O Correio conversou com o novo presidente do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto. Funcionário concursado da autarquia, antes de assumir o atual posto foi diretor e procurador geral do órgão, após ser vinculado à Advocacia Geral da União (AGU), seguiu atuando no INSS.
Stefanutto ocupa o cargo depois da suspeita de uma "farra nas passagens", revelada pelo Correio, que apontou que o ex-presidente Glauco Wamburg utilizava as passagens do órgão para dar aulas na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. O novo chefe da autarquia aguarda a conclusão das auditorias da Controladoria Geral da União (CGU), mas reconhece que os "indícios de malfeitos são robustos". Estima-se que o ex-presidente pode ter que devolver cerca de R$ 60 mil recebidos.
Em relação ao crônico problema da fila de beneficiados da Previdência — há 1,8 milhão de requerimentos à espera de análise —, o novo chefe do INSS se mostra otimista. Ele está confiante na promessa do ministro da Previdência, Carlos Lupi, de limitar a espera dos usuários a no máximo 45 dias. A ideia é chegar a esse prazo até o fim do ano.
Enquanto o atendimento não melhora, Stefanutto pede paciência aos segurados. "Por enquanto, a única coisa que eu posso pedir para os segurados é desculpa. Desculpa! Nós temos que entregar algo melhor para vocês", disse.
Confira os principais trechos da entrevista.
O senhor assumiu o INSS com a expectativa da promessa do ministro Carlos Lupi na redução da fila, mas o seu antecessor não conseguiu avançar nesse objetivo.
Eu já estive na procuradoria do INSS, como procurador-geral, por quase sete anos. Estive também como diretor de orçamento. Entrei na casa como procurador do INSS lá nos idos de 1999. Me sinto muito à vontade na Casa e venho me preparando para esse desafio. O convite veio e eu me senti apto para ele. Nosso maior desafio é diminuir a fila, especialmente porque, na fila, o que nós temos são pessoas. O presidente Lula já tinha dito isso tanto na sua campanha vencedora quanto depois, na transição, na qual fui coordenador do grupo de previdência. Claro que o INSS tem hoje um quadro de servidores menor do que precisaria. Em determinado momento nós tínhamos 42 mil servidores, hoje temos 18 mil.
O que é preciso fazer?
Esse 1,8 milhão de CPFs são pessoas ávidas por uma resposta do Estado. Isso tem que acontecer e tem que acontecer a tempo e modo. Qualquer coisa diferente, estamos sendo não só omissos, mas, em alguma medida, cruéis com aqueles mais necessitados. É um desafio grande. Mas eu tenho muita confiança no quadro de gestão nosso, no quadro de servidores e na perspectiva de planejamento que foi feita desde a transição e que agora a gente vai conseguir botar em prática.
Qual o tamanho da fila do INSS?
O melhor número é o adotado pela transição (de governo), que mostra 1,8 milhão de benefícios a serem tratados. São os CPFs a serem atendidos. Cada processo corresponde a uma pessoa. Quero trazer de volta um entendimento na alta gestão, na gestão intermediária e no chão de fábrica de que, por trás de cada pedido, tem uma pessoa e nós temos que dar conta disso.
E isso está acontecendo?
Há alguns meses o INSS vem produzindo um pouquinho a mais do que entra. Há um saldo, ainda muito pequeno. Quando tínhamos 42 mil servidores, não tínhamos fila. Havia outros problemas, mas não tínhamos fila. Como há uma concentração de esforços e o empenho pessoal do presidente Lula em acabar com essa fila, nós teremos novidades nos próximos dias, do ponto de vista de vista legislativo, para ter o contraturno, que permitirá aos servidores do INSS, querendo, produzir mais e de alguma forma, ter um estímulo para isso.
Quando o presidente Lula assina essa medida provisória? O presidente Bolsonaro vinha assinando essas medidas provisórias e a fila estava menor.
Deixa eu esclarecer um ponto. Nós nunca tivemos tantos pedidos de benefício como nos últimos meses. Batemos 800 mil pedidos de requerimentos, hoje nós produzimos mais, pelo menos nos últimos meses, do que se fazia na gestão anterior, mesmo com esse estímulo. Nossa medida provisória está na preparação, mas coloca um teto, para que não haja também um descontrole do servidor, de cuidar da sua vida pessoal, da saúde. Aperfeiçoamos esse mecanismo de estímulo.
