O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, tem a missão de formular políticas públicas que possam desatar os nós que impedem a economia brasileira de crescer. Em entrevista ao Correio, ele faz um balanço de sua primeira grande entrega: o Desenrola Brasil, promessa de campanha do governo Lula para limpar o nome de brasileiros endividados.
Ele fala também de sua próxima missão — iniciada na mesma semana de lançamento do Desenrola — com a abertura da agenda de reformas financeiras, na última quinta-feira. Trata-se de um conjunto de 17 medidas que pretende aprimorar as regras do mercado de capitais, de previdência e de crédito. Acompanhe os principais trechos da entrevista.
Que balanço o senhor faz da primeira semana do Desenrola Brasil?
A avaliação é que a resposta tem sido bem acima do que a gente esperava. Estamos tendo uma adesão muito grande do setor financeiro e uma adesão muito grande da população procurando as ofertas, que têm sido muito boas. O volume das desnegativações voluntárias dos bancos, que não têm contrapartida, também está sendo muito alto. Recebemos, na quinta-feira, o balanço da Associação Nacional dos Birôs de Crédito de que, nos três primeiros dias do programa, houve 2 milhões de desnegativações. A nossa previsão para os primeiros dias era de 1,5 milhão. Estávamos sendo conservadores.
Em relação ao volume de crédito renegociado, o senhor tem esse dado?
Não temos um balanço. O que recebemos de informações dos bancos é que eles estão renegociando bem mais do que negociavam em média. Alguns bancos falam em três vezes mais, outros, em cinco vezes mais. Temos dados positivos de diversos bancos, mas não temos dados agregados de todos. Estamos trabalhando com a Febraban para fazer um balanço.
O senhor falou que a formulação do Desenrola foi complexa, e que a implementação está sendo dez vezes mais difícil. Quais são as dificuldades?
Qualquer projeto de política pública que tenha público-alvo de quase 70 milhões de brasileiros é sempre muito difícil. A quantidade de recursos públicos que a gente está aplicando no programa não é muito elevada. Estamos tentando alavancar o máximo desses recursos e trabalhando em parceria com o setor privado e o terceiro setor. É um esforço de coordenação muito grande. Para implementar essa primeira fase, precisamos fechar todos os detalhes com os bancos. Tivemos que buscar o número de adesões suficientes para que valesse a pena, discutir todos os aspectos desse incentivo regulatório que a gente está dando para os bancos fazerem as desnegativações e as renegociações em condições favoráveis para a população. Tudo foi um trabalho complexo. Diferentes bancos têm perfis variados, em termos de créditos tributários, têm incentivos diferentes.
Para a segunda fase, que começa em setembro, quais os desafios?
Há um desafio operacional bem significativo, porque trata-se de uma plataforma que vai juntar os credores, que, nessa fase, não são apenas os bancos, são companhias de energia e água, por exemplo. A plataforma vai juntar também os devedores — 70 milhões —, os bancos, que vão refinanciar essas dívidas, e os birôs de crédito, que vão desnegativar. Além disso, nessa fase, toda a liquidação da operação vai ser feita na própria plataforma. Na primeira fase, a liquidação é feita direto no banco. Para se ter uma ideia, há, hoje, mais de 400 pessoas trabalhando no programa. A nossa tarefa é coordenar todo esse esforço e fazer acontecer.
Qual será a alavancagem dessas renegociações?
A gente acredita, com os números que estamos verificando, que devemos atingir a meta de R$ 50 bilhões de renegociações na primeira fase. Na segunda fase, não temos uma estimativa mais precisa. Vai depender um pouco dos níveis dos descontos que vão ser oferecidos, mas temos uma estimativa de renegociar um volume similar de dívidas.
Qual a avaliação do senhor, que defendeu a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) em relação à tributação do setor financeiro no âmbito da reforma aprovada na Câmara e que, agora, está no Senado?
No início da tramitação e na versão anterior das PECs 45 e 110 havia uma exclusão, ou seja, a não incidência do IVA no setor financeiro. Nós convencemos o setor financeiro todo de que era melhor que eles estivessem no regime do IVA, e não sujeitos a impostos específicos, porque isso garante a não cumulatividade da tributação. Não existe, no mundo, um bom modelo de IVA para o setor financeiro. É difícil fazer isso. Então, o que a gente está fazendo aqui é criar um modelo específico, baseado nas mais recentes experiências internacionais. Olhando para esses modelos, pretendemos formular um nosso, que permita haver o regime de não cumulatividade plena para o IVA no Brasil. A ideia é não deixar o sistema financeiro fora da reforma, mas com o regime mais moderno.
O governo tem a meta de zerar o déficit fiscal em 2024. Para isso, dizem os especialistas, o governo precisa ampliar a arrecadação em mais de R$ 100 bilhões. A aprovação da MP que tributa os fundos offshore, atingindo os super-ricos, será a saída? Que outras alternativas o ministério da Fazenda estuda?
