Às vésperas da 5ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) deste ano, que começa nesta terça-feira (1/8) e termina na quarta (2/8), não há dúvidas entre analistas e agentes financeiros de que o Banco Central (BC) iniciará um novo ciclo de redução da taxa básica de juros, a Selic, que está em 13,75% ao ano desde agosto de 2022. As dúvidas são sobre o tamanho do corte, com as apostas do mercado divididas entre 0,25 e 0,50 ponto percentual. A possibilidade de uma redução maior é praticamente descartada pelos analistas.
A maioria dos economistas ouvidos pelo Correio acredita numa diminuição de 0,25 ponto na Selic, que cairia para 13,50%, e numa posterior queda gradual, mesmo com os indicadores de inflação em franca desaceleração. Incertezas econômicas, piora nas contas públicas e ruídos políticos são alguns dos alertas que embasariam a postura mais conservadora do BC.
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As atenções do mercado estarão voltadas para o comunicado que será divulgado pelo Copom na quarta-feira, pois a expectativa é de que a decisão sobre o novo patamar da Selic não será unânime. Há dois novos integrantes no colegiado: o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, e o diretor de Fiscalização, Ailton de Aquino Santos, os primeiros escolhidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não tem poupado críticas ao BC.
Com a previsão de um ciclo gradual de redução, analistas não descartam a possibilidade de a Selic chegar ao fim de 2024 ainda próxima de 10%. A mediana das estimativas do mercado coletadas pelo BC no boletim Focus prevê os juros básicos terminando em 12% neste ano, passando para 9,50% no fim do ano que vem.
Por isso, há muita preocupação no governo com a perspectiva de que a política monetária continue restritiva e segurando atividade econômica. Isso em um cenário no qual a politica fiscal precisará ser menos expansionista — e não apenas por conta do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária, que ainda não estão definidos, o que não permite estimar seu impacto sobre a despesa púbica. A certeza é de que o Produto Interno Bruto (PIB) vai desacelerar no ano que vem, ou seja, o governo vai arrecadar menos, enquanto os gastos permanentes não param de aumentar — um sinal amarelo para o Copom.
BC deve manter cautela e queda será gradual
As projeções do mercado para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, ainda estão acima do teto da meta deste ano, de 4,75%, o que pode significar o terceiro descumprimento consecutivo da meta pelo BC. Analistas recordam que, na ata da última reunião, em junho, o Copom sinalizou que poderia iniciar o ciclo de cortes em agosto, mas reforçou que o processo desinflacionário tende a ser lento e requer "parcimônia e cautela na condução da política monetária".
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, acredita que o comitê tem motivos para continuar cauteloso. O objetivo é alcançar o centro da meta de inflação, de 3%, em 2024. "A trajetória de inflação é claramente de queda, tanto a inflação cheia quanto os núcleos. A dúvida, para o Copom, é o ritmo de convergência para a meta. O Banco Central tem espaço para flexibilizar a taxa de juros. Isso é consenso. A questão é se vai cortar 0,25 ou 0,50 ponto percentual. Como os núcleos ainda estão rodando em um patamar de 6,5% a 7% ao ano, o Banco Central deve se manter cauteloso", diz Padovani.
Divergências no colegiado
Para Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, qualquer divergência na decisão do Copom será um péssimo sinal para o mercado. Por isso, ele acredita ser provável que o presidente do BC, Robero Campos Neto e Galípolo votem pela mesma intensidade da queda dos juros "para evitar um impacto negativo nos mercados e melhorar as expectativas e prêmios de risco".
Na avaliação dele, pode se repetir, no Copom, o pragmatismo mostrado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) na reunião de junho — quando Campos Neto, o ministro Fernando Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, votaram pela manutenção da meta de inflação de 3% para os próximos três anos, alterando apenas o prazo, que passou a ser contínuo e não mais vinculado ao ano calendário.
Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe da G5 Partners, destaca que os operadores de mercado estão mais otimistas do que os economistas nas projeções sobre o corte dos juros. Para ele, é muito difícil uma redução acima de 0,50 ponto percentual agora, pois a ata da última reunião indicou que há, no colegiado, um grupo mais cauteloso sobre a condução da política monetária. "Não é novidade essa cautela, e o dado do mercado de trabalho de sexta-feira (que indicou queda no desemprego, portanto, um fortalecimento da demanda) alimenta o discurso parcimonioso do Banco Central", frisa.