Como é esse aperfeiçoamento?
Eles chamavam de bônus, nós achamos que parece uma bonificação para o servidor. Na verdade, o que nós queremos é um projeto de diminuição da fila, e isso não aconteceu nas medidas provisórias anteriores. Estamos estimulando que todos os servidores possam participar. Da forma que era, acabou produzindo muito, mas acabou também produzindo muito mais decisões não qualitativas, que acabam levando ao indeferimento. Não é o caso da medida provisória que o presidente Lula deve assinar. Quando o presidente Lula vai assinar? Essa é a pergunta de ouro, eu não sei a resposta. Mas tenho convicção de que pode ser nos próximos dias. O presidente tem extravasado o seu descontentamento com isso e que ele vai resolver.
O que melhorou com a chegada de mais mil funcionários?
Mil funcionários entraram recentemente, e o ministro Lupi já pediu mais 250. Além disso, o primeiro documento que assinei, assim que fui nomeado, na quarta-feira passada, foi o pedido de que todos os remanescentes aprovados em concurso público sejam aproveitados. Esses servidores aliviam, mas não na proporção necessária para zerar a fila. A gente poderia colocar esses mil ou dois mil servidores, mas ainda demoraria meses, talvez anos para colocar a fila no lugar. E essas pessoas não podem esperar tanto tempo. Aí entra esse estímulo para que a gente possa rapidamente diminuir a fila. Não é uma hora extra. É pago por produtividade.
Quanto vai custar esse bônus de produtividade?
Vou falar números aproximados, que demonstram a economicidade dessa medida. É muito mais vantajoso pagar o estímulo na redução de filas. São alguns milhões de reais, mas a economia para o Estado é bilionária. Porque quando eu não correspondo à entrega do benefício, com uma decisão do Supremo Tribunal Federal, nós pagamos não só a atualização monetária, mas também pagamos juros. Mas o valor mais importante não é econômico; e sim a entrega na resposta ao cidadão.
É muita gente aguardando uma resposta.
O brasileiro não pode ficar aguardando até que os recursos da autarquia sejam suficientes. Ele precisa que a gente tenha uma resposta rápida, porque esses benefícios substituem renda. No momento em que eu deixo uma pessoa na fila por 90 dias, por 120 dias, muitas vezes eu estou impondo uma dificuldade que não é aceitável. Mas nós não avaliamos só nesse aspecto; a nossa intenção é utilizar medida somente para resolver a fila. No momento em que a fila se estabilizar, não faz sentido a gente manter essa medida.
O ex-presidente Bolsonaro pediu um novo concurso, isso está no horizonte?
Com a automação, tivemos uma evidente melhoria. Eu uso os servidores para análises mais complexas, aposentadorias especiais, tempo especial e outros benefícios. Os benefícios nos quais você tem apenas parâmetros, você usa automação. A automação veio para ficar, mas também as análises mais complexas, que vão sempre depender de um servidor. O concurso que foi feito foi de técnico, e a gente só pode fazer um novo certame depois de esgotada a validade desse concurso. Temos ainda vagas remanescentes, então, se houver um entendimento do governo de que é possível chamá-los, a gente vai conseguir melhorar ainda mais a qualidade das análises dos benefícios complexos.
Quantos concursados podem ser chamados?
Nós estamos chamando mil. Além desse conjunto de servidores novos que já estão operando, o ministro Lupi já pediu mais 250. E você tem de remanescentes por volta de 2 mil. Então nós teremos os 1.250, mais os 2 mil, algo como 3,25 mil. Todos serão utilizados para a análise de benefício. A nossa prioridade é a análise de benefício, é a resposta aos brasileiros.
Quantos podem ser chamados até o final deste ano?
Certamente, os 250. Mas como é um concurso em duas fases, então não sei se dará tempo de terminar a segunda fase (para mais 2 mil). O aproveitamento dos outros vai depender de uma decisão do governo. Os demais, caso o governo entenda chamar os remanescentes, serão nomeados só no ano que vem.