Eu não estou a par da estratégia política dessa questão tributária. Vamos discutir isso no momento adequado com a sociedade. O ministro (da Fazenda, Fernando Hadddad) mencionou que esse é um dos projetos que pode sair. Quando nós encaminharmos a medida, será possível discutir as implicações para a sociedade.
No caso da agenda da reforma financeira, quais são as estratégias para atrair investidores para o mercado de capitais?
O caminho a ser seguido é buscar uma neutralidade. A gente não quer direcionar os poupadores para que sigam esse ou aquele caminho, títulos públicos ou privados. O que a gente quer é assegurar que os incentivos econômicos sejam neutros, que a tributação, o regime contábil e a regulamentação não façam distinções indevidas entre os títulos públicos e os privados. É esse o caminho que a gente quer seguir. Se fizermos isso, haverá, naturalmente, uma realocação de parte dos investimentos que hoje estão só concentrados em títulos públicos para os títulos privados. Isso envolve uma série de medidas, como medidas tributárias, que, às vezes, fazem distinções entre uma coisa e outra; medidas regulatórias, que limitam a capacidade dos fundos de pensão, seguradoras e planos de previdência de investir em títulos privados; e até medidas contábeis, porque, às vezes, os títulos públicos têm um tratamento diferente do título privado. A gente quer agregar tudo isso, fazer um mapeamento de todas essas questões e dar um tratamento adequado para cada uma delas.
Como incentivar essa cultura?
Há questões dos dois lados. A gente tem que trabalhar na oferta desses mecanismos de investimento e na demanda. Na oferta, a gente tem muitas empresas ainda fora do mercado de capitais que têm tamanho para estar nesse ambiente. Essa é uma questão de custo e de entraves regulatórios. Pretendemos tirar as barreiras que tornam mais difícil para uma empresa decidir o que fazer. Quando uma empresa vai decidir entre emitir uma debênture no mercado ou fazer uma dívida com o banco, ela pensa em quanto tempo vai demorar aquilo, quão difícil é o processo e quanto vai custar. Do lado da demanda por esses títulos, o grande caminho está justamente nos fundos de seguradoras e nos fundos de investimentos de previdência. São eles que canalizam grande parte da poupança nacional. Nos mercados desenvolvidos, pessoas físicas transacionam títulos de investimento, é verdade, com títulos de dívida, mas a grande parte da poupança que vai para isso está no mercado de investidores institucionais. E, hoje, esse mercado no Brasil está muito focado no título público. Sempre haverá a demanda pelo título público, é o mecanismo mais seguro de investimento. Mas, se conseguirmos deslocar uma parte cada vez maior para os investimentos do mercado de capitais, conseguiremos fazer esse mercado crescer bastante.
Uma meta da agenda de reformas financeiras tem relação com o crédito. Há problemas sérios no Brasil em relação ao spread, por exemplo, e aos juros, que são elevadíssimos. Quais são os planos?
Já há uma série de medidas relacionadas a esse tema, desde o início do ano. Algumas estão em fase final de aprovação no Congresso. Por exemplo, o Marco de Garantias que foi aprovado na Câmara, no Senado e, agora, volta para a Câmara. Houve uma medida relacionada a garantias também com fundos de previdência. Foi aprovada na Câmara e na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Nesse novo ciclo, vamos focar em duas coisas que nos parecem muito importantes. Primeiro, o problema do spread. Ele só vai ser resolvido com competição, que pode vir tanto de dentro do mercado bancário, entre bancos, quanto do mercado de capitais com o mercado bancário. Ao estimular o mercado de capitais, cria-se competição adicional para os bancos. Além disso, o grande problema dos spreads no Brasil é que juro alto está muito ligado com inadimplência. Para reduzir a inadimplência, é preciso pensar no mecanismo de recuperação de crédito total. Hoje, no Brasil, quando ocorre de o devedor não pagar a dívida, as chances de recuperação do banco, sobretudo quando ele não tem garantia, são baixas. É preciso melhorar esses mecanismos de recuperação de crédito. O que acontece se esses mecanismos são ruins é que o bom pagador paga a conta do mau pagador.
Pode dar alguma pista do que está sendo pensado para resolver isso?
Uma das principais soluções que a gente acredita é agilizar o processo de execução de dívidas. Hoje, no Brasil, é muito, muito lento. O índice de recuperação é baixíssimo. Quando não há garantias, recupera-se muito pouco do que é concedido de crédito. A gente tem que melhorar esse processo, torná-lo mais ágil, mais simples e menos burocrático.
Em que medida essas ações que o senhor coordena vão contribuir para que o Brasil deslanche do ponto de vista da produtividade e do desenvolvimento econômico do país?
Uma das grandes razões pelas quais a produtividade no Brasil não avança é porque o custo do capital ainda é muito alto. Tomar dinheiro emprestado é caro. Com esse conjunto de medidas, a gente vai reduzir muito o custo do crédito. Isso vai fazer com que a gente tenha mais investimento, e a gente aumente a nossa produtividade. E, ao aumentar a produtividade, a gente vai voltar a crescer mais. E crescer mais com menos inflação. Porque uma economia mais produtiva consegue crescer sem inflação.
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