Preocupações com riscos fiscais e El Niño
Apesar de prever corte de 0,25 ponto percentual na Selic, Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, não descarta uma redução maior, de 0,50 ponto, tendo em vista os dados de inflação melhores do que o esperado. Contudo, faz algumas ressalvas.
"Há riscos para ano que vem que ainda são difíceis para o BC colocar na conta, especialmente o fenômeno climático El Niño, que pode elevar os preços das commodities de novo. É muito provável que a inflação fique acima de 3% em 2024. Talvez, o BC trabalhe com esse cenário de risco para ir com calma no processo de corte de juros. De qualquer maneira, vai ser uma decisão marcada por divergências que certamente ocorrerão com os novos diretores", observa Vale.
De acordo com José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, é preciso incluir nas apostas para o próximo Copom o ruído político provocado no mercado, na semana passada, pela indicação do economista Márcio Pochmann, ligado à ala mais à esquerda do PT, para o comando do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, comandado por Simone Tebet. Foi uma decisão unilateral de Lula, que fragilizou a posição de Tebet, cujo apoio foi decisivo para a vitória do petista nas urnas em 2022. O episódio, segundo Gonçalves, pode atrapalhar o avanço de pautas econômicas no Congresso, neste segundo semestre.
Economista-chefe da Mirae Asset, Julio Hegedus não tem dúvida de que as condições para o corte da Selic estão dadas, mas alerta para os riscos à frente, especialmente após a piora dos dados das contas públicas, que voltaram para o campo negativo em junho. Ele ressalta que, apesar da melhora das avaliações de risco país de algumas agências de risco, como a Fitch Ratings, "ainda há preocupação com os custos dos serviços, devido ao aquecimento do mercado de trabalho". "É neste ponto que o BC pode continuar cauteloso, sancionando um corte de 0,25 ponto percentual", afirma.
Trava na economia
O presidente do Conselho Federal de Economia, Paulo Dantas da Costa, ressalta que a Selic está em um patamar elevado por um período muito prolongado (quase um ano) e isso tem impactos não apenas na economia, mas também na dívida pública. Conforme dados do BC, a dívida bruta somou R$ 7,59 trilhões em junho, o equivalente a 73,6% do PIB.
Dantas torce para um corte de, pelo menos, 0,50 ponto na Selic, e lembra que o crédito está escasso, em grande parte, também devido à concentração do mercado, pois a maioria da população já paga juros muito acima da Selic e a taxa de juros real (descontada a inflação) está muito alta.
A apesar de ter a terceira maior taxa básica nominal do G20, grupo das 19 maiores economias desenvolvidas e emergentes, mais a União Europeia, o Brasil lidera o ranking global de juros reais e tem um custo de crédito muito maior do que a média global.
Conforme dados do Banco Central divulgados na semana passada, os custos médios anualizados do crédito pessoal não consignado e do rotativo do cartão de crédito estão em 91,2% e em 437,3% ao ano, respectivamente. "O que acontece com as taxas de juros no Brasil é bem diferente do que ocorre no mundo lá fora. Temos um delta bem significativo em relação à inflação, e os juros têm características próprias. Entretanto, não há justificativa para taxas tão altas", afirma Dantas.
Para ele, o nível atual dos juros tem "consequências maléficas para a economia e trava o investimento". "Em comparação com os Estados Unidos, o Brasil tem um mercado de crédito muito concentrado, com 80% nas mãos de apenas seis bancos", lamenta.
Críticas
Por conta do freio de mão dos juros sobre a atividade econômica, o Banco Central virou o vilão da vez nas críticas do presidente Lula e de apoiadores ao presidente da autarquia, Roberto Campos Neto. No mercado financeiro, no entanto, a visão é diferente.
Em entrevista recente ao Correio, o economista Alberto Ramos, diretor do Grupo de Pesquisa Macroeconômica para a América Latina do banco norte-americano Goldman Sachs, afirmou que Lula ainda vai agradecer a Campos Neto por controlar a inflação. Na avaliação dele, o remédio dos juros é "amargo", mas está em uma dose "que não mata o paciente", ao contrário do que dizem os críticos.
"Nunca é demais repetir que inflação baixa e estável é a melhor contribuição que o Banco Central pode dar para um ciclo de crescimento robusto, sustentável e socialmente inclusivo", destacou Ramos.
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