MERCADO DE CARBONO

Governo pretende regular mercado de carbono ainda este ano

Estimativas do Enviromental Defense Fund indicam que o comércio de créditos para abater os gases do efeito estufa de países poluidores poderá gerar cerca de US$ 72 bilhões em receitas para o Brasil até 2030

Ao passo que tenta consolidar a agenda ESG (Environmental, Social and Governance) e recuperar o protagonismo internacional, o governo brasileiro mira na regulação do mercado de créditos de carbono ainda neste ano. De acordo com uma estimativa do Environmental Defense Fund, a expectativa é de que o ativo movimente cerca de US$ 72 bilhões (R$ 374,7 bilhões, considerando o dólar de sexta-feira) em receitas no Brasil até 2030.

Durante evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), na última semana, o secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Rodrigo Rollemberg, sinalizou que a intenção é regulamentar o mercado de carbono no país até a realização da COP 28, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que acontecerá em dezembro, nos Emirados Árabes Unidos.

Atualmente, existem três projetos de lei em tramitação no Congresso que tratam sobre a regulamentação do mercado de carbono, o que mostra que o tema vem ganhando relevância. São eles: PL 528/21,apensado ao PL 2148/15, PL 412/22 e PL 2229/23, que substituiu o PL 3100/23.

O vice-presidente e ministro do Mdic, Geraldo Alckmin, disse estar avaliando a melhor maneira para encaminhar a medida ao Congresso, por um novo projeto de lei ou junto às relatorias de propostas que já tramitam no Legislativo, para que as posições do governo sejam incorporadas ao texto em negociação pelos parlamentares.

ECO-2506-Crédito_de_carbono - Valdo Virgo

Minuta

"Acho que é questão de semanas para o governo definir. Porque você tem bons projetos no Congresso e o governo também elaborou, fruto de um trabalho interministerial, um projeto de mercado regulado de carbono. É uma avaliação política agora sobre a melhor maneira de fazê-lo e o momento", disse Alckmin.

A minuta em discussão pelo Mdic encontra-se em um grupo de trabalho informal interministerial do governo federal acerca de uma proposta para criação de um Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Segundo interlocutores da pasta, o esboço, desenvolvido em parceria com o Ministério da Fazenda, já teve a primeira versão concluída e ainda passará por uma consulta pública. A CNI também apresentou ao governo, na última terça-feira (20), uma proposta para a implementação de um sistema regulado de comércio de emissões de carbono no Brasil.

Para Viviane Romeiro, diretora de Clima, Energia e Finanças Sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o Conselhão retomado pelo atual governo, o ano de 2023 é muito promissor para a criação do mercado regulado. "Poderá sinalizar mais um avanço para a implantação da agenda sustentável brasileira, que hoje já é transversal a 19 ministérios federais. Além disso, será possível compartilhar esse avanço em importantes fóruns internacionais e reforçar o protagonismo do país na pauta climática global, como a a COP28, nos Emirados Árabes, e a reunião de cúpula do G20 — grupo das 19 maiores economias emergentes e desenvolvidas do planeta, mais a União Europeia — , em 2024, que acontecerá no Brasil", afirmou.

Em 2025, o país vai receber a 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, a COP30, em Belém. Segundo a diretora, é um momento importante, visto que o Acordo de Paris estará completando 10 anos e haverá a revisão das metas de redução de gases do efeito estufa de cada país.

"Portanto, o encontro, será um cenário oportuno para o Brasil reforçar seu papel de protagonista global. Por isso, é preciso agir com celeridade e precisão para que o país possa de fato aproveitar essas oportunidades tanto para cumprir seus compromissos de redução de emissões, quanto para gerar créditos para compensação de emissões no mercado interno e externo", disse a diretora de Clima.

Nesse sentido, Romeiro reforçou a necessidade de uma liderança efetiva por parte do governo federal, junto ao Congresso Nacional, para acelerar a criação de um marco regulatório. Ela destacou que a precificação de carbono é um instrumento sofisticado e complexo, mas que as movimentações recentes são positivas e existem muitas oportunidades. "Os principais desafios que ainda precisam ser endereçados no processo de regulação do mercado de carbono estão relacionados à natureza jurídica, sistema de registro, tributação e governança", avaliou a diretora.

