O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem despontando como o mais forte ministro do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em meio a uma maré de boas notícias na área econômica que tem ajudado na avaliação de seu desempenho nos primeiros seis meses do governo.
A surpresa positiva do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, com alta de 1,9%, acima das expectativas do mercado, consolidou as perspectivas de que, após a entrega do novo arcabouço fiscal, embora com alguns pontos críticos, houve uma acomodação das incertezas em relação à economia. Com relação à desaceleração da inflação, analistas observam que ela não é mérito de Haddad, mas resultado, principalmente, das reduções dos preços da gasolina e dos efeitos da política monetária do Banco Central, que é alvo de críticas de Lula e de seus aliados, inclusive, de Haddad.
O ápice de boas notícias para o ministro foi alcançado com a melhora da avaliação da agência Standard & Poor's (S&P) que, na última quarta-feira, melhorou a perspectiva de risco do Brasil, dando um voto de confiança ao avanço do novo arcabouço fiscal, embora mantendo o rating da dívida do país. Mas, como destaca o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, o Brasil continua três notas abaixo do grau de investimento e em níveis parecidos com os do período de 1995 a 2006. "De uma amostra de 86 países emergentes, fazem parte do grupo em que o Brasil está ranqueado (BB-) África do Sul, Bangladesh, Guatemala, Honduras e Uzbequistão."
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Ministros ainda vai enfrentar desafios
Logo, o bom momento de Haddad, é considerado conjuntural, e ele ainda vai enfrentar muitos desafios ao longo do ano, especialmente os riscos de uma recessão global e de uma economia doméstica em desaceleração no segundo semestre, que colocarão à prova o compromisso com a responsabilidade fiscal diante do previsível aumento de pressões do lado mais gastador do governo, que tende a ficar ávido por medidas populistas para evitar a perda de popularidade.
Especialistas reconhecem que a sagacidade política de Haddad, que sabe dialogar e usar bem a diplomacia — ao contrário de seu antecessor, o ex-ministro da Economia Paulo Guedes, que tropeçava no ego de tamanho avantajado —, o tem diferenciado dos demais integrantes do primeiro escalão do governo.
A habilidade política tem ajudado o ministro a ter bom diálogo com integrantes do Centrão, e ele até recebeu elogios do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), que o considera melhor articulador do que os ministros palacianos. Em entrevista recente à GloboNews, Lira contou ter sugerido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o nome de Haddad para chefiar a Casa Civil, no lugar de Rui Costa, que é criticado por parlamentares por engavetar nomeações e não ter o mesmo traquejo político do ex-prefeito de São Paulo.
Serenidade
"O ministro Haddad tem se destacado pela serenidade com que trata os temas, uma postura de equilíbrio e com foco em argumentos para justificar a tomada de decisão. Isso tem ajudado a encaminhar de forma favorável a maioria dos projetos da agenda econômica do governo", afirma o líder do União Brasil no Senado, senador Efraim Filho (PB). "Não é à toa que Haddad conseguiu respaldo junto ao mercado, migrando de um cenário de desconfiança no momento da nomeação para ser o interlocutor mais confiável do setor produtivo com o governo", acrescenta o parlamentar de um dos maiores partidos do Centrão.
Advogado, com mestrado em economia e doutorado em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), o ex-prefeito de São Paulo foi escolhido por Lula para chefiar o Ministério da Fazenda durante a transição de governo. Antes da confirmação, chegou a sofrer puxadas de tapete de integrantes da equipe, mas o presidente dobrou a aposta no protegido, que está cada vez mais próximo do chefe do Executivo.
Por não integrar o "núcleo duro" do PT e a ala esquerdista mais radical do partido, Haddad tem sido visto como um bom articulador de centro. Conseguiu avançar com o novo arcabouço fiscal no Congresso, mas ao mesmo tempo, leva rasteiras como a aprovação, na semana passada, da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores econômicos por quatro anoa, na Comissão de Assuntos Econômicos (CE) do Senado. Ele se queixou da pressa dos parlamentares, pois promete apresentar a proposta do governo para a segunda etapa da reforma tributária, no segundo semestre. A ideia é fazer uma revisão de incentivos fiscais e focar no aumento da tributação sobre renda e propriedade.
Jogo da política
E nem tudo são flores. Assim como seu antecessor, Haddad era considerado arrogante com os interlocutores. Mas, ao contrário de Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro, Haddad, desde que se sentou na cadeira do gabinete do 5º andar do Bloco P da esplanada dos Ministérios, mostrou que sabe jogar o jogo da política. Analistas lembram que o início do governo foi desastroso, especialmente depois de Lula romper a "lua de mel" com o mercado em curtíssimo espaço de tempo e prometer reverter os avanços da agenda liberal que vinha sendo conduzida no governo Michel Temer, como a reforma trabalhista, o marco do saneamento e a privatização da Eletrobras.
"Haddad entendeu os constrangimentos da atuação dele e que não adianta brigar abertamente com o mercado nem com o Congresso. Ele vem conseguindo negociar, achar pontos de convergências entre grupos de visões diferentes. E está no meio entre os dois extremos: o lado apocalíptico da Faria Lima (coração do mercado financeiro de São Paulo), que acha que o mundo vai acabar amanhã e o do pessoal de esquerda eminentemente elitista, que acha que todo ajuste fiscal é besteira e que o governo pode gastar à vontade", destaca o economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e professor visitante na Universidade de Georgetown, em Washington.
"A realidade política concreta que ele tem não é a de um governo que ganhou a eleição com 30% de vantagem. O projeto ideológico não foi aprovado por toda a população. Ele sabe que Lula foi eleito com uma margem mais apertada do que Dilma Rousseff teve em 2014, e muito pela rejeição a Bolsonaro e por razões não econômicas. Grande parte das pessoas rejeita Bolsonaro não pela política econômica que era tocada pelo Paulo Guedes, mas por outras razões. Lula não tem mandato para fazer um governo totalmente de esquerda", pontua o ex-diretor do BC.
"O ministro dialoga e não trata as pessoas como inimigas. Ele critica o Roberto Campos Neto (presidente do Banco Central), é óbvio, mas é cordial. Se o governo tratar a Faria Lima como inimigo, rompe o diálogo. E Haddad está lá, tentando achar um novo caminho do meio", afirma.
Escolha acertada
O cientista político Dawisson Belém Lopes, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca que Lula sabia que não podia errar quando escolheu Haddad para comandar o Ministério da Fazenda. "Ele precisava se blindar, e essa aposta está se mostrando correta. Há elementos que mostram que Lula nunca pretendeu dar uma condução heterodoxa na política econômica", diz ele, citando como exemplos dessa busca de uma gestão com toques de liberalismo a ministra Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, e o vice-presidente Geraldo Alckmin, que também chefia a pasta do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
"O histórico de Lula no primeiro mandato de governo também trouxe Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda), que era um gesto de composição com ortodoxos e jeito absolutamente seguro de conduzir a economia, sem dar um cavalo de pau ou intervencionismo", emenda Lopes. "Haddad é o mais político dos ministros. Já foi prefeito e ex-candidato à Presidência. Ele vai por um caminho previsível e vai conquistando a confiança dos atores. A melhora na avaliação do risco pela S&P mostra que o mercado internacional está vendo o país com bons olhos", acrescenta.