São Paulo - O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, reconhece que os juros praticados pelas instituições financeiras do país são altos, mas atribui a problemas estruturais, como tributação e inadimplência elevadas, realidade que não se vê em praticamente nenhum outro país do mundo.
No caso do rotativo do cartão de crédito, com custos anuais de 447%, Sidney destacou que o problema poderá ser resolvido com mudanças na regulação. Um grupo de trabalho criado neste governo, com integrantes da Febraban, do Banco Central e do Ministério da Fazenda, discute medidas para tentar "gradualmente" reduzir o volume de parcelamentos sem juros — que têm os custos embutidos pelas lojas e operadoras de cartões no custo final do produto —, a exemplo do que o governo vem tentando fazer com o crédito consignado.
"Estamos aprofundando os diagnósticos e vendo quais são as causas que fazem os juros do rotativo serem elevados. Nós já mapeamos um pouco esse diagnóstico. Na nossa interação, o governo está sensibilizado com os nossos estudos. E não enxergamos que o governo vá fazer algum tabelamento de juros, porque esse é um mercado muito diferente do consignado", afirmou o Isaac Sidney, em entrevista ao Correio, em São Paulo, durante a abertura da feira Febraban Tech, o maior evento de tecnologia da informação bancária da América Latina. "Eu diria que, este é um ano muito convidativo para que a gente possa ter as conclusões do trabalho", afirmou. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Os bancos são muito criticados pelas altas taxas que cobram. O Banco Central, na ata do Copom, sinalizou que pode começar a reduzir os juros em agosto. Quando vamos perceber uma possibilidade de queda real dos juros?
De fato os bancos são criticados pelos juros elevados. Acho que essa crítica deveria também ser dirigida a outros atores, por exemplo, ao governo. Não me refiro ao governo do presidente Lula, mas aos governos em geral; ao Congresso, porque há muitas mudanças que podem ser feitas para que possamos endereçar as causas com dos juros elevados. Eu dizia, na minha fala de abertura, que a economia não aceita atalhos. Toda vez que você tenta corrigir problemas da economia com atalhos, você atrai os mesmos problemas. Você gera mais inflação, mais desequilíbrio fiscal e orçamentário, aumenta os juros estruturais da economia. Isso vira um círculo vicioso. A gente precisa, então, buscar o caminho da racionalidade. Entre as causas dos juros elevados, temos o alto custo da inadimplência e a tributação. Essas duas variáveis respondem por algo em torno de 50% dos custos da intermediação. O Brasil é um dos poucos países em que há tributação na intermediação financeira. No mundo, isso só existe em três a cinco países relevantes na geografia global.
Como o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras)?
Além do IOF que você mencionou, há dois tributos federais sobre intermediação financeira: o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Esses três tributos juntos geram um custo da ordem de 20% do acúmulo fiscal que incide no spread bancário. Os chamados tributos indiretos não incidem sobre a rentabilidade ou o lucro dos bancos. Isso é custo na veia para o consumidor. O Congresso tem uma chance, que eu diria única, de fazer com que, na reforma tributária do consumo, haja menos tributos indiretos na intermediação financeira. Basta fazer com que a intermediação financeira não seja tributada, como acontece na esmagadora maioria dos países do mundo inteiro. Isso não é nenhum privilégio para bancos, não estamos tratando de tributos corporativos que incidem sobre a renda, sobre lucratividade e sobre a rentabilidade dos bancos. Estamos falando de tributos indiretos.
E a inadimplência?
É o segundo problema. Nós somos, no mundo, um dos países que menos recuperam crédito. Só ganhamos da Turquia. Temos uma posição muito ruim. Além disso, o país demora muito tempo para recuperar uma garantia; em média, quatro anos. Um país que tem inadimplência elevada, tem custo de intermediação. E se tem uma tributação elevada sobre o crédito, tem custo sobre os juros, que acabam ficando mais elevados.
Mas um dos problemas da inadimplência elevada é que os juros cobrados pelos bancos são muito altos. Quando comparamos, por exemplo, os custos do cartão de crédito daqui com os de outros países, o Brasil é infinitamente mais caro...
