O secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, sinalizou ontem que o repasse da União para o Fundo Nacional do Desenvolvimento Regional — que compensará os estados por perdas na arrecadação com a reforma — deve ser menor do que R$ 50 bilhões. Appy comentou o tema ao participar de painel do Correio Debate: Reforma Tributária e a Indústria, promovido pelo Correio e pelo Conselho Nacional do Sesi (CN-Sesi). Ele frisou, porém, que a União está sim disposta a compensar as unidades federativas.
"Em momento algum a gente chegou a valores de R$ 50 bilhões ou R$ 60 bilhões. Mas sim, a União está disposta a compensar os estados", declarou durante sua participação no evento. Governadores, por sua vez, defendem que o valor tem que ser próximo a R$ 100 bilhões para que não haja prejuízo aos estados que devem perder arrecadação com a reforma, especialmente os da região Centro-Oeste. Em fala anterior, o presidente do Grupo de Trabalho (GT) que discutiu a matéria na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), argumentou que o valor teria que ser ainda maior, em torno de R$ 150 bilhões.
Questionado por jornalistas ao final do evento, Appy esclareceu que o valor estimado em estudos internos da pasta — o Ministério da Fazenda — é menor do que R$ 50 bilhões, apesar de não ter revelado o montante. "Não está fechado, mas, pelas contas internas, não chega a esse valor. De qualquer forma, tem transição", respondeu o secretário.
O valor do fundo é um dos pontos de tensão entre os estados e a União, que quer aprovar a reforma ainda neste semestre, antes do recesso parlamentar. O tema será debatido em reunião convocada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), amanhã com os governadores. O texto ainda está em tramitação e pode sofrer mudanças.
Mesmo com valor abaixo do esperado, Appy argumentou que a criação do Fundo é uma alternativa melhor para o desenvolvimento dos estados do que os benefícios fiscais concedidos atualmente. Com a reforma, os entes federados serão incapazes de baixar impostos para, por exemplo, atrair empresas. Segundo o secretário, porém, os benefícios atuais acabam se cancelando e aumentando o custo logístico das companhias.
"Tendo recursos (do Fundo), vai aplicar no quê? Naquilo que você tem vocação. Naquilo que gera mais emprego e renda", frisou Appy. Ele alertou ainda que o sistema tributário atual é "feito para não funcionar", e que a reforma trará grandes benefícios no longo prazo. Em sua visão, a indústria é a atividade mais prejudicada hoje em dia, com maior custo tributário e de investimento.
Segundo estudos sobre a proposta, o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) promovido pela reforma ficará entre 4% e 20% em 15 anos. Appy destacou que, mesmo em um cenário mediano, com aumento de 12%, todos os setores econômicos serão beneficiados.
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Indústria desmontada
O secretário participou do segundo painel do Correio Debate, ao lado da Secretária de Competitividade e Política Regulatória do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Andrea Macera, do analista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Altair Garcia, e do economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro.
A secretária do MDIC reforçou que a indústria é um dos setores mais prejudicados atualmente, e disse ver "com bons olhos" o texto em tramitação no Legislativo. "Achamos que o relatório aprovado no GT da Câmara vai ao encontro da demanda da indústria: simplificar, acabar com essa história de cumulatividade, tributar no destino e não na origem", destacou Andrea.
Oreiro, por sua vez, disse que vinha alertando há anos sobre o processo de desindustrialização do Brasil. "Eu até gostaria de estar errado, mas eu não estava. De uma participação no PIB de mais ou menos 27% na década de 1970, hoje a gente tem 10%", explicou o professor. Ele frisou ainda que a economia brasileira regrediu a um modelo mais primitivo, exemplificado pelo fato de que 50% da força de trabalho está desempregada, autoempregada ou na informalidade.
O analista Altair Garcia defende que não adianta realizar uma reforma no destino sem rever a tributação sobre os mais ricos. "A desigualdade tributária é brutal no Brasil. Tributa-se muito no consumo, e pouco na renda e patrimônio. A reforma seria mais ousada se tocasse nesses lugares que são difíceis de falar", enfatizou.