Um trecho acrescentado de última hora no texto da reforma tributária, aprovado na Câmara dos Deputados na última semana, abriu brecha para a criação de um novo tributo estadual que pode incidir sobre produtos primários e semielaborados. O dispositivo, previsto no artigo 20 da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), preocupa setores como o agronegócio, a mineração e a indústria petrolífera.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o novo tributo poderia ser adotado em, pelo menos, 17 estados. A contribuição substituiria o fim de fundos estaduais. Segundo o texto, os estados terão até 31 de dezembro de 2043 para contar com essa contribuição adicional sobre os setores. A contribuição seria usada especificamente para financiar obras de infraestrutura e habitação.
As contribuições poderiam ser adotadas nos estados que tinham determinados fundos em abril de 2023. São eles: Acre; Alagoas; Bahia; Ceará; Espirito Santo; Goiás; Maranhão; Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Paraíba; Paraná; Pernambuco; Piauí; Rio de Janeiro; Rio Grande do Norte; Sergipe; e Tocantins.
Tributaristas criticam a medida. Segundo eles, ela vai contra o princípio da reforma, que é simplificar o sistema tributário. "A intenção primária da reforma tributária sempre foi simplificar o sistema tributário. Essa emenda nada mais é do que um novo tributo e tem por fim onerar a carga exigida, que vai na contramão do intento reformador", afirma Rogério Martins, advogado tributarista do escritório Silva Gonzaga Leite.
Os fundos estaduais, que devem ser substituídos por esse novo tributo, já chegaram a ter a constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), por causa da incidência sobre exportações, o que tornou o produto nacional menos competitivo.
Martins considera que o novo tributo pode gerar ainda insegurança jurídica para os exportadores e também os importadores dos produtos nacionais. "A instituição de um novo tributo, no caso contribuição para financiar a investimento em obras de infraestrutura e habitação, pode apresentar uma oneração na cadeia tributária e, por consequência, aumentar o valor do produto e diminuir, por consequência lógica, sua concorrência no mercado internacional", avalia.
Para o advogado tributarista Fabio Monteiro Lima, as críticas à emenda são parcialmente pertinentes. "Não se trata de uma brecha geral para criação de novo imposto. Apenas os quatro estados que já têm uma contribuição nos parâmetros definidos no art. 20 da PEC poderão instituir esta nova contribuição. O que ocorre é que alguns estados, como Paraná e Goiás, têm incentivos fiscais de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, tributo estadual), estabelecendo como contrapartida uma contribuição a um fundo de investimento em infraestrutura", ressalta.
De acordo com Lima, no caso dessas unidades da Federação, com a extinção do ICMS, essa contribuição também deixaria de existir paralelamente. Mas o texto ainda precisa ser aperfeiçoado. "A intenção, informada pelo relator na votação, era a preservação desses fundos, por isso o limite a casos já previstos até 30/04/2023. Porém, me parece que o texto poderia ser aperfeiçoado para travar o crescimento dessa contribuição a ser instituída em substituição, limitando-a todo o regime da contribuição atual", acredita o especialista.
Senadores já sinalizaram que não simpatizam com a ideia. O artigo já aparece na lista de possíveis supressões do texto que devem ser feitas pelos parlamentares. Segundo tributaristas, um dos impactos mais severos do dispositivo, caso seja aprovado, é sua aplicação no texto constitucional. Nessa hipótese, só poderá ser modificado novamente por meio de outra PEC, não podendo ser retirado ou suprimido por uma lei infraconstitucional.
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