Mas os juros do cartão de crédito no Brasil ocorrem porque o nosso modelo é completamente diferente. No mundo inteiro, compras parceladas sem juros representam 25% da carteira de crédito. No Brasil, representam 75%. Só que esse parcelado sem juros da carteira de cartão de crédito no Brasil, de sem juros nada tem. Isso porque os lojistas e varejistas vão embutindo os juros no custo do produto. E eles fazem isso com o risco dos bancos. Se eu comprar um eletrodoméstico parcelado e não pago, a loja vai receber do banco o pagamento, mas o banco vai ficar com a fatura em aberto e eu, como consumidor, já vou estar com o eletrodoméstico na minha casa. E de quem é esse risco? Dos bancos. Então, tanto os lojistas quanto as empresas credenciadas para as maquininhas acabam fazendo cortesia com o chapéu alheio. Ou seja, estão se valendo do risco de crédito dos bancos. E, aí, para compensar esse risco elevado dos bancos, 25% daqueles que pagam juros, acabam pagando pelos 75% dos juros que não pagam.
O que deve ser feito, então?
Nós temos que endereçar uma das causas que é tentar, ainda que gradualmente, reduzir o parcelamento sem juros e criar algumas situações que desestimulem as lojas e as credenciadoras a parcelarem com o risco dos bancos. E, para isso, é preciso mudanças na legislação e na regulação do Banco Central e do Sistema Financeiro Nacional.
E como está esse processo?
Temos um grupo de trabalho recém-criado, neste ano, com participação do Ministério da Fazenda, do Banco Central e da Febraban. Esse grupo tem cerca de 45 dias a dois meses. Estamos aprofundando os diagnósticos e vendo quais são as causas que fazem os juros do rotativo serem elevados. Nós já mapeamos um pouco esse diagnóstico. Na nossa interação, o governo está sensibilizado com os nossos estudos. E não enxergamos que o governo vá fazer algum tabelamento de juros, porque esse é um mercado muito diferente do consignado. Cerca de 40% de todo o consumo no Brasil se dá por meio de compras por cartão de crédito. Isso representa algo como 20% do PIB numa carteira de R$ 2,1 trilhões.
O senhor está otimista?
Já temos consciência e convicção de que o governo entende a complexidade dessa cadeia, que envolve bancos emissores, as maquininhas das credenciadoras, as bandeiras, os lojistas, o consumidor, o Banco Central, a Fazenda. O importante é que todos esses atores conversem e encontrem a solução adequada. A minha expectativa é positiva. Se tivermos tempo e racionalidade econômica nesse debate, vamos encontrar uma solução para baratear os juros do rotativo.
Tem alguma previsão de prazo?
Eu diria que este ano é muito convidativo para que a gente possa ter as conclusões do trabalho.
Alguma estimativa de queda de custo de hoje de mais de
400% ao ano?
A redução vai depender daquilo que for possível fazer. Na verdade, para ser preciso, o último dado do Banco Central, da nota de crédito de maio, o custo do rotativo estava em 447% ao ano. Mas ninguém paga no Brasil sem juros, porque a média que alguém fica no rotativo do cartão de crédito é de 18 dias por ano. Esse é um patamar em que o Banco Central pega a taxa mensal e anualiza. Mas há uma regra do Banco Central que determina que, no máximo, os clientes fiquem no rotativo por 30 dias. Portanto, não há como ficar todo o ano nessa faixa. Mas é uma taxa anualizada e proporcional muito elevada.
É impraticável.
Nós nunca deixamos de reconhecer que os juros bancários no rotativo são elevados. A questão não é se são, mas por que são elevados. É porque tem causas estruturais, como inadimplência, como carga fiscal, como falta de informação, como assimetria de informação dos tomadores de crédito. Ainda tem a falta de garantias. O Brasil não tem um arcabouço legal de garantias. Nós não recuperamos os créditos. Se conseguirmos endereçar isso, a gente tem um caminho.
» A jornalista viajou a convite da Febraban
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