Um dos pontos mais discutidos na economia digital é a chegada de novas tecnologias ao mercado, a exemplo da inteligência artificial. Para o economista do IDP e pesquisador do CAPP/Universidade de Lisboa, José Roberto Afonso, o risco de perda excessiva de empregos para sistemas avançados é um dos problemas que deve ser pautado com cautela na nova reforma tributária.
"Estamos vivendo, hoje, talvez um dos momentos mais disruptivos e de maior transformação na história da civilização brasileira, especialmente dos últimos séculos", destaca o pesquisador, ao avaliar que, além de provocar desemprego, a IA deve levar a um "abismo de desigualdade". "É para isso que a gente tem que se preparar, inclusive repensando no nosso sistema tributário. Acho que esses são os desafios de olhar para frente", pondera.
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A última reforma tributária data de 1963, antes da ditadura militar, e instituiu os impostos até hoje existentes, como PIS, Cofins e ICMS. O economista José Afonso explica que a mudança naquela época foi fundamental, assim como a que se desenrola em Brasília. "Eu acho que hoje a gente precisa ter a mesma coragem e o mesmo discernimento e competência que tiveram os brasileiros de mais de 50 anos atrás, quando a gente está discutindo sistema tributário", defende Afonso.
Segundo o pesquisador, o principal desafio referente à manutenção de empregos com a reforma tributária, consiste na substituição da política atual de arrecadação, baseada em emprego e salário, vigente desde o pós-guerra. Além disso, para o economista é preciso atenção especial com a proteção social dos trabalhadores. "Tente olhar para o primeiro trimestre deste ano no Brasil, em que foram criados 500 mil e poucos empregos líquidos. 80% deles está em micro e pequenas empresas. E foram criadas mais de 1 milhão de empresas. O dobro de empresas em relação ao número de empregados", exemplifica.
Diante disso, Alonso reflete acerca da transformação social radical gerada na forma como os empregos são estabelecidos no país e no mundo. "Emprego já não é mais sinônimo de trabalho. Número de alíquotas é irrelevante na era digital. Então, a inteligência artificial é capaz de varrer páginas e páginas de regulamentos e decretos. Então, mudou-se o eixo de discussão", avalia Afonso.
Modelo de impostos
Embora reconheça avanços na proposta da reforma tributária, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, critica o modelo de impostos no Brasil. Segundo ele, em vez de tributar o consumo e a produção, o Estado deve taxar patrimônios e renda.
"Eu valorizo a intenção de uniformizar e simplificar. O problema do modelo tributário ser baseado na taxação do consumo e da produção. O milionário, quando vai comprar um quilo de feijão, pagará o mesmo imposto que uma pessoa que ganha um salário mínimo, por exemplo. Isso é injusto e é preciso mudar esse modelo para cobrar impostos sobre a renda e sobre o patrimônio", defende.
A demanda apresentada por Sérgio Nobre é prevista pelo Ministério da Fazenda e deve ser colocada em prática em um segundo momento. A proposta inicial da reforma tributária, que deve ser votada na Câmara na primeira semana de julho, buscará a uniformização dos tributos, mas manterá a taxação sobre o consumo e produção.
Acúmulo
O presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Rodrigo Spada, explicou que, cada vez mais, os produtos estão interligados em questões de bens e mercadorias e, também, de serviços prestados. Segundo ele, a base de crescimento está concentrada em um segmento: os serviços. "Quando você separa as bases e fala que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobre sobre bens e mercadorias, e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), sobre serviços, aumenta o índice de litígio." Segundo ele, isso acontece porque os empresários querem pagar o menor, e o fisco quer cobrar o maior. "E com isso gera-se confrontos."
Segundo Spada, a desatualização do sistema tributário torna a separação entre serviços e mercadorias insustentável. "Quando a gente compra, por exemplo, um celular, como eu consigo mensurar qual é o percentual de hardware e qual o percentual de software neste celular? Ou em um notebook?", questiona.
Ainda de acordo com o presidente da Febrafite, é de amplo conhecimento que as classes mais altas de renda consomem mais serviços. Enquanto as classes mais baixas voltam-se aos bens e mercadorias. "Energia elétrica, telefonia, contas de luz, alimentação e remédios", pontua. "Com isso, você está efetivamente tributando até a sobrevivência da pessoa. A pessoa precisa daquele recurso para sobreviver e a gente está cobrando mais imposto, dificultando a possibilidade de sobrevivência dela", completa.
Caminho certo
Sócio e economista-chefe da Ryo Asset , ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Gabriel Leal de Barros, afirma que, em linhas gerais, a reforma tributária segue na direção correta. "Para avançar com a reforma, começam a ocorrer concessões para diversos setores. O ganho econômico da reforma é reduzido e, nesse ambiente, uma simplificação pode ser preferível. Essa contextualização é importante, pois a reforma parece começar a enfrentar resistência de governadores, prefeitos de grandes municípios, bem como de alguns setores como saúde, educação, transportes e construção civil", afirma.
"Nenhuma reforma é melhor que outra. Mas o custo-benefício do tipo e abrangência dela deve ser um guia para orientar o debate sobre essa agenda, que tem o potencial de transformar a realidade da economia brasileira no futuro próximo, se bem feita", analisa.
*Estagiário sob a supervisão de Michel Medeiros
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