Manaus — Na tentativa de encontrar uma solução para o impasse sobre a manutenção da Zona Franca de Manaus (ZFM) na reforma tributária, o Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), ligado à Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), entregou ao grupo de trabalho um relatório com propostas para a região na nova legislação. Além de defender a manutenção de um tratamento tributário favorecido, o setor enviou um projeto para a criação de um Fundo Constitucional da Bioeconomia, apelidado de "FMI da Amazônia".
A ideia é de que o montante seja composto por recursos arrecadados com CBS e IBS, no caso da adoção de um IVA dual (dois impostos sobre valor agregado), conforme sugere a PEC 110/2019. O relator da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), confirmou que apresentará o relatório do projeto amanhã e existe a expectativa de que o texto incorpore alguma solução para a Zona Franca.
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A região é atualmente beneficiada com incentivos fiscais baseados em quatro tributos que serão extintos com a reforma: os federais PIS, Cofins e IPI e o ICMS, imposto estadual. O fundo seria uma alternativa para manter a competitividade do Polo Industrial de Manaus (PIM) e complementar a diversificação do modelo.
Segundo o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenador do estudo Zona Franca de Manaus: Impactos, Efetividade e Oportunidades, Márcio Holland, a alternativa leva em consideração os aprendizados do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), mas sem a "ingerência" da União. A composição teria como base o orçamento do estado do Amazonas, além de futuros aportes da iniciativa privada.
"Não se está discutindo apenas a reforma tributária; precisamos pensar na agenda da região em geral. O 'FMI da Amazônia' poderia organizar os recursos derivados dos vários fundos estaduais, nos recursos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), de P&D e no percentual da arrecadação do IBS. Seria constitucional e de difícil contingenciamento, se capitalizado com efetividade e boa estrutura de governança", afirmou Holland.
A alternativa surge em meio à garantia do governo de não causar "mudanças traumáticas" na região, conforme declarou o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. De acordo com a proposta, o fundo poderia ser utilizado inicialmente, somente para ressarcir os atuais contratos concedidos pelos estados para a subvenção de investimentos, como é o caso da Zona Franca.
Criada em 1967 e com validade assegurada até 2073, a Zona Franca concede benefícios fiscais para indústrias instaladas na região, com o objetivo de fomentar empregos e gerar renda na Amazônia. Só para este ano, a renúncia de impostos federais para a região e áreas de livre comércio deve passar de R$ 35 bilhões. A efetividade do modelo de incentivo foi alvo de críticas em relatório divulgado no último mês pelo Banco Mundial.
Receita
Segundo o presidente do Conselho Superior do Cieam, empresário Luiz Augusto Rocha, apenas 31,3% da arrecadação federal no Amazonas retorna em forma de transferência de receita para o estado. "Muito se fala de isenção na Zona Franca, mas nós pagamos impostos sim e este não é um modelo de isenção, são benefícios e compensações para potencializar a nossa competitividade. A Zona Franca não será empecilho na reforma, as empresas também desejam o aperfeiçoamento do caótico sistema tributário, mas precisamos manter a vantagem comparativa", afirmou Rocha, ao rebater críticas.
"Há uma percepção, talvez decorrente do desconhecimento, que gera falta de compreensão do país de que o nosso concorrente não é a indústria do Sudeste ou outras regiões no Brasil, mas sim outros países. É desta competitividade que estamos falando", disse Rocha, sobre a expectativa de que outros estados seriam beneficiados com o fim da Zona Franca.
O presidente do Cieam destacou ainda que o tratamento tributário diferenciado é importante para o desenvolvimento do potencial regional. "Precisamos pensar na Amazônia brasileira como um grande ativo nacional e não como um santuário. O modelo da Zona Franca foi um importante marco para a preservação da região e é com a diversificação produtiva que seremos capazes de interiorizar o desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida da população, estimular a educação e promover a bioeconomia", declarou.
Infraestrutura
Doutor em engenharia de transportes, o professor associado da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Augusto Rocha, avalia que o maior gargalo para o desenvolvimento econômico da região amazônica é a falta de infraestrutura e não os problemas de logística. "Estamos olhando para o problema errado, não há problema de logística na Amazônia, só há uma carência histórica de infraestrutura. Sempre que falamos sobre logística há a impressão de ser um problema transportador muito grande, mas de uma forma ou de outra ela acontece", afirmou.
Rocha destacou o motivo da deficiência histórica: "Se faz um manto verde para que não se faça rodovias na Amazônia, que muitas vezes demonstra uma preocupação ambiental falsa. A região acaba sendo impedida de se desenvolver enquanto se mantém o extrativismo. São equívocos do passado como a Transamazônica, que nunca foi concluída, que não podem ser repetidos."
Segundo o pesquisador, a melhoria da infraestrutura seria a grande solução para os problemas da região e talvez assim não seria necessária a manutenção do modelo da Zona Franca de Manaus. "Não tem que fazer reforma para acabar com a Zona Franca, invista em infraestrutura que essa vantagem competitiva não será mais necessária", disse.
*A repórter viajou a convite do Cieam