Com a contratação e o bônus de produtividade, será possível cumprir a promessa do ministro Lupi de reduzir a fila até dezembro?
Sem dúvida alguma. Estou convicto de que essas medidas sendo efetivadas, nós cumpriremos. Há um desejo da casa que quer entregar. Nosso negócio sempre foi atender aos brasileiros. Eu vejo, pelos servidores com quem eu converso — gerentes de agências, gerentes executivos, superintendentes —, todas estão de mãos dadas para que a gente possa chegar a isso.
Os peritos médicos são menos confiantes na efetividade dessas ações, não?
A perícia hoje não tem a gestão no INSS, mas há um alinhamento muito grande com a Secretaria (do Regime Geral de Previdência Social do Ministério da Previdência), e eu vou aprofundar essa relação. Tenho a convicção de que os peritos médicos também entregarão aquilo que é esperado. Há um plano de estímulo na mesma medida provisória, então os peritos também serão beneficiados pelas mesmas medidas. Eu tenho a convicção, embora não seja da minha caneta, de que o secretário e o ministro farão com que isso aconteça. Tudo aquilo que depender da gestão para acontecer irá acontecer. Eles estão imbuídos, engajados e de mãos dadas com a gente, para que a gente possa sair dessa situação constrangedora. Por enquanto, a única coisa que eu posso pedir para os segurados é desculpa. Desculpa! Nós temos que entregar algo melhor para vocês, mas eu estou convencido de que, até dezembro, o pedido de desculpas vai diminuir e nós vamos chegar a contento no que o ministro Lupi já anunciou.
O seu antecessor saiu com uma série de suspeitas de uma farra das passagens. Como avalia essa situação?
Sendo procurador de carreira e um democrata, sempre aguardo que situações que apresentem algum tipo de suspeita sejam tratadas pelos órgãos devidos. Refiro-me a órgãos de corregedoria, de auditoria, que possam dar ampla defesa, contraditório, para que as pessoas possam se explicar sobre o que aconteceu. Uma vez eliminado qualquer tipo de dúvida quanto a uma atitude ou uma ação indevida, os órgãos de controle têm as ferramentas para as punições. Eu não tenho um juízo de valor formulado. Fiz parte da equipe do presidente Glauco Wamburg, e agradeço a ele, mas quanto às denúncias, existem os órgãos próprios para apurar isso. Claro que às vezes demora, a sociedade quer uma resposta mais rápida, mas a gente tem que garantir a todos o devido processo legal.
O INSS está tomando medidas para evitar situações como essa?
Não tenha dúvida. A corregedoria está verificando os indícios do ponto de vista formal, para fazer as apurações. Do ponto de vista da gestão, é uma coisa muito complicada, porque é a autoridade mais alta do órgão. Quando ocorre algum tipo de problema, o controle interno do órgão tem dificuldade de verificar o que aconteceu.
Por quê?
O INSS gasta bastante em diárias e passagens. Historicamente é assim. Já foi objeto de apuração pelos órgãos de controle, mas não tivemos problemas dessa magnitude, dessa gravidade. Porque quando alguém alega que vai fazer algum tipo de agenda, isso é avaliado pelo coordenador geral, pelo diretor, até pela presidência. Tem uma equipe que verifica. Obviamente, nós temos um orçamento muito grande, só de pagamento de benefícios. São mais de 800 bilhões de reais por ano, mais um orçamento por volta de 2 bilhões. Mas sempre há uma suplementação, e parte desse orçamento é usado para viagens e diárias. Os controles do INSS são muito maduros. Eu procuro que sempre se dê a ampla defesa e contraditório, mas sim, a casa certamente vai repensar mais instrumentos de controle. Mas não posso dizer que isso é em razão de um malfeito, porque eu não tenho ainda a conclusão administrativa, se houve um malfeito.
O Correio mostrou um padrão de passagens do ex-presidente que passava os finais de semana no Rio, cidade onde ele é professor de uma universidade privada. Os indícios não chamam a atenção?
Quando se apura um presidente, você não pode nem apurar na corregedoria do órgão, é uma questão formal. Mas as reportagens são suficientes para que haja uma apuração. Como presidente, sempre vou esperar que haja a conclusão, ainda que os indícios de malfeitos sejam bastante robustos.
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