Precificação

Governo e indústria defendem, na regulamentação do setor, a utilização do sistema inspirado no adotado pela União Europeia, que utiliza o modelo “cap-and-trade” — que busca limitar as emissões de gases do efeito estufa por meio da precificação. Por esse formato, a autoridade competente define um limite máximo de emissões de gases de efeito estufa para os responsáveis pelas instalações reguladas. A distribuição será feita em forma de cotas, conforme o Plano Nacional de Alocação.

A regulação deve atingir apenas as empresas que emitem mais de 25 mil toneladas de CO², sobretudo indústrias, como a química, de cimento, a siderúrgica e a de alumínio. Os operadores que emitirem menos do que a cota poderão vender no mercado regulado a quantidade economizada. Os operadores que superarem a cota estipulada poderão fazer a compensação com a compra da diferença no mercado regulado — ou parcialmente, no mercado voluntário.

De acordo com o coordenador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Daniel Vargas, atualmente, existe uma série de empresas do mercado internacional que fazem o papel de reguladoras no mercado voluntário brasileiro. “Esses dois mercados costumam operar em paralelo. Mas a regulamentação tende a padronizar os mecanismos de compensação, formalmente, de maneira mais exigente”, afirmou.

A economia de baixo carbono é destinada a conter as emissões de gases de efeito estufa e as consequências das mudanças climáticas. Para precificar o mercado, países têm criado o chamado mercado de carbono, um mecanismo que permite a venda de créditos por nações que limitam as emissões desses gases para nações com maiores dificuldades de cumprir as metas de redução.

A precificação do mercado de carbono tem potencial de direcionar a demanda dos consumidores e investidores para produtos que emitem menos gases de efeito estufa e estimular investimentos em projetos e tecnologias mais limpas.

O objetivo é a redução de 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e de emissões zero até 2050. O Brasil é visto como uma potência mundial neste setor. O governo ainda pretende que os parâmetros nacionais sejam equiparados aos usados internacionalmente, por exemplo na União Europeia, para que o país consiga negociar créditos com estes outros países.

Vargas destacou que o Brasil é amplamente reconhecido como um país com condições ímpares para ser uma fonte geradora de créditos de carbono. “O desmatamento da Amazônia é a principal fonte das nossas emissões. Se o país conseguir conter o desmatamento, imediatamente os méritos das demais atividades produtivas brasileiras vão se tornar mais visíveis e reconhecidos no mercado internacional”, disse.

“Desse ponto de vista, há uma expectativa muito positiva de que o mercado de carbono regulado possa abrir espaço para que a economia brasileira fosse capitalizada com financiamentos que iriam valorizar, reconhecer, apoiar e estimular a produção, a inovação e a geração de renda e riqueza na agricultura, na indústria e nos serviços do país”, emendou.

Apesar das vantagens competitivas, Vargas alertou que o mercado de carbono não é a solução para todos os problemas ambientais do país e que podem haver alguns “efeitos colaterais” na economia. “Sozinho ele não vai fazer o Brasil virar um grande cofre verde, isso não vai acontecer do dia para a noite e também não é seu papel”, pontuou.

O coordenador ressaltou que é importante ficar muito atento aos seus riscos. “A depender dos setores que sejam regulados, ele pode criar uma inflação no país. Isso não significa que a economia brasileira não deve ter um mercado de carbono, pelo contrário, temos potencialidades ímpares no mundo e essa regulação precisa ser bem ajustada.”

Acordos comerciais

Além de ajudar na redução das emissões de gases poluentes, e, portanto, cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris, a regulação do mercado de carbono — junto com outras iniciativas como o hidrogênio verde e a produção de energia limpa — também devem contribuir para destravar acordos comerciais, como o de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. O bloco europeu vem fazendo exigências ambientais rígidas para assinar o tratado que vem sendo negociado há pouco mais de duas décadas.

"É mais uma iniciativa que vai compor uma estratégia de redução de emissões, o que se procura estabelecer é um mercado de carbono que converse com o ambiente internacional, ou seja, que a gente tenha uma conexão com mercados mais maduros estabelecidos no contexto internacional, como México, União Européia, Califórnia e Canadá", destacou o gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo.

Na avaliação do gerente da CNI, é importante que a regulação seja pensada de maneira conjunta com o setor produtivo. "O mercado de carbono vai compor toda essa estratégia de redução de emissão de gases de efeito estufa. Nada mais é do que um instrumento econômico de troca sustentável. A ideia é que a gente faça isso por meio de uma legislação, principalmente para que a gente possa ter as regras claras e a segurança jurídica necessária para fazer esse mercado funcionar", concluiu Bomtempo.

 

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