos é porque tem um monte de Jorge Paulo Lemann ou Beto Sicupira [dois dos homens mais ricos do país, acionistas de empresas como Ambev, Americanas, Kraft Heinz e Burger King], um monte de bilionário que não paga nenhum imposto.
E o bilionário é sempre alguém mais rico do que eu, independentemente da renda que eu tenho. Ninguém se acha rico no Brasil. Rico é sempre alguém mais rico do que ele, e é essa pessoa que não está pagando imposto.
Então é impossível mexer na desigualdade com tributação de renda se a gente não pegar aquelas pessoas que são ricas, mas se consideram, "de classe média". Que, na verdade, somos todos nós.
Então, o que estou dizendo é que, quando o debate chega nessa discussão mais difícil, ele não anda.
Porque é difícil você se olhar no espelho e saber que você é o rico, você é quem paga pouco imposto. É por isso que a gente acha normal pagar mensalidade escolar, usar hospital caro e deduzir do nosso Imposto de Renda.
Sem mexer nessas coisas, não vai mexer na desigualdade pelo lado do tributo.
BBC News Brasil - O senhor foi colega do ministro Fernando Haddad, de Colégio Bandeirantes e depois de FEA-USP [Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo]. Como avalia a atuação do ministro à frente da Fazenda até aqui?
Pessôa - O ministro está indo bem. Ele recebeu uma situação muito difícil, porque o presidente Lula resolveu inverter a ordem normal do ciclo político. No ciclo político, normalmente, você começa o governo com pé no freio do gasto, arruma a casa macroeconômica, e termina o governo gastando mais. Ele [Lula] inverteu, então o ministro teve uma situação difícil.
Mas eu acho que ele administrou bem. Ele fez uma coisa importante: estabeleceu uma agenda.
Marco fiscal, reforma tributária, medidas tópicas de combate a planejamento tributário [estratégia usada por empresas para pagar menos impostos dentro da lei] e a reforma dos impostos de renda.
Ele colocou a agenda e o Congresso está tocando. Um governo que tem uma agenda, principalmente quando a agenda é correta, ele tem um rumo e vai bem. Vai conseguir entregar tudo? Não vai. Mas se ele entregar 40%, está ótimo.
BBC News Brasil - Por fim, estamos vendo revisões enormes das estimativas de crescimento [do PIB em 2023]. Tem economistas fazendo ajustes que vão de estimativas abaixo de 1% para 2,5% ou até 3%. O senhor está entre os economistas que foram surpreendidos pelo crescimento esse ano?
Pessôa - Eu fui surpreendido. Meu número [para o crescimento do PIB em 2023] era 1% e hoje é 2%
Metade dessa surpresa foi uma agropecuária ainda melhor do que eu imaginava. A outra metade é uma resiliência do consumo de serviços maior do que eu esperava.
Mas acho que vai ser 2%, não vai ser 2,5%, não vai ser 3%, talvez nem 2%. Talvez seja alguma coisa mais próxima de 1,8%.
BBC News Brasil - Por quê?
Pessôa - Porque os juros estão batendo, a economia está acelerando e o mundo não está uma maravilha. Tem inflação alta e tem que trazer a inflação para baixo. A inflação caiu bem, mas a inflação de serviços ainda não caiu e a taxa de desemprego está muito baixa. Então há pressões inflacionárias, e é por isso que os juros estão onde estão.
Não é porque o [presidente do Banco Central] Roberto Campos Neto foi tesoureiro do Santander, como os economistas de esquerda dizem. Os juros estão onde estão porque a demanda no Brasil é forte, a inflação é forte e a taxa de emprego está baixa, nas mínimas históricas, chegando em 8%.
BBC News Brasil - Mas o senhor acredita que já se criou o ambiente para a taxa básica de juros começar a cair a partir de agosto, como a maioria do mercado parece acreditar?
Pessôa - Acredito que sim, mas que vai ser uma queda bem lenta.
E aí quando o Roberto Campos vir que a desinflação veio, talvez ele acelere o passo lá para meados do ano que vem. Eu enxergo Selic a 10%, 9,5% em dezembro do ano que vem.