A caderneta de poupança sempre foi um porto seguro para quem não está acostumado a operar no mercado financeiro e não tem sangue frio para correr os riscos da montanha-russa da Bolsa de Valores, ou até mesmo a coragem dos empreendedores que se aventuram em montar uma empresa e enfrentar o manicômio tributário brasileiro. Só que, neste ano, a aplicação vem registrando saídas líquidas recordes. Enquanto a taxa básica da economia (Selic) continua em 13,75% anuais, desde agosto de 2022, a poupança rendeu bem menos: 8,55% e, no acumulado em 12 meses até o último dia 22, segundo levantamento do TradeMap.
Conforme dados do Banco Central, em maio, a diferença líquida entre depósitos e retiradas da poupança ficou negativa em R$ 11,7 bilhões, dado 87,8% superior aos R$ 6,3 bilhões resgatados em abril e o maior volume de saques desde 1995. No acumulado do ano, o volume resgatado da caderneta chegou a R$ 69,2 bilhões. E como, na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, manteve a taxa Selic no patamar atual por mais 45 dias e não deu uma sinalização para o início do ciclo de queda dos juros, analistas acreditam que as saídas da caderneta continuarão ocorrendo ao longo do ano.
Esses saques da mais antiga das aplicações não ocorrem apenas para os brasileiros quitarem as dívidas, devido ao endividamento elevado das famílias, informam os analistas. Eles percebem aumento do número de investidores e maior diversificação de investimentos de longo prazo, pois, apesar de apresentar ganhos reais (acima da inflação), a poupança está deixando de ser competitiva se comparada com outras aplicações conservadoras, como Certificado de Depósito Bancário (CDB), Tesouro Direto e fundos de renda fixa que rendem acima da taxa do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), que acompanha a Selic. Essa migração é vista com bons olhos pelos especialistas, porque mostra que há mais pessoas atentas e com informações sobre investimentos do que no passado.
"A caderneta de poupança deve continuar com saques líquidos por dois motivos: a) a rentabilidade é baixa, e, neste ano, deve fechar perto de 8%; b) o nível de inadimplência é recorde, portanto, as pessoas precisam de dinheiro, e o pouco que tenham na poupança ajuda", sentencia o economista Fabio Gallo, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). "A renda fixa é uma boa alternativa para todas as carteiras. Mas investir em crédito de empresas não é uma boa opção, vide Americanas. Debêntures e outros Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDIC) não estão valendo a pena no momento. CDBs rendendo acima de 100% do CDI e Tesouro Direto são boas alternativas sem risco de crédito", afirma. "Para quem aceitar um pouco mais de risco, os títulos pré-fixados podem ser interessantes, aproveitando a janela antes do ciclo de queda de juros."
Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), também acredita que a sangria da poupança ainda continuará nos próximos meses. "A Selic vai permanecer elevada, mesmo se o Banco Central começar a reduzir os juros em agosto, porque o processo será de forma gradual", afirma. Ele lamenta que, como a população está mais endividada, "girando em torno de 80%", e alerta para o fato de que a saída de recursos da poupança "afeta a capacidade de captação para o financiamento imobiliário".
Camilla Dolle, chefe de pesquisas em renda fixa da XP Investimentos, reforça que, de maneira geral, o investidor brasileiro está aumentando a diversificação das aplicações. "Ainda que sejam baixos, temos visto, ao longo dos anos, crescimento de investidores tanto em renda fixa quanto em renda variável. Logicamente, esse tipo de movimento ocorre em várias plataformas de renda fixa, pois há diferentes tipos de produtos, com prazos e ritos que precisam ser observados", explica. Ela reforça que, apesar da expectativa de queda da Selic neste ano, o corte dos juros será gradual. Pelas estimativas da XP, a Selic vai encerrar este ano em 12% ao ano, mas continuará elevada em 2024, fechando dezembro a 11% anuais.
Movimento
Números da Bolsa de Valores de São Paulo (B3) comprovam essa diversificação. No primeiro trimestre de 2023, o número de investidores em renda fixa cresceu 34% em relação ao mesmo período do ano passado, totalizando 15,3 milhões, e os valores sob custódia avançaram 42%, para R$ 1,794 trilhão na mesma base de comparação. Já o Tesouro Direto registrou aumento de 27% no valores aplicados e alcançou 2,1 milhões de investidores no trimestre. Analistas destacam que, se o investidor pesquisar, ele consegue aplicações em renda fixa remunerando de 120% a 200% do CDI. O IMA Geral, indicador de rentabilidade de títulos públicos, registrou rentabilidade média de 13,23% no acumulado em 12 meses até 22 de junho, segundo os dados do TradeMap. Curiosamente, neste mês, a B3 ensaiou uma recuperação com a perspectiva de uma indicação de cortes de juros do Copom, e acumulou alta de 19,51% no mesmo período. A continuidade desse desempenho, contudo, dependerá dos desdobramentos da economia, pois analistas preveem bastante volatilidade ao longo do ano.
"A renda fixa continua sendo a aplicação mais segura e de mais baixo risco, e que, pelo menos, acompanha a taxa Selic e reserva o poder de compra ao longo do tempo. A Bolsa ainda é um risco e os investidores conservadores fogem dela. A melhora da perspectiva da economia brasileira está atraindo mais capital especulativo, e, por isso, o Índice Bovespa voltou a ficar perto de 120 mil pontos", afirma o economista Otto Nogami, professor do Insper.
Gallo, da FGV, recomenda bastante atenção aos fundos. Dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro (Anbima) mostram que a indústria de fundos de investimento também vem sofrendo retiradas expressivas. Em maio, o total de saídas líquidas somaram R$ 47,2 bilhões, dos quais R$ 29,6 bilhões saíram dos fundos de renda fixa. O professor indica pesquisar as taxas de administração, que podem variar de 0,25% a 2%, além das taxas de performance. No caso de Fundos Imobiliários, que já foi bastante popular, "é possível encontrar alguns FIIs com excelente rentabilidade". "O fundo, de forma geral, é commodity e sempre devemos optar pela menor taxa", aconselha.
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, ressalta que esse movimento de migração da poupança para outras aplicações ocorre mais entre famílias com renda elevada. "A maioria da população está muito endividada e quem está conseguindo diversificar não tem a situação financeira tão complicada", diz. Mais cautelosa, ela acha que o grosso desse movimento de saída da poupança para outros investimentos mais rentáveis já aconteceu, apesar da incerteza sobre o início do corte da